Nas últimas décadas, no Brasil, o gás natural tem sido visto como um subproduto indesejado, quase um refugo da extração de petróleo. Seu destino mais óbvio costuma ser a reinjeção nos poços produtores ou a queima pura e simples. Com uma malha de gasodutos inferior à existente na Holanda, embora tenha território 197 vezes maior, o Brasil nunca conseguiu desenvolver seu mercado.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, está convencido de que o país precisa mudar essa dinâmica para aproveitar uma oportunidade histórica passando pela frente, com o pré-sal. Para ele, essa oportunidade é tão única como foi a recuperação da indústria americana, graças ao choque de energia barata advinda do “shale gas”.
Um dos grandes responsáveis por ter feito sua cabeça foi Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e primeiro brasileiro a completar doutorado na Universidade de Chicago, que se tornou entusiasta do gás natural como motor da reindustrialização. E Guedes o escuta. Langoni foi quem o levou para Chicago. Os dois têm conversado quase toda sexta-feira sobre o assunto. Marco Tavares, sócio-fundador da consultoria Gas Energy e tido como um papa no setor, ajuda com informações técnicas.
O ministro quer um pacote de medidas infralegais, sem a necessidade de passar pelo Congresso Nacional, pronto em cerca de 60 dias. Ele pretende agir tanto na “quebra de monopólios” quanto na demanda. Porém, conforme seus interlocutores, não serão “canetadas” com efeito imediato nas tarifas. Nada que lembre, por exemplo, a MP 579 – fatídica medida provisória pela qual a ex-presidente Dilma Rousseff forçou uma redução de 20% nas contas de luz.
Com o pré-sal, a oferta líquida de gás produzido no Brasil deve saltar de 65 milhões para 111 milhões de metros cúbicos por dia entre 2017 e 2027, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). É um volume alto demais para se queimar ou se reinjetar.
O problema é como criar um mercado para tanto gás. Hoje o insumo custa de US$ 11 a US$ 13 por milhão de BTU (unidade de referência no setor). Não se incrementa o consumo da matéria-prima com esse preço. Por isso, trabalha-se com uma meta de cortar o valor à metade do que se cobra atualmente na ponta final.
A estratégia envolve ações firmes nos segmentos de transporte e distribuição de gás. Nas distribuidoras estaduais, a estatal é acionista relevante em quase todas as empresas e há reclamações sobre conflitos de interesses. Fontes do setor comentam que, mesmo tendo vendido dutos de transporte, a Petrobras continua exercendo monopólio garantido em cláusulas contratuais. Gasodutos podem estar ociosos, mas outros produtores e potenciais consumidores não conseguem acessá-los.
A chave para reorganizar o mercado pode estar em um processo no Cade que investiga possíveis condutas restritivas da Petrobras no mercado de gás natural. Ninguém gosta de dizer isso publicamente na equipe econômica, mas pode ser um álibi perfeito para a venda de ativos da estatal na área. O comando atual da empresa está afinado com esse pensamento, gosta da ideia de se focar cada vez mais em exploração e produção, mas pode enfrentar dificuldades com acionistas minoritários para abrindo mão voluntariamente de negócios ou cláusulas contratuais que lhe dão um monopólio.
Paralelamente, no novo plano de socorro aos Estados em dificuldades financeiras, a União deverá exigir como contrapartida uma adesão dos governadores a parâmetros definidos nacionalmente para o mercado livre de gás. Hoje apenas São Paulo e Minas têm um marco regulatório mais favorável à figura dos consumidores livres. O Rio Grande do Sul, por exemplo, sequer tem regulação.
Se toda essa cartilha for bem aplicada e o preço realmente cair, “por mérito e não por mágica”, pode-se tornar viável, por exemplo, a produção nacional de fertilizantes e novos alto-fornos a gás, em vez de coque, nas siderúrgicas, afirma Paulo Pedrosa, ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, hoje presidente da Abrace (a associação dos grandes consumidores industriais de energia).
“Você aciona gatilhos de competitividade e promove uma reindustrialização”, acredita Pedrosa. Para Guedes, seria um feito político e tanto. Aos industriais, ele poderia assumir o discurso de que pretende abrir a economia, sim, mas dando condições reais de competição. Com um choque de energia barata.
Fonte: Valor Econômico
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