Em artigo publicado no Valor, Rutelly Marques da Silva, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e ex-Diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério de Minas e Energia, Mestre em Economia e sócio da Pakt Consultoria e Assessoria; e Marcio de Oliveira Junior, ex-Conselheiro e Presidente Interino do Cade, Doutor em Economia e Consultor Sênior da Charles River Associates, afirmam que o ano de 2020 tem sido visto como um ano de privatizações no setor de gás natural, principalmente no segmento de distribuição. Trata-se de um movimento que pode resultar em oportunidades para aumentar a concorrência no setor e beneficiar a economia brasileira.
O ano de 2020 tem sido visto como um ano de privatizações no setor de gás natural, principalmente no segmento de distribuição. Trata-se de um movimento que pode resultar em oportunidades para aumentar a concorrência no setor e beneficiar a economia brasileira.
A fim de que isso ocorra, é importante ter em mente que as privatizações no setor de gás natural não devem ser realizadas exclusivamente como um meio de enfrentar a crise fiscal dos Estados que controlam as distribuidoras. O objetivo meramente fiscal pode até gerar elevadas receitas, mas também perpetuar ou agravar problemas concorrenciais, comprometendo a competitividade de empresas instaladas nesses Estados e prejudicando a geração de emprego e renda.
É vital que os benefícios do aperfeiçoamento regulatório ocorram antes das privatizações. Se ocorrerem depois delas, as mudanças poderão enfrentar dificuldades ou obstáculos jurídicos e contratuais e criar um clima de instabilidade regulatória.
Nesse contexto, os Estados deveriam buscar um modelo de privatização que privilegie a concorrência e que, ao mesmo tempo, gere a maior arrecadação possível.
Tendo essa premissa norteadora, o desenho a ser usado nessas privatizações deveria estar coerente com o chamado “Novo Mercado de Gás” e com a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) nesse mercado, que ensejou um acordo firmado entre o órgão de defesa da concorrência e a Petrobras. Esse acordo visa a promover a desconcentração no mercado de gás (que também é objetivo do “Novo Mercado de Gás”) e, com isso, reduzir o potencial de condutas lesivas à concorrência.
Qualquer operação de fusão e aquisição decorrente das privatizações deverá ser avaliada pelo Cade tendo como base esse parâmetro. Por isso, espera-se que eventuais concentrações verticais e horizontais sejam tratadas com o devido rigor por parte do órgão antitruste, de forma a evitar o risco de os avanços obtidos no âmbito do “Novo Mercado de Gás” sejam comprometidos.
Para além desse aspecto, os Estados possuem uma oportunidade ímpar de desenvolver o mercado de gás natural em seus domínios. As privatizações deveriam estar associadas a um aperfeiçoamento do arcabouço regulatório da distribuição e comercialização de gás natural nos Estados para contemplar a liberdade de escolha dos consumidores em relação aos seus fornecedores, a exemplo do que está ocorrendo no mercado de energia elétrica, no âmbito do Projeto de Lei do Senado 232, de 2016.
A criação e a expansão do mercado livre de gás favorecem a concorrência, pois os consumidores terão mais alternativas, ou seja, poderão escolher entre diferentes fornecedores de gás, o que contribui para o desenvolvimento do mercado em âmbito nacional.
A liberdade de escolha conferida às empresas consumidoras de gás natural que acompanhará a expansão do mercado livre de gás permitirá que elas façam uma gestão eficiente do gás natural, contribuindo para a redução de seus custos e para o aumento da competitividade. O resultado será mais emprego e mais renda para a população local, pois haveria um “choque de oferta positivo”.
Vale lembrar que a queda do preço do gás nos Estados Unidos foi um fator importante para a recuperação da competitividade industrial daquele país e, em consequência, para seu desempenho econômico.
A mera previsão legal de um mercado livre não é, todavia, condição suficiente para que os seus benefícios sejam alcançados, já que a configuração de mercado resultante da privatização pode criar um ambiente desfavorável à concorrência. Basta pensar em uma situação em que a empresa distribuidora privatizada tenha incentivos para fechar mercado ou impedir o crescimento dos consumidores livres.
Isso é perfeitamente factível, pois as empresas privatizadas operarão ativos essenciais, as redes de distribuição, e poderão lucrar com eventual fechamento de mercado para as comercializadoras independentes de gás natural. Pelas regras atuais, nos Estados onde não há mercado livre, as distribuidoras estatais são remuneradas pelo uso da rede de distribuição e pela venda de gás aos consumidores finais. Assim, sem um arranjo regulatório adequado, há risco de as empresas de distribuição adotarem estratégias que impeçam a transferência de suas vendas para rivais, fazendo com que o mercado livre continue limitado.
Ou seja, mantidas as regras atuais, o controle das redes estaduais de distribuição e a verticalização podem proporcionar às empresas privatizadas os meios e os incentivos para a adoção de condutas prejudiciais à concorrência e, assim, diminuir os incentivos para a entrada de novos ofertantes de gás natural no mercado.
Para potencializar os benefícios do aperfeiçoamento regulatório, é vital que ele ocorra antes das privatizações, ou seja, que os novos controladores das distribuidoras assumam tais empresas já diante de uma nova realidade regulatória a fim de fazerem “valuation” correto dos ativos que adquirirão. A alteração do marco regulatório após as privatizações pode enfrentar dificuldades ou obstáculos jurídicos e contratuais e criar um clima de instabilidade regulatória.
Não temos tempo para, após as privatizações, descobrir que perdemos uma oportunidade de fomentar a concorrência, com benefícios para o conjunto da economia. O momento das mudanças que fomentem a concorrência e privilegiem os consumidores de gás natural é agora. Não devemos perder essa oportunidade.
Fonte: Valor Econômico – artigo Rutelly Marques da Silva e Marcio de Oliveira Junior
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