Em artigo publicado no Valor Econômico, o diretor executivo do Instituto E+ Transição Energética, Emílio Matsumura, afirma que em recente publicação associada ao Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, a Empresa de Pesquisa Energética projeta crescimento de pouco mais de 45% da oferta nacional de gás natural na malha integrada no período de 2019 a 2030, com importante expansão da parcela correspondente ao pré-sal ao longo dos próximos 10 anos.
Em recente publicação associada ao Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, a Empresa de Pesquisa Energética projeta crescimento de pouco mais de 45% da oferta nacional de gás natural na malha integrada no período de 2019 a 2030, com importante expansão da parcela correspondente ao pré sal ao longo dos próximos 10 anos
Levando em conta a capacidade dos terminais de GNL e as importações para o período, a mais nova projeção da oferta potencial de gás natural na malha integrada da EPE para o ano de 2029 cresce 15% em relação à projeção de referência do estudo anterior. Para acomodar tal crescimento, a EPE apresenta os investimentos já programados e discute possíveis novas ampliações ou expansões na infraestrutura de suprimento (terminais de GNL, UPGNs e rotas de escoamento do pré-sal).
Implantação de uma indústria de gás natural competitiva leva 10 anos. Em um cenário de maior urgência na descarbonização das matrizes mundiais, os investimentos para a expansão da infraestrutura correm crescente risco de virar ativos encalhados
Por outro lado, políticas de neutralidade de emissões de carbono até 2050 a 2060 têm sido anunciadas pelas maiores economias em resposta à necessidade de descarbonização (redução das emissões de gases de efeito estufa, GEE) das matrizes energéticas, movimento que tem sido caracterizado como o principal elemento da chamada transição energética. Como resultado, muitas políticas energéticas dos países têm sido direcionadas para incentivar a melhor utilização dos recursos energéticos no sentido de maximizar os benefícios líquidos da transição energética.
Nesse contexto, qual é o papel do gás natural na transição energética do Brasil?
Em primeiro lugar, é fundamental entender no que consiste o desafio da maior participação do gás natural na matriz energética nacional nos próximos anos, por conta da tendência de queda de preços das fontes renováveis variáveis, de eventual precificação de carbono e da incerteza sobre o grau de sucesso na implantação do Novo Mercado de Gás.
O Instituto E+ Transição Energética nasceu em 2018 com a missão de pensar a transição energética do Brasil. No estudo Panorama e Perspectivas para o Gás Natural no Brasil, publicado em agosto de 2020 sob nosso selo Perspectivas, é argumentado que a possibilidade de maior participação do gás natural na matriz energética brasileira está diretamente associada à sua competitividade econômica em relação às demais fontes energéticas nos próximos anos, o que permitiria, via substituição energética, uma redução de emissões de GEE na indústria e no setor de transportes.
O estudo traz valores para balizar o espaço que o gás natural pode alcançar na matriz energética, na hipótese de que o Novo Mercado de Gás tenha sucesso em implementar a efetiva abertura do mercado de gás natural no Brasil, com maior competição na oferta baseada em crescimento expressivo do número de agentes.
Para o consumidor industrial, que pagou em média US$ 14 a 15 por MMBtu em 2019, uma queda do preço para a faixa de US$ 5 a 7 por MMBtu possibilitaria tanto a substituição energética para uma fonte energética menos emissora quanto a viabilidade econômica de segmentos industriais hoje pouco atrativos, como o de fertilizantes nitrogenados. Preços neste patamar seriam interessantes também para a substituição do óleo diesel, especialmente no setor de transportes de cargas, embora o estudo reconheça a necessidade de medidas de políticas governamentais adicionais para reduzir a participação do óleo diesel neste segmento.
No caso do setor elétrico, a maior inserção do gás natural estaria associada a reduções de preços médios ainda maiores, uma vez que as fontes renováveis como eólica e solar apresentam uma perspectiva de redução de preços nos próximos anos. Na falta de um mercado secundário com liquidez suficiente para acomodar as diferenças entre as características de produção do gás natural do pré-sal e os crescentes requisitos do setor elétrico por maior flexibilidade operativa, o gás natural precisaria chegar às termelétricas abaixo de US$ 5 por MMBtu (incluindo uma eventual precificação de carbono).
Neste caso, o impacto decorrente em termos de emissões pode ser evitado com a alternativa de produção de eletricidade nas plataformas offshore, com captura e sequestro de carbono e transmitidas por cabos submarinos (Gas-to-Wire with CCS), desde que esse arranjo seja suficientemente competitivo.
Além dos desafios relacionados às expressivas reduções estimadas de preços, é necessário que estas ocorram em ritmo acelerado. Contudo, a implementação de uma indústria competitiva e plenamente funcional na indústria de gás natural é processo que leva historicamente pelo menos 10 anos. Dessa maneira, em um cenário de maior urgência na descarbonização das matrizes mundiais, os investimentos associados à expansão da infraestrutura do mercado de gás natural correm crescente risco de virarem ativos encalhados (stranded assets). O estudo aborda este tema sugerindo que eventuais novos investimentos na infraestrutura de expansão sejam feitos com análise cuidadosa de riscos, buscando, sempre que possível, o máximo aproveitamento da utilização da infraestrutura existente.
Em resumo, a participação do gás natural na matriz energética está fortemente condicionada à sua competitividade relativa nos próximos anos, levando-se em conta ainda a precificação do carbono. Em um cenário de aceleração da descarbonização da matriz energética, a janela para o gás natural na matriz energética nacional pode se estreitar mais rapidamente trazendo sérios riscos tanto para o sucesso do Novo Mercado de Gás quanto para o encalhamento de novos investimentos na infraestrutura de gás natural.
A urgência na aprovação e implantação do arcabouço legal e regulatório associado ao Novo Mercado de Gás e uma expansão de infraestrutura alinhada ao melhor uso da malha existente são passos necessários para que o gás natural possa ser, em determinados segmentos econômicos e de forma competitiva, o combustível de transição para uma economia com menor intensidade de carbono.
Fonte: Valor Econômico / artigo Emílio Matsumura
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