Em artigo publicado no Estadão, o diretor do CBIE, Adriano Pires, afirma que em mais um verão que não chove o suficiente no Brasil e mais um verão de seca nos EUA, o resultado é risco de falta de energia elétrica em ambos os países. De acordo com o Departamento de Recursos Hídricos da Califórnia, até agora em 2021, o Estado recebeu metade da chuva esperada, tornando-se o terceiro ano mais seco já registrado. A previsão é que o sudoeste americano pode estar entrando em uma era de megasseca, um período em que a extrema escassez de água dura décadas, em vez de anos.
Em um estudo publicado no ano passado pela revista Science, pesquisadores do Observatório da Terra Lamont Doherty, da Universidade de Columbia, estimaram que as mudanças no clima foram responsáveis por 47% da severidade da seca. No Brasil o nível de armazenamento dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste (que concentra 70% da capacidade de armazenamento dos reservatórios do País) encerrou maio no mais baixo porcentual já verificado para o mês na série histórica do ONS (32,1%) e pode chegar em novembro a 7,45%.
Diante desse cenário, o Brasil entra na terceira crise de energia elétrica nesses últimos 20 anos. Em 2001 tivemos um racionamento por falta de chuvas, ausência de térmicas e uma malha de transmissão que não interligava os submercados de energia, em particular o do Sul, com as demais regiões do Brasil. Em 2014, batemos na trave e nos salvamos pela presença de térmicas que foram acionadas no momento preciso e pelo gerenciamento dos reservatórios. Em 2014 a hidrovia Tiete/Paraná ficou 16 meses parada.
Agora em 2021, o nível dos reservatórios parece ser o pior das três crises e a receita adotada tende a ser a mesma de 2014. Vamos bater na trave como ocorreu em 2014? Difícil de afirmar. Mas os riscos são preocupantes, tanto para 2021 como para 2022. Mas por que vivemos em sobressaltos no setor elétrico há 20 anos? A resposta é simples: ausência de planejamento. O ponto em comum nas três crises é a água. Ou melhor a falta de água. Em 2001 a água era responsável por 90% da geração de energia; em 2014 e 2021, por 70%. Ou seja, continuamos dependendo muito da água e, consequentemente, do clima. E o que o planejamento tem feito?
Proibir usinas hidrelétricas com reservatório, substituindo-as por fio de água, incentivo à geração eólica e solar com subsídios e uma certa demonização das térmicas. Quando da previsão de períodos de seca, o planejamento conta com usinas termoelétricas, acionadas para compensar a menor oferta de hidreletricidade. No entanto, a perda da capacidade de regularização dos reservatórios das hidrelétricas, dada a prioridade às usinas a fio d’água, e a forte expansão das fontes renováveis intermitentes estão tornando a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) cada vez mais complexa, dependente do clima e com baixa confiabilidade, diante da falta de planejamento adequado.
Ou seja, o modelo atual já não reflete as novas condições do sistema elétrico e as alterações feitas nos últimos anos tentaram apenas equacionar problemas de curto prazo, não mudando as formas de remuneração/tarifação do despacho. A falta de flexibilidade no modelo atual não corresponde à nova realidade. O resultado disso é uma matriz elétrica muito refém do clima. As termoelétricas a gás natural cumprem quesitos necessários para acompanhar e garantir uma expansão segura do sistema elétrico.
As usinas a gás natural podem localizar-se próximas às áreas de maior crescimento da carga; têm a possibilidade de suprir energia nos períodos em que o sistema mais precisa; possuem capacidade de modulação diária (acionamento rápido); e independem das condições climáticas. Além disso, são as de menor impacto ambiental dentre as fontes fósseis e possuem um curto prazo para sua implantação.
Térmicas a gás natural inflexíveis, com fatores de carga superiores a 70%, podem funcionar como uma espécie de bateria virtual, permitindo um melhor gerenciamento do nível dos reservatórios e a expansão das outras renováveis intermitentes. A volatilidade do PLD será reduzida com a eliminação da necessidade do acionamento das térmicas mais caras e mais poluentes, tal como vem ocorrendo.
O desafio é construir uma matriz elétrica mais equilibrada, menos refém do clima e mais diversificada. E aí apagões nunca mais.
Fonte: O Estado de S.Paulo / artigo
Related Posts
Investimentos na infraestrutura de gás paulista já geram efeitos positivos para a abertura de mercado no Brasil
Em artigo publicado no portal da agência eixos, o sócio-fundador da ARM Consultoria e ex-presidente da Naturgy Brasil, Bruno Armbrust, afirma que O Brasil se aproxima de um desfecho para uma questão...
As possibilidades do biometano
Em artigo publicado no Valor, o especialista em Projetos e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV, Jaques Paes afirma que O combustível do futuro já fez parte do nosso passado, mas o...