Em artigo publicado no Valor, Paulo Pedrosa e Adrianno Lorenzon, respectivamente presidente e diretor de Gás Natural da Abrace, afirmam que
A viagem do presidente Lula à Argentina reacendeu o debate sobre o gás natural e o seu potencial para se tornar combustível de apoio à transição energética, promovendo a reindustrialização do Brasil. Os acordos firmados com nosso vizinho para fomentar a construção de um gasoduto em seu território poderiam viabilizar a exportação do gás da Argentina para o Brasil.
A perspectiva de aumento da oferta do gás argentino pode nos ser benéfica: seja via conexão direta (que ainda dependeria de outro gasoduto ligando a fronteira até Porto Alegre), seja de forma indireta, ao aumentar a sobra de gás da Bolívia para o Brasil. Assim, o aumento da competição na oferta de gás poderia gerar benefícios ao ainda incipiente mercado brasileiro.
Independente desse direcionamento, é necessário que o governo brasileiro avalie políticas que aumentem a produção nacional e, por consequência, reduzam a dependência externa deste energético. Isso confirmaria uma grande vantagem comparativa do país: a segurança do suprimento a partir da diversidade de sua matriz energética. E com isso menor exposição à volatilidade do mercado internacional.
Atualmente produzimos muito gás, diferente da época em que o Gasbol foi construído, trazendo gás boliviano ao país. As últimas informações da ANP apontam que a produção brasileira foi de 140 milhões de m³/dia. Como comparação, esse volume é equivalente ao que a Rússia, antes da guerra, fornecia à Europa pelo gasoduto Nordstream 1. Entretanto, desse montante produzido pelo Brasil, apenas 50 milhões m3 /dia foram efetivamente ofertados ao mercado interno, e 72 milhões m3 /dia foram reinjetados nos poços.
Temos bastante gás, mas por que ainda não somos autossuficientes? Por que reinjetamos metade de tudo que produzimos? Dependendo de quem responda, pode haver diferentes explicações.
Os que justificam a reinjeção defendem que ela aumenta a produção de petróleo, gerando mais valor ao produtor e mais royalties ao Estado. Já outros atribuem a elevada reinjeção à má qualidade da regulação e ao conflito entre o grande mercado nacional competitivo proposto na Lei do Gás e algumas legislações estaduais, que dificultam o fomento ao mercado livre.
Esse ambiente conflituoso limita o consumo de gás, por aumentar os custos e os riscos para o consumidor final.
Nessa linha, a falta de demanda firme, para ancorar o aumento da oferta, estimula a reinjeção. Isso porque grande parte das reservas brasileiras são associadas ao petróleo. Sendo assim, o gás precisa fluir da produção ao consumo já que não temos capacidade de estocagem, nem possibilidade de exportar.
Finalmente, há ainda quem acuse a Petrobras pela questão e entenda que ela toma a decisão empresarial de limitar a oferta nacional. Mantendo o Brasil na condição de importador, ela garantiria que o preço cobrado fosse baseado nos altos valores de importação de GNL. O fato é que há uma grande assimetria de informações e dificilmente haverá convergência entre as diferentes explicações, que talvez sejam complementares. Possíveis soluções passam pela ação do governo federal. A nova demanda para lastrear a produção de gás pode ser criada por estímulo ao aumento do consumo por setores industriais energointensivos – seja por novas plantas, seja por substituição de combustíveis que contribuem para o aquecimento global. Importante considerar que essa demanda deve ser criada com base em sinais econômicos e não pela determinação arbitrária, como foi no caso das térmicas da privatização da Eletrobras. Utilizar forçosamente o sistema elétrico como alavanca para o mercado de gás trará consequências ineficientes para ambos os setores.
Por outro lado, o aumento da produção industrial significa investimento de qualidade para o país. Um dos requisitos para aumento do consumo é a implementação de regulações federal e estaduais harmônicas, que aloquem corretamente riscos e custos entre os agentes da cadeia. Para isso, sugere-se a construção de um pacto nacional entre os diferentes entes federativos. Além disso, cabe ao governo, como acionista majoritário da Petrobras, avaliar se a empresa toma decisões que equilibrem no curto e no longo prazo as decisões sobre reinjeção de gás, permitindo o desenvolvimento de um mercado em que a estatal prosperará.
Outra alternativa é o uso do gás da União, em processos competitivos, para, ao mesmo tempo, maximizar as contribuições ao Tesouro e fundos sociais e desenvolver o setor. A criação de um mercado secundário a partir do gás da União fomentará a competição e será um elemento de confiança na atração de investimentos tanto na produção como no consumo do energético. Propõe-se, ainda, à ANP revisar a metodologia para aprovação dos planos de desenvolvimento dos campos petrolíferos, de forma a assegurar que as decisões sobre reinjeção garantam a otimização dos resultados das áreas concedidas. Por fim, destaca-se a importância de projetos de estocagem de gás, de forma a instrumentalizar o sistema para acomodar as variações naturais entre a produção e a demanda do insumo, facilitando uma integração eficiente entre o gás e a energia elétrica. Para isso, a ANP deve criar regulação para a atividade de armazenamento, ainda inexistente.
O Brasil está diante de uma oportunidade única. Um novo ciclo de industrialização pode ser destravado pela maior oferta de gás e o aumento da concorrência no mercado. Isso pode ser feito em favor da transição energética para um futuro 100% renovável, nossa grande vocação. A origem do combustível pode ser diversa – Argentina, Bolívia ou EUA – mas devemos focar na eliminação das barreiras existentes para destravar a oferta nacional. Assim, poderemos aproveitar nosso enorme potencial e garantir mais produção à nossa indústria, gerando empregos, renda e desenvolvimento para o país.
Fonte: Valor Econômico
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