Em artigo publicado no Monitor Mercantil, o economista e consultor óleo e gás natural, Marcio Balthazar da Silveira, afirma que,
Frequentemente, s relatórios/diagnósticos/proposições em início de governo, na alta burocracia, aceitam todo tipo de letra. Essa não é uma característica deste governo. Na área de gás natural, desta vez, o novo governo fez circular um documento com algumas proposições que merecem um comentário.
Afinal, o que significaria remodelar o Novo Mercado de Gás Natural e rediscutir o TCC do Cade?
A Petrobras já se desfez da Gaspetro, TAG e NTS com o aplauso do Cade, mas ainda não concluiu a venda da TBG. Afinal, quais seriam os principais pontos de toque? Ponto 1: mirar na recompra das participações vendidas pela Petrobras? Ponto 2: considerar a Petrobras para destinar investimentos para garantir a construção de novos gasodutos de transporte e/ou com garantia de ocupação de capacidade? Ponto 3: construir plantas de amônia e ureia de retorno duvidoso ou investir em termeletricidade de novo?
O negócio de uma companhia de petróleo é buscar, encontrar e vender óleo e gás, assumindo os riscos ligados a essas atividades, que não são pequenos. É isto que faz da Petrobras uma companhia de excelência a ser seguida no desenvolvimento em E&P (exploração e produção). O refino (processamento) e a logística são atividades-meio, que podem perfeitamente se enquadrar em um perfil de investidores mais afeitos a investimentos de longo prazo, riscos medidos e com custos e receitas perfeitamente previsíveis, ou seja, um fluxo de caixa.
É preciso que se entenda com clareza que gasodutos são, claramente, monopólios naturais. Somente sob condições especiais se licitaria um gasoduto paralelo para se competir por volumes adicionais. Naquela faixa em que atua uma transportadora que já movimenta gás natural até os city-gates construídos (e viabilizados) junto aos mercados finais, não se supõe um gasoduto de uma transportadora concorrente. Gasodutos são empreendimentos de elevado custo de investimento e especialmente sensíveis à escala de ocupação.
Não há maneira mais econômica de se movimentar gás natural que por gasodutos, com elevada taxa de ocupação. Assim como não há maneira menos econômica de se movimentar gás natural do que em um gasoduto com baixa taxa de ocupação.
A contrariar esta regra, nos anos 90, à Petrobras, ainda no exercício do monopólio do petróleo, foi imposta como política de Estado a construção do gasoduto Bolívia-Brasil, com 3.150 km de extensão e um custo total nominal superior a US$ 2 bilhões. Na época, para se montar todo o arcabouço financeiro de sustentação do projeto, a Petrobras garantiu o mercado numa época em que o mercado de gás natural era praticamente inexistente, cabendo ao Tesouro Nacional fornecer garantias soberanas.
Esses dois pilares permitiram que o empreendimento pudesse receber financiamentos do Banco Mundial e outras agências privadas de financiamento, mas o risco financeiro de mercado do projeto foi integralmente absorvido pela Petrobras.
Uma outra possível proposição poderia vir com a criação do Operador Nacional do Gás, que visasse “equacionar problemas locais de abastecimento”, ou seja lá o que isso possa significar. Trata-se de uma ideia perfeita, funcionando de forma análoga ao mercado de energia elétrica. Isso já existe em outros mercados mais desenvolvidos, em que a tarifa de transporte é determinada pela demanda por capacidade em razão da flutuação na oferta e demanda por gás natural pelo mercado.
Seria um ambiente no qual poderiam participar, com transparência e liquidez, todos os agentes, como ofertantes (produtores ou não) e demandantes, assim como operadores de logística, transporte, back-up e estocagem de gás natural. Em resumo, todos os que desejarem compartilhar os riscos da flutuação na oferta e demanda por gás natural ao mercado.
Colocar no colo da Petrobras a missão de viabilizar gasodutos – se isto passar pelos órgãos de gestão da companhia (que, espera-se, se fortaleçam) – significaria desviá-la de sua função elementar que a faz uma corporação de óleo e gás, para atribuir funções que já se mostraram secundárias. Seria muito mais do mesmo.
São muitas páginas viradas na história da companhia, que detém, hoje, um reconhecimento mundial pela excelência naquilo que se propõe a executar, em linha com o que lhe é esperado por seus acionistas.
Para que não se incorra nas mesmas precipitações ou oba-obas que vimos em governos anteriores, aqueles que participam dessa transição precisam entender que o “fortalecimento da participação” da Petrobras no mercado (que se propõem buscar) dependerá da sustentação das regras alcançadas que a resgataram de uma situação de quase insolvência.
Impõe-se que a companhia use a riqueza proporcionada em décadas de exploração dos hidrocarbonetos não mais para movimentá-los construindo gasodutos, mas para prepará-la para uma era de transição energética, o que não é nenhuma novidade nas grandes corporações de petróleo que já estão se preparando para isso.
A agenda de competitividade a ser defendida junto ao novo ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), terá que difundir o acesso ao gás natural no curto prazo, sem artificialismos no preço, mas estimulando a indústria em torno de uma matriz energética inovadora e em torno de uma descarbonização dos insumos utilizados.
É nesse contexto que a Petrobras, com excelência energética, e outros produtores que atuam na produção de óleo e gás no Brasil, poderão ter uma contribuição de relevo.
No caso da Petrobras, espera-se que as ingerências políticas sejam neutralizadas de forma a que as decisões mais estratégicas da companhia sejam respaldadas pelo progresso científico de transição, que proporcione também eficiência e competitividade econômicas.
A promoção de revisões e aperfeiçoamentos ao marco regulatório serão sempre bem vindas, desde que visem a observância e transparência com a diversificação e ampliação na oferta de energia. Que se regule, observe e fiscalize, mas que se assegure soberania e se proteja o investimento das corporações.
É preciso cuidado para que qualquer proposta de plano nacional para a área de energia seja respaldada pela devida proposição de fonte de recursos que a viabilize. É o caso de pautas no Congresso que propõem a implantação do “Brasduto” e do “Proescoar”, ou mesmo de um novo programa visando a produção de fertilizantes, o “Profert”.
Fonte: Monitor Mercantil – Marcio Balthazar da Silveira
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