A possibilidade aventada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de que o Brasil venha a financiar parte da construção da segunda etapa do gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina, reacendeu debates sobre o mercado doméstico de gás natural. No Brasil, as regulações desse setor passaram por atualizações nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro para atrair empresas privadas, com a redução da participação da Petrobras no mercado. Especialistas alertam para a importância de o país seguir com as definições regulatórias que são necessárias para cristalizar as novas regras e garantir a diversidade de investidores.
Há diversas ações previstas na agenda da ANP para o mercado de gás, como a revisão das regras para distribuição de GNL e do GNC, além da elaboração de uma resolução que regulamenta a interconexão de gasodutos de transporte.
As regras sobre comercialização e carregamento de gás também estão sendo revistas pela agência, para adequação às leis de abertura do mercado. A ANP também está elaborando as diretrizes para o acesso ao sistema de transporte de gás por diferentes agentes.
A venda de ativos da Petrobras e as mudanças regulatórias ajudaram a atrair novos grupos para as áreas de fornecimento, distribuição e transporte de gás, mas não concretizaram o “choque de energia barata” prometido pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
A lei com as mudanças regulatórias foi aprovada no Congresso em março de 2021. As alterações visaram sobretudo dar uma maior dinâmica ao mercado livre, no qual os consumidores negociam diretamente com os fornecedores, mas diversos Estados também precisam harmonizar as regulações locais com as novas regras para viabilizar esses contratos.
O presidente da Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Rogério Manso, diz que é importante dar continuidade à abertura para garantir a atração de recursos. “Os investimentos nessa área são de longo prazo, de até 30 anos para amortização. Os investidores têm uma preocupação grande em garantir que o ambiente de negócios seja previsível e estável.”
O governo Lula sinalizou que vai interromper a venda de ativos da Petrobras, mas não apontou alterações nas regras de abertura do setor de gás. Um dos questionamentos do mercado é o que vai ocorrer com a venda da parcela da estatal na Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia (TBG), responsável pelo duto transnacional. O processo de desinvestimento entrou em fase vinculante em maio de 2021, mas desde então não houve atualizações.
Na época da construção do gasoduto que liga o Brasil à Bolívia, a Petrobras foi protagonista. Agora, com a abertura do mercado brasileiro, especialistas dizem que é improvável que a estatal tenha o mesmo papel no novo projeto de integração regional ambicionado pelo presidente Lula, pois empresas privadas podem ter interesse.
A ideia do governo Lula agora é que o BNDES ajude a financiar a construção do duto que liga as reservas de Vaca Muerta, na Patagônia, à região metropolitana de Buenos Aires. A iniciativa é mais um passo na conexão entre os mercados de gás de Brasil, Argentina e Bolívia, mas não garante a integração total. Vai ser necessário construir um duto Uruguaiana (RS) e Porto Alegre para a conexão do gás argentino com o Gasoduto Brasil-Bolívia e com o restante do mercado brasileiro.
Especialistas dizem que a entrada do gás argentino pode ajudar a ampliar a competição nesse setor. Para o sócio do escritório de advocacia Schmidt Valois e ex-diretor da ANP, Aurélio Amaral, a maior oferta de gás pode incentivar o aumento da demanda. “À medida que a molécula de gás fica mais barata, a demanda se concretiza.”
Já o consultor Roberto Guimarães, da RG Energy Consulting, a principal questão para que o mercado de gás brasileiro seja mais dinâmico é a falta de um consumo mais robusto, concentrado nas termelétricas e na indústria. “Não temos infraestrutura nem mercado consumidor”.
Fonte: Valor Econômico