A aposta do Brasil no gás natural liquefeito (GNL) é frequentemente criticada devido ao grande potencial de produção nacional de gás, especialmente offshore.
No entanto, o consultor independente Eduardo Antonello acredita que a expansão da capacidade de regaseificação de GNL fará bem ao país.
Nesta entrevista, o fundador da Golar Power, adquirida pela New Fortress Energy em 2021, explica por que o combustível importado pode ter um papel significativo no Brasil.
BNamericas: Como você avalia o cenário atual para o setor de gás natural no Brasil?
Antonello: O Brasil, hoje, não tem problema de abastecimento de gás. Temos um excedente de água nos reservatórios. Então, pelo menos no que diz respeito ao próximo ano, não corremos risco algum de abastecimento de gás para atender à demanda existente.
Hoje, o foco é muito mais sobre uma questão de preço. Porque o preço ofertado no mercado interno inviabiliza a demanda, por exemplo, nas indústrias química, sobretudo no caso dos fertilizantes, e siderúrgica, no caso do HBI [hot briquetted iron].
Precisamos de uma oferta de gás a preço menor. Os contratos fechados ao longo de 2022, por uma questão de paridade com o mercado internacional, fecharam na faixa de 15% a 16% do Brent [referência internacional do barril de petróleo], que chegou a ultrapassar os US$ 100 no ano passado. Hoje, o preço do gás no Brasil está na faixa de 12,5% do Brent, que está em US$ 74. Ou seja, US$ 8,80 por milhão de BTUs [MMBTU], sem impostos e tarifas de transporte e distribuição. Para ter competitividade na produção de ureia, amônia e HBI, o gás teria que estar na faixa de US$ 4,00/MBTU, chegando na planta a, no máximo, US$ 6,00.
BNamericas: O que explica essa falta de competitividade do gás brasileiro?
Antonello: Ainda temos um cenário de domínio total da Petrobras. Como ela tem responsabilidade social e compromisso de assegurar abastecimento em um momento de aumento de despacho térmico, ela precisou se precaver, em 2021 [durante a crise hídrica], comprando GNL a preço spot no mercado internacional, o que desequilibrou o mercado brasileiro.
Temos inúmeras térmicas flexíveis [isto é, plantas despachadas conforme a necessidade], como as do Porto do Açu e de Sergipe, que usam GNL importado e podem garantir o abastecimento em momentos de baixa dos reservatórios hidrelétricos e/ou para compensar a variação de geração de energia eólica e solar.
Já o consumo industrial tem um match muito melhor com a produção de gás doméstico, até porque a produção offshore é majoritariamente de gás associado ao óleo [ou seja, se não houver demanda pelo gás, o operador seria obrigado também a interromper a produção de petróleo].
BNamericas: Como a integração energética regional pode contribuir para melhorar esse cenário?
Antonello: A melhor forma de baixar o preço do gás começa pela oferta, pela competitividade. Por isso, vale contar com o gás de países vizinhos a fim de jogar o preço para baixo.
O gás da Argentina, da Bolívia e da Venezuela é mais barato que o gás extraído no offshore brasileiro. Então, ele pode ajudar a puxar os preços para baixo por aqui. Mas é importante que ele possa ser importado por uma diversidade de players, não apenas a Petrobras, a fim de gerar competição no mercado nacional.
A Venezuela é a maior fronteira com potencial de crescimento da produção no mundo. Mas seria mais factível trazer esse gás liquefeito para cá. O Brasil, hoje, é muito bem servido por terminais de regaseificação de GNL. Temos à disposição os terminais de Pecém [no Ceará], da Bahia e da Baía de Guanabara [no Rio de Janeiro], que estão conectados à malha de gasodutos.
E ainda teremos os terminais de Sergipe, do Açu, da Comgás [em São Paulo] e de Santa Catarina [TGS], que serão interligados à malha, além do de Barcarena [no Pará], que é um sistema isolado. Então são oito terminais, com cerca de 120 milhões de m³/d de capacidade de regaseificação. Essa capacidade é perfeita para térmicas flexíveis.
BNamericas: Na semana passada, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) propôs a alteração das atribuições da estatal responsável por comercializar a produção do governo na partilha do pré-sal, a fim de ampliar a oferta de gás natural a preços mais competitivos. A ideia é criar um formato para troca (swap) do óleo do governo por volumes adicionais de gás natural disponíveis para comercialização por meio da Pré-sal Petróleo SA (PPSA). Qual sua opinião a respeito?
Antonello: A ideia de usar a PPSA para viabilizar um gás mais barato seria um grande fomento econômico, desde que esse gás seja para a indústria, não para térmicas. O Brasil tem uma aptidão imensa para usar gás na produção de fertilizantes e na siderurgia. Eu defendo o GNL para o nicho de mercado flexível [isto é, geração de energia elétrica sob demanda].
Fonte: BNamericas
Related Posts
YPF e Eni firmam acordo para primeira planta de GNL na Argentina
A YPF e a italiana Eni assinaram um memorando de entendimento (MoU) para viabilizar a instalação de duas unidades de liquefação de gás natural com capacidade conjunta de 12 milhões de toneladas por ano na...
Edge estuda GNL para transporte marítimo
O CEO da Edge, Demétrio Magalhães, a comercializadora está de olho no mercado de GNL para transporte marítimo e já tem conversas nesse sentido. “Temos algumas conversas em andamento. É um mercado que a...