Desde que o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, anunciou, em meados deste mês, que pretende desistir da venda da fatia acionária na Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), o mercado de gás nacional tem se mostrado preocupado e as opiniões de especialistas se dividem quanto à viabilidade de implementar a medida.
Fontes da indústria afirmam que a fala de Prates gerou desconforto em players que entraram no setor esperando o fim da posição dominante da Petrobras. Agora a possível desistência do negócio é vista como retrocesso em um setor que viveu um começo de abertura desde 2019. Foi naquele ano que a estatal fechou um acordo com o Cade para vender ativos de gás natural.
Diante da polêmica criada por Prates com as declarações sobre a TBG, fontes avaliam que a Petrobras teria alguns caminhos. Um deles seria alegar a falta de propostas de compradores a preços relevantes para os ativos. No mercado, a informação é de que a Petrobras teria recebido ofertas por preços abaixo do pretendido pela estatal.
Outra possibilidade seria a Petrobras tentar um novo acordo com o Cade. Segundo uma fonte da autarquia explicou ao Valor, qualquer acordo com o Cade pode ser revisto. A partir do pedido de revisão, o colegiado vai se preocupar em entender se existe razão de rever o acordo. No caso concreto envolvendo a TBG, nenhum pedido de revisão chegou ao órgão até agora, de acordo com a fonte.
E sem uma proposta de revisão ainda não é possível saber qual o humor do conselho para eventual pedido, por mais que, do ponto de vista teórico, seja possível revisar o acordo. Há contudo a impressão de que a falta de comprador não seria vista como um impedimento determinante pois, segundo a fonte, vender “depende do preço”. No caso da venda de refinarias, também acordada com o Cade, a Petrobras estipulou um prazo inicial que depois foi prorrogado. Com a nova gestão na estatal, o desinvestimento em refino não deve continuar.
Ainda segundo o interlocutor, mais importante do que rever o acordo no Cade seria lidar com a restrição da Lei do Gás, que proíbe a verticalização. Fontes avaliam que o episódio joga pressão sobre o Cade, uma vez que o colegiado pode ter a sua autoridade fragilizada caso permita que a Petrobras descumpra o acordo. Procurado pelo Valor, o Cade disse que não comenta casos em andamento. TBG também não comentou. Petrobras e YPFB não responderam até o fechamento desta edição.
O desinvestimento da estatal na TBG, que opera o lado brasileiro do gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), foi acordado com o Cade em 2019 dentro de um Termo de Cessação de Conduta (TCC), segundo o qual a empresa se comprometeu em ajudar na abertura do mercado de gás e no fim do monopólio estatal.
A petroleira tem 51% da TBG. O Gasbol começa em Santa Cruz de La Sierra e percorre 557 quilômetros no lado boliviano até entrar no Brasil pela cidade de Corumbá (MT). Dali, o gasoduto percorre mais 2.593 quilômetros, em cinco Estados. O trecho da Bolívia é de responsabilidade da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Giovani Loss, sócio da prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho, diz que caso a Petrobras opte pela renegociação do acordo, o processo ainda deve durar meses.
“A Petrobras está sujeita a punições por parte do Cade se descumprir o termo e até mesmo a uma execução do acordo na justiça”, disse o advogado. “O Cade é um órgão técnico que tomará decisões técnicas.” Para o diretor fundador do CBIE, Adriano Pires, a notícia assusta o mercado de gás. “Existia uma premissa de que abriríamos o mercado de gás, teríamos mais concorrência”, afirmou.
“Diversas empresas entraram no mercado de gás acreditando que esse TCC seria cumprido, fizeram grandes investimentos. Essas incertezas assustam o investidor, dão sinais de monopólio, ameaçam a previsibilidade.” Prates fez as declarações sobre a TBG, no dia 17, em evento na Fiesp. Na ocasião, ele disse: “Temos um termo assinado com o Cade, vamos atuar diferente em relação ao que o governo anterior fazia.”
Também presente ao encontro o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou a criação de um grupo de trabalho para atuar na ampliação da oferta e na redução dos preços do gás natural. O comitê será formado por membros do Ministério de Minas e Energia (MME), da Fazenda, Casa Civil, Petrobras, da própria Fiesp e representantes de produtores independentes, além do próprio MDIC. Segundo o ministério liderado por Alckmin, dos atuais 140 milhões de metros cúbicos de gás natural produzidos diariamente no Brasil, quase metade é reinjetada em poços de campos offshore e não é disponibilizada para o mercado nacional. Nos últimos anos, com os investimentos da Petrobras em terminais de GNL na costa, a dependência do gás boliviano tem diminuído, mas ainda representa cerca de um terço da demanda do Brasil. No entanto, fontes ouvidas pela reportagem defendem que os planos da Petrobras de manter a TBG podem minar as perspectivas do governo de reduzir os preços e aumentar a competição.
Fonte: Valor Econômico
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