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Indústria encolhe à espera de gás mais barato

A exploração do gás de xisto levou à forte redução dos preços do gás natural nos Estados Unidos, via choque de oferta, e ao renascimento da indústria petroquímica americana, que gradualmente transferiu ao país volumes de produção que haviam sido deslocados para a China em busca de matéria-prima mais barata.

No Brasil, a exploração do pré-sal e a perspectiva de maior disponibilidade de gás natural criaram expectativa parecida. Há anos o setor químico não executava grandes projetos em território nacional porque tem dificuldades de competir, sobretudo com chineses e americanos, no mercado global. Com a promessa de redução de até 60% nos preços do gás no último governo (e alguns avanços concretos nesse sentido), alguns grupos resolveram se arriscar e, pouquíssimo tempo depois, se veem às voltas com o mesmo problema de competitividade da última década.

Um dos nomes mais tradicionais da indústria química brasileira, a Unigel arrendou duas fábricas de fertilizantes que a Petrobras havia hibernado, também por causa da baixa rentabilidade do negócio. Com o conhecimento da operação industrial e as indicações de que o gás natural, principal matéria-prima da amônia e da ureia, ficaria mais barato, o grupo investiu centenas de milhões de reais para reativar as unidades e, num primeiro momento, beneficiou-se da supervalorização desses insumos no mercado internacional após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

O problema é que essa trajetória se inverteu e, enquanto os preços da ureia despencaram a partir da segunda metade do ano passado, os do gás natural tiveram correção mais suave. Resultado: dois anos depois de colocar em operação as Fafens da Bahia e de Sergipe, a Unigel pretende estender a parada para manutenção na segunda unidade por mais três meses para não operar com prejuízo, enquanto negocia com Petrobras e outros fornecedores preços mais razoáveis para a matéria-prima. Como informou o Valor, o gás entregue na fábrica de Sergipe custa mais de US$ 14 por milhão de BTU. Nos Estados Unidos, a mesma molécula sai por cerca de US$ 3 o milhão de BTU.

Não à toa, a produção nacional de fertilizantes é insuficiente para atender à demanda interna, apesar das dimensões do agronegócio brasileiro. Também não à toa, enquanto os principais índices de volume dos produtos químicos de uso industrial encerraram o 1º trimestre com queda na comparação anual, as importações saltaram 10,7%, respondendo por 41% do consumo local.

Segundo dados preliminares da Abiquim, de janeiro a março, a produção de químicos de uso industrial encolheu 11,45%, as vendas internas caíram 6,6% e o consumo aparente nacional (CAN), resultado da soma da produção e da importação menos a exportação, teve leve recuo, de 0,8%, suportado pelo avanço das importações.

Com isso, o nível de utilização da capacidade instalada no setor recuou sete pontos percentuais na média dos primeiros três meses de 2023, para 69%. Isso equivale, alerta a Abiquim, a ociosidade maior que 30%, um sinal “preocupante”, que pode levar ao fechamento de mais capacidades, se não houver melhora já no curto prazo.

Os grupos com as maiores altas nas importações foram os intermediários para fertilizantes, petroquímicos básicos e resinas termoplásticas. “No caso dos dois primeiros grupos analisados, se houvesse competitividade e disponibilidade de gás natural no país, essas importações poderiam ser evitadas ou minimizadas”, destaca a entidade. No caso das resinas, por sua vez, a decisão recente do governo de retirá-las da Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (LETEC), a partir de 1º de abril, deve trazer algum alívio e desestimular a entrada de termoplásticos da região.

Em 12 meses até março, o desempenho é semelhante: a produção de químicos de uso industrial caiu 7,05%, o consumo aparente recuou 4,6% e as importações também sentiram, com baixa de 4,7%. Já o volume de exportações recuou 18,7%. O índice de vendas internas, que subia 0,17% nos 12 meses encerrados em fevereiro, passou a apresentar resultado negativo, de 0,78%. E a taxa média de utilização da capacidade instalada ficou em 69%, praticamente no mesmo nível operacional de 2022, de 70%.

Segundo a diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Giovanna Coviello Ferreira, a indústria tem sentido a forte pressão do ambiente internacional, no que se refere à alta da inflação e os impactos da guerra na Ucrânia na dinâmica de preços dos energéticos. Além disso, novas plantas de polipropileno (PP) e polietileno (PE) entraram em operação na China e nos Estados Unidos, levando ao desbalanceamento entre oferta e demanda e à forte queda dos spreads. Esse desequilíbrio deve se sustentar até o fim do ano.

A executiva chama a atenção para a falta de competitividade do produto brasileiro e o fechamento de diversas fábricas que usavam gás natural como matéria-prima principal, incluindo plantas de isocianatos, metanol, amônia e ureia. Sem novos investimentos – com exceção dos executados por Unigel e Yara -, o Brasil se tornou quase que 100% dependente da importação desses produtos.

Para a indústria, o Programa Gás para Empregar, anunciado no início do ano pelo CNPE, trouxe a expectativa de reversão desse quadro. “Pode tornar o Brasil mais competitivo, atraindo inúmeros investimentos que estão, há tempos, represados, ajudando na reindustrialização do país, uma das metas do atual governo. Garantia de energia e de matéria-prima são os principais fatores para atração de investimento na química e o Brasil tem condições de oferecer essas possibilidades”, afirmou Fátima Ferreira, em nota.

 

Fonte: Valor Econômico

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