A diretoria da ANP aprovou nesta quinta (22) a consulta pública de uma proposta de acordo com a Arsesp, agência reguladora de São Paulo, para encerrar um conflito federativo que se estende há dois anos sobre a classificação do gasoduto Subida da Serra, da Comgás.
A minuta do acordo estabelece condicionantes para que o gasoduto, também conhecido como Reforço Metropolitano, seja considerado uma rede de distribuição (e não um gasoduto de transporte) – e possa, assim, permanecer na base de ativos da distribuidora paulista.
A proposta será colocada em consulta pública por 45 dias. Posteriormente, será feita uma audiência pública para discutir a minuta.
Conforme antecipado pela político epbr, serviço exclusivo de cobertura de política energética da agência epbr, uma das novas exigências da ANP é que haja controle de vazão do gás que entrará na rede da Comgás pelo Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP).
O objetivo é evitar que o Subida da Serra seja usado para levar o gás importado pelo TRSP para outros mercados que não o da concessionária paulista.
A tentativa de pacificar o assunto, aliás, afeta o início das operações do TRSP — um ativo da Compass, a controladora da Comgás. A empresa pretende iniciar a operação no segundo semestre.
As transportadoras, representadas pela ATGás, pedem desde 2021 que a ANP tome medidas para impedir as obras do Subida da Serra. A agência, porém, nunca atendeu ao pleito. Agora, a ATGás volta seus esforços para tentar impedir que o TRSP seja autorizado pelo regulador a operar.
Por que o assunto importa?)
Classificar o Subida da Serra como um gasoduto de transporte ou distribuição não se trata de tecnicismo. É uma decisão que mexe, no limite, com o bolso do consumidor. Mantido como de distribuição, ele permanecerá incorporado à base de ativos regulatórios da empresa – e, por consequência, pago pelos consumidores paulistas atendidos pela concessionária. Caso contrário, ele passaria a ser incorporado à base de ativos de alguma transportadora (a NTS, possivelmente).
Pela mesma lógica, o duto passaria a ser remunerado pela tarifa de transporte — que é paga por quem contrata a capacidade do gasoduto, incluindo agentes que não necessariamente estão no mercado paulista. Associações ligadas aos consumidores (como a Abrace e Abividro), aliás, fizeram oposição à classificação do projeto como uma rede de distribuição, temendo a criação de um monopólio regional da Compass. Há nessa discussão, portanto, uma disputa também por mercado. Os investimentos no Subida da Serra compõem a margem da Comgás, conforme aprovado na 4ª revisão tarifária da concessionária. O projeto, na visão das transportadoras, afeta a capacidade de expansão de seus negócios. As empresas do setor entendem que o Subida da Serra canibaliza investimentos em novos gasodutos de transporte. E, vale lembrar, para que uma transportadora aumente suas receitas, é preciso construir mais gasodutos.
E qual saída a ANP propõe?
A proposta de acordo com a Arsesp prevê uma série de condicionantes. Na última versão da minuta, a equipe técnica sugeriu incluir novas exigências: que haja um controle de vazão na interligação direta do TRSP com o gasoduto Subida da Serra, de forma que seja controlada a entrega de gás à Comgás até o volume já contratado pela distribuidora. O volume adicional teria que passar, portanto, pelo sistema de transporte – e pagar tarifa de transporte. Esse volume estaria disponível também para outros interessados, além da distribuidora paulista; que seja vedado, explicitamente, a entrega do gás que passa pelo gasoduto Subida da Serra a outras áreas de concessão que não a Comgás, inclusive por instrumentos de troca operacional (swaps); “(…) se ficar assegurado que o gasoduto não irá conectar a fontes primárias de gás natural, como uma UPGN, e que não realizará entrega de gás natural para outros estados ou outras concessionárias de serviços locais de gás canalizado, que não ultrapassará as divisas do Estado, e que terá como finalidade a entrega do gás ao consumidor final, a ANP não terá mais a competência para regular o gasoduto, pois a instalação teria deixado ser enquadrada como de transporte”, conclui a ANP.
Outras exigências
A esses pontos se somam outras exigências, previstas na versão original do acordo. De acordo com o documento, o projeto Subida da Serra: não poderá fazer “conexão com fontes primárias de suprimentos, incluindo unidade de processamento ou novos projetos de terminais de regaseificação de GNL posteriores ao TR-SP, ou com estocagens de subterrâneas de gás natural”; e terá com finalidade “a entrega do gás ao consumidor final e não a outras concessionárias, dentro ou fora do estado [de SP], ou para instalações de transporte”. A ANP também propõe que, caso seja construída, a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) da Rota 4, do pré-sal da Bacia de Santos, o ativo deverá se conectar ao sistema de transporte — e não ao Subida da Serra.
Afinal, qual a finalidade do Subida da Serra?
O conflito federativo entre a ANP e Arsesp sobre a competência da regulação do gasoduto (afinal, de distribuição ou transporte?) tem como ponto central a finalidade do Subida da Serra — ou seja, sua associação ou não ao TRSP e a uma futura unidade de processamento (UPGN) na Baixada Santista. Isso porque a definição de um gasoduto de transporte, no marco legal do gás, leva em consideração, dentre outros aspectos, a sua origem e destino. Na lei 11.909/2009, legislação vigente à época da autorização do projeto pela Arsesp, o gasoduto de transporte, salvo algumas ressalvas, é aquele que movimenta gás natural desde UPGNs a pontos de entrega às distribuidoras. Veja a íntegra do texto em questão: Art.2 – XVIII – Gasoduto de Transporte: gasoduto que realize movimentação de gás natural desde instalações de processamento, estocagem ou outros gasodutos de transporte até instalações de estocagem, outros gasodutos de transporte e pontos de entrega a concessionários estaduais de distribuição de gás natural, ressalvados os casos previstos nos incisos XVII [gasoduto de transferência] e XIX [gasoduto de escoamento] do caput deste artigo, incluindo estações de compressão, de medição, de redução de pressão e de entrega, respeitando-se o disposto no § 2o do art. 25 da Constituição Federal;
Nova Lei do Gás
Não há uma referência direta a gasodutos que tenham origem em terminais de regaseificação. A Nova Lei do Gás, no entanto, aprofundou essa definição em 2021 — após, portanto, a autorização da Arsesp. Pelos termos dessa legislação, são gasodutos de transporte: gasodutos de importação (ou exportação) de gás de outros países; gasodutos interestaduais; gasodutos que interliguem uma fonte de suprimento a outro gasoduto de transporte; gasodutos que interliguem um gasoduto de transporte a outro do mesmo tipo; e gasoduto cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP. Este ano, a ANP incluiu em sua agenda regulatória a regulamentação desse último ponto: os critérios técnicos para classificação de gasodutos de transporte. A ideia é conseguir harmonizar os conflitos federativos entre as regulações e legislações estaduais e federais sobre o assunto – e que alimentam, hoje, um clima de insegurança para investidores.
Na nota técnica que subsidiou a decisão da diretoria da agência, de reclassificar o projeto Subida da Serra, a ANP defendeu que, em termos práticos, o gasoduto transportaria gás proveniente de uma conexão direta com uma UPGN ou um terminal de regaseificação, até os pontos de recebimento da Comgás (os city-gates) — o que se encaixa na definição de gasoduto de transporte da antiga Lei do Gás. A ANP cita nota técnica da própria Arsesp, da 4ª revisão tarifária da Comgás, que reconhecem que o Subida da Serra possui “características operacionais que o assemelham a um gasoduto de transporte”.
O documento da agência paulista, ao destacar os benefícios do Subida da Serra, chega a mencionar que o projeto “permitiria às demais distribuidoras paulistas se beneficiarem dessa infraestrutura, tendo acesso a um custo de gás natural mais competitivo, através da troca operacional (swap)”. A ANP também destaca as características técnicas do gasoduto, projetado com 31,5 km de extensão em tubos de aço de 20 polegadas, pressão de 70 bar, e capacidade de movimentar até 16 milhões de m3/dia. “A despeito de não se adotar no Brasil a diferenciação entre gasoduto de transporte e de distribuição por razões técnicas operacionais, chama a atenção a substancial diferença entre o tipo de instalação utilizada pela Comgás e o proposto no projeto, evidenciando que a finalidade do gasoduto difere da usual na distribuição de gás canalizado”, alegou a ANP.
Vai em linha com as argumentações da ATGás, que vê no episódio um precedente negativo de desestímulo à expansão da rede de transporte. Cita que o projeto da Comgás canibaliza futuros investimentos das transportadoras na região. Agentes de outros elos da cadeia, como produtores (representados pelo IBP e Abpip) e consumidores (Abrace e Abividro) endossam a defesa das transportadoras e cobram da ANP que a agência mantenha a sua posição original, de classificar o Subida da Serra como um gasoduto de transporte.
“Essa conexão [com o TRSP] traz uma denotação estruturante ao gasoduto, pois a capacidade técnica da referida infraestrutura se sobrepõe à demanda do mercado paulista, representando um custo significativo, e desnecessário, aqueles consumidores, ao mesmo tempo que impede todo o mercado brasileiro de se beneficiar desta oferta”, citaram as entidades, em nota conjunta no início do ano. Uma das críticas que se faz ao projeto é que ele reforça o modelo das “ilhas de gás” — desenvolvimento de projetos desconectados da malha de transporte que atendem ao interesse somente local, ou de determinados agentes, e que “aprisionam” a molécula à fonte de suprimento de um único projeto, limitando a competição e alternativa de suprimento a outros agentes. É aí entra o debate sobre o interesse local e o interesse nacional, na classificação de gasodutos: as transportadoras defendem um modelo de mercado que priorize um sistema integrado, uma posição acompanhada por agentes de outros elos da cadeia, como produtores (IBP) e consumidores. As distribuidoras alegam, por sua vez, que a visão de que interesses nacionais devem se sobrepor aos locais não cabe no debate. Ancorada no artigo 25 da Constituição (cabe aos estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado), a Abegás argumenta que os estados têm, sim, competência para classificar gasodutos de distribuição – e que regulações federais e estaduais têm, portanto, o mesmo peso.
A Arsesp cita que a definição de gasoduto de transporte da antiga Lei do Gás preservava as competências estaduais previstas no artigo 25 da Constituição, na regulação dos serviços locais de gás canalizado. E alega que o Subida da Serra tem como objetivo atender aos consumidores paulistas e oferecer reforço de suprimento da rede da Comgás — e que, portanto, “o interesse local do Estado de São Paulo foi amplamente considerado e justificado”. Argumenta, ainda, que a Nova Lei do Gás, para garantir a segurança jurídica do setor, decidiu que os gasodutos estaduais não seriam passíveis de reclassificação pela ANP. E menciona que o projeto consiste num reforço da rede de distribuição que tem início num ponto de entrega e recebimento de gás (o city-gate de Cubatão II) e se interconecta aos demais gasodutos da Comgás, por meio de Estações de Redução de Pressão, até chegar ao consumidor final. A Comgás, por sua vez, nega que o projeto conecte uma fonte de suprimento com sua rede de distribuição. Embora o Subida da Serra tenha dimensões maiores que os de uma rede de distribuição convencional, a empresa alega que a distinção entre gasodutos de transporte e distribuição, no Brasil, não é baseada nas suas características físicas.
A Nova Lei do Gás até prevê a possibilidade de classificação de um gasoduto como de transporte por suas características técnicas de “diâmetro, pressão e extensão”, mas o assunto ainda não está regulamentado. Ao defender o caráter local do projeto, argumenta que o Subida da Serra visa a atender aos consumidores finais da Comgás, e não a comercialização para terceiros fora da área de concessão da empresa. A distribuidora argumenta que o gasoduto liga o ponto de entrega estadual, infraestrutura da concessionária, a outras instalações da própria companhia (estações de redução de pressão), para atendimento ao consumidor final. E cita que, “ainda que se pudesse considerar que o projeto promove a ligação entre um terminal de GNL ou uma UPGN à rede de distribuição, o que sequer é o caso, ele seria lícito” e que não há uma obrigatoriedade legal de conexão de terminal de GNL à infraestrutura de transporte.
Fonte: Epbr
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