A Petrobras anunciou na última semana dois novos contratos de longo prazo, para fornecimento de gás natural à distribuidora catarinense SCGÁS. São os primeiros acordos desde que ela lançou, em maio, novos tipos de contrato, de olho nas chamadas públicas das concessionárias de gás canalizado.
A estatal prometeu preços mais competitivos e, de fato, tem apresentado propostas mais vantajosas que seus contratos mais recentes – e que a própria concorrência, em alguns casos.
Não se trata de um “choque de energia barata” – promessa do governo passado, com o Novo Mercado de Gás, e que tem sido repaginada pelo atual governo, sob a promessa de um choque de oferta de gás competitivo para a reindustrialização.
Um dado revelador sobre a baixa competitividade do gás natural na indústria. O Balanço Energético Nacional, divulgado esta semana pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostra que a participação do gás na indústria patinou nos últimos dez anos: em 2022, respondeu por 10,5% do consumo industrial, ante os 10,3% de 2021 e 11% de 2013.
Em Santa Catarina, inclusive, a indústria cerâmica tem buscado novas fontes de energia para substituir o gás, devido ao aumento de custos com a molécula. Portinari e Ceusa, pertencentes à Dexco, está testando pellets (prensados de madeira) para a produção de energia térmica usada na fabricação de revestimentos.
Com a SCGÁS
A Petrobras celebrou dois contratos de longo prazo: o primeiro de onze anos, de 2024 a 2034; e outro de nove anos, válido de 2026 a 2034. Os volumes são complementares àqueles já contratados pela distribuidora.
As duas empresas também celebraram aditivos para ajustar condições de preços e volumes de contratos mais antigos – que envolvem diferentes prazos, com vencimentos no curto (2023), médio (2025) e longo (2032) prazos.
Abre-se, aqui, uma brecha para que outras distribuidoras peçam a renegociação dos contratos vigentes – que, em muitos casos, como no Rio de Janeiro, foram alvo de judicialização e se encontram em litígio.
Os novos contratos entre Petrobras e SCGÁS são um termômetro para o mercado, ao indicar que comportamento esperar da petroleiras nas novas negociações. Ainda não estão públicos.
Múltiplas fontes relatam, no entanto, que o percentual do Brent (cotação do petróleo) ao qual o preço do gás está indexado está um pouco abaixo dos 12%, nos compromissos de mais longo prazo – que, em tese, são os tipo de contrato com fator Brent mais competitivo.
Trajetória
Mais importante que os números, contudo, é o movimento: o piso que a Petrobras tem oferecido às distribuidoras, por ora, é algo muito próximo de seus patamares históricos.
Para efeitos de comparação, o percentual de Brent nos contratos que vencem no fim deste ano (2020-2023) está na faixa dos 11,6%.
É melhor, claro, que os valores praticados pela Petrobras em anos recentes: nos acordos assinados no fim de 2021, por exemplo, a petroleira embutiu o aumento dos custos com importação do GNL durante a crise hídrica e elevou, então, o fator Brent para 16,75% em 2022 e 14,4% em 2023.
Na safra de contratos de longo prazo mais recentes, com distribuidoras como Gasmig (MG), Compagas (PR), Sulgás (RS) e Potigás (RN), esse percentual ficou em 12,9%.
É também mais competitivo que alguns mais recentes da concorrência: como os 12,4% previstos no contrato entre Equinor e Bahiagás (BA) até 2026; e entre Galp e Gasmig (12,45% até 2025); e entre a portuguesa e a Sulgás (12,6% até 2026).
E aí vale a lembrança: como agente dominante, a Petrobras funciona como um importante formador de preço, estabelecendo as condições de base para os demais supridores. Um posicionamento como esse movimenta os demais agentes.
Procuradas, Petrobras e SCGÁS não quiseram se manifestar sobre as condições de preços e volumes previstos nos novos contratos.
A distribuidora catarinense esclareceu, contudo, que os novos acordos firmados com a petroleira contemplam indexação mista, com Brent e Henry Hub, conforme a disponibilidade do supridor.
E esse tal de Henry Hub
Indexar o preço aqui às flutuações do mercado americano é uma composição que ajuda a reduzir a volatilidade.
Nem sequer é uma opção inédita, mas o mercado e a própria área de comercialização da Petrobras entendem que a flexibilidade ajuda a compor as estratégias, caso a caso.
Já indexar ao Brent tem sua lógica para o consumidor. O gás natural concorre com outros combustíveis que acabam afetados também pelo preço do óleo.
Funciona como um facilitador. O gás natural, seja na energia ou matéria-prima, é insumo para a indústria.
Embate com o MME
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), tem feito críticas públicas à estratégia comercial da Petrobras para o gás.
A cruzada do ministro se concentra, sobretudo, nos níveis de reinjeção praticados pela petroleira nos campos offshore, mas passa pela questão dos preços da companhia.
“Entendo que é possível que esse gás chegue em maior quantidade e de imediato em menor preço”, afirmou o ministro, em junho, ao citar o fechamento das fábricas de fertilizantes da Unigel.
A estatal, por sua vez, descarta conceder subsídios às fábricas de fertilizantes arrendadas à Unigel. E fontes da petroleira afirmam que não há pressão objetiva, neste momento, para um corte em uma canetada.
Esses contratos com as distribuidoras são a materialização do que, nos bastidores, a companhia tenta ponderar com o governo: o preço vai cair, em troca de prazos mais longos, mas sem a Petrobras abrir mão de praticar “preços de mercado”.
Convence em parte Há quem chame a prática de “um PPI para o gás natural”. A Petrobras é a empresa dominante e, de fato, o mundo mudou: vendeu as distribuidoras, duas das três transportadoras de gás natural e o mercado vem experimentando uma nova fase do acesso à infraestrutura, cujo objetivo maior é a concorrência na oferta.
Mas há limites, na visão de clientes e agentes públicos envolvidos nas discussões. O Nordeste é hoje um mercado supridor, de fato, pulverizado, mas o Centro-Sul ainda tem desafios que são superados pela Petrobras: trazer o gás da Bolívia e contratar, portanto, a entrada no Gasbol (que ela desistiu de vender).
Quanto a aumentar a oferta, as novas rotas de escoamento (Rota 3, Sergipe Águas Profundas e BM-C-33), de fato, vão levar a um aumento de gás nacional – mas parte do volume virá para compensar o declínio dos campos maduros e das importações da Bolívia.
Internamente, equipes técnicas que participam das discussões com o governo rejeitam um papel por vezes atribuído à companhia, de garantidora do suprimento nacional. E têm defendido em Brasília que é preciso explorar: abrir novas fronteiras e voltar a olhar o desenvolvimento da indústria em terra, não necessariamente com protagonismo da Petrobras.
Fonte: Epbr