Em artigo publicado no portal Epbr, a conselheira do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Suzana Borschiver, afirma que em um cenário em que as mudanças climáticas têm sido um tema de muito debate, existe a preocupação de mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, junto com a demanda por maior suprimento de energia. Este impasse vem sendo discutido por meio de uma transição gradual da matriz energética mundial, considerando que as principais alternativas renováveis, como eólica, solar e hidrogênio verde, por exemplo, devem coexistir com as fontes fósseis já consolidadas, como o petróleo e o gás natural, apontando para que em um cenário de curto e médio prazo, a transição energética e a coexistência energética sejam mais do que conceitos e sim o modus operandi do setor. O gás natural desempenha um papel significativo no trilema energético ao tentar equilibrar os três desafios principais da indústria de energia: segurança energética, sustentabilidade ambiental e acessibilidade econômica. Pode-se afirmar que é o combustível fóssil de menor nível de emissão de gases de efeito estufa, em comparação com outros, como o carvão e o petróleo. Além disso, como o gás possibilita uma combustão com elevado rendimento térmico, pode-se obter reduções na intensidade de consumo de energia na indústria, no comércio ou em residências.
Do ponto de vista da segurança energética, o gás natural pode ser considerado como uma fonte confiável e versátil, com ampla disponibilidade global, apesar de ser impactado por fatores geopolíticos. Em relação à indústria química, importante setor da indústria de transformação, o gás natural pode ser usado como uma matéria-prima estratégica na fabricação de diversos produtos como plásticos, lubrificantes, embalagem, shampoos e detergentes e fertilizantes. Segundo dados recentes da Fertilizers Europe, aproximadamente 70% da capacidade de produção na Europa dos fertilizantes nitrogenados foi suspensa em consequência do aumento no preço do gás natural. Esses fertilizantes, amplamente utilizados na agricultura, são derivados da amônia – que é obtida a partir da transformação química do gás natural, sendo este responsável por 80% dos custos variáveis de sua produção. Portanto, a partir desta relação positiva entre os preços, o gás natural possui uma relação direta na garantia de disponibilidade de alimentos para a população. De acordo com o IEA (International Energy Agency) o consumo de gás natural para geração de calor e energia crescerá 40% até 2050 e o consumo para a indústria química crescerá 50%, apesar de que cerca de 75% do consumo total de gás natural no mundo ainda serem consumidos para aplicações de calor e energia.
Nos últimos anos, a indústria química brasileira tem perdido participação no atendimento à demanda interna por meio da produção local, apesar do crescimento do consumo de produtos químicos no país. Esse importante setor industrial enfrenta um acentuado processo de desindustrialização, decorrente de vários fatores, como a ausência de políticas públicas de longo prazo, preço do gás natural e matérias-primas, custo tributário e da logística. Como consequência disso, existe uma carência de produção local de vários produtos estratégicos, o que faz com que o país seja dependente de insumos e produtos importados. Esse problema estrutural tem levado a um déficit comercial crescente, desde o início da década de 90, de US$ 1,2 bilhão para o salto de US$ 65 bilhões em 2022. Vale registrar que parte expressiva do déficit químico é de produtos derivados diretamente do gás natural, que é utilizado como matéria-prima na produção de fertilizantes nitrogenados, metanol, isocianatos, dentre outros produtos químicos. Hoje, o Brasil é o maior importador de fertilizantes, a despeito de ter uma das agropecuárias mais competitivas do mundo, seguido dos EUA, EU, Índia, com a demanda crescendo o dobro da taxa global. Uma importante discussão diz respeito a reinjeção de gás, que se for reduzida aos padrões mundiais para cerca de 20%, e a diferença em gás for internalizada, o Brasil poderá obter diversas oportunidades em toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de produtos e equipamentos a serviços técnicos especializados.
De acordo com dados recentes da ANP, do total produzido internamente, praticamente metade, 72,2 milhões de m³/dia, é reinjetado na boca dos poços do pré-sal, principalmente pela falta de infraestrutura de escoamento desse gás, das plataformas do pré-sal para a terra. Segundo a EPE, a oferta de gás pode ser 19 milhões de m³/dia maior que o previsto, em 2032, se a reinjeção for menor e houver investimentos em infraestrutura. De acordo com a Abiquim, o PIB do país poderia ser aumentado em R$ 401,3 bilhões, com potencial de gerar 2,7 milhões de novos empregos e aumento na arrecadação de tributos. Com certeza esses movimentos podem atrair excelentes oportunidades em investimentos em novas UPGNs e em rotas de escoamento de gás das plataformas do pré-sal, gasodutos de transporte, bem como na indústria química. No Brasil, produzimos cerca de 50% da demanda interna de gás natural, importamos o restante e complementamos a demanda local com gás natural liquefeito (GNL). Uma política pública forte que propicie condições competitivas para o gás natural, cujo preço de US$ 15 a 20/MMBTU é quase 4 vezes maior que nos EUA, representa um passo fundamental para a volta da produção de plantas industriais com ociosidade elevada, ou até paralisadas. O conhecimento com as tecnologias, como CCUS também pode facilitar a produção de hidrogênio limpo a partir do gás natural e fornecer uma oportunidade de trazer o hidrogênio com baixo ou nenhum teor de carbono para novos mercados em curto prazo, com custo mínimo.
Neste contexto pode-se destacar o programa Gás Para Empregar, anunciado recentemente pelo MME, na última reunião do CNPE, em março de 2023, que tem como projeção investimentos de até R$ 94,6 bilhões até 2032. A expectativa do governo é de que os valores possam ser empregados principalmente em unidades de fertilizantes nitrogenados e outros químicos (R$ 39,3 bilhões), gasodutos de transporte de gás natural (R$ 25 bilhões), unidades de processamento (R$ 15,4 bilhões) e em rotas de escoamento offshore (R$ 14,9 bilhões). Essa iniciativa trará relevantes ganhos ao país, pois permitirá a redução da dependência externa de insumos estratégicos para as cadeias produtivas nacionais, inclusive o agronegócio. De acordo com o secretário de Petróleo e Gás, e Biocombustíveis, Pietro Mendes, o programa pode reduzir a dependência de 85% para 10% da importação de fertilizantes se atingirmos uma comercialização de 10 milhões de m³/dia ao dia. Importante ressaltar que até o lançamento desse novo programa, o Brasil nunca teve política pública para utilização do gás natural como matéria-prima. Em relação ao PIB, estudos apontam para um acréscimo de R$ 75 bilhões com geração de até 325 mil novos empregos, e contribuições de R$ 23,3 bilhões de royalties — divididos entre União, estados e municípios –, além de R$ 18,6 bilhões em PIS/Cofins e R$ 14,1 bilhões em ICMS. Importantes modelos de negócios estão sendo desenhados nesse programa como a possibilidade de troca (swap) do óleo da União por volumes adicionais de gás natural disponíveis para a comercialização da Pré- sal Petróleo SA (PPSA), que poderá atuar como fonte geradora na construção de gasodutos, além de apoiar a redução de reinjeção do gás natural nos campos offshore. Estuda-se também a possibilidade de desconto de custo em óleo dos valores investidos que incentivem a maior oferta de gás natural, assim como uma política de precificação. Em suma, esse novo programa Gás para Empregar surge, dentro da agenda positiva da neoindustrialização do governo, como incentivo ao aumento do emprego, da renda e da segurança alimentar, com inúmeras janelas de oportunidades para uma sociedade brasileira mais justa e igualitária.
Fonte: Epbr
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