A oferta de gás natural no Brasil, uma das potenciais alavancas do projeto de “neoindustrialização” encampado pelo governo federal, poderia triplicar até o fim da década, segundo estudo encomendado pela Coalizão pela Competitividade do Gás Natural como Matéria-Prima, que reúne diferentes associações representativas da indústria, ao Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC).
Já apresentada à equipe do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, a primeira fase do estudo, que busca mapear a relação entre oferta e a demanda no país até 2032 em mais de 245 páginas, mostra que haveria gás natural disponível para atender também às necessidades de matéria-prima da indústria química e de fertilizantes em diferentes cenários.
“A conclusão é que há gás em quantidade suficiente, mas isso vai depender de decisões governamentais e de políticas públicas. O estudo identificou a oferta potencial nos próximos anos e, agora, vai entrar nas questões de natureza econômica e técnica para que essa oferta seja viabilizada”, disse ao Valor o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), que lidera a Coalização, Joaquim Maia.
No melhor cenário, indicou o executivo, o potencial de produção de gás no país chegaria a 135 milhões de metros cúbicos diários, em 2029. Atingir esse volume, porém, vai depender de novos investimentos e de decisões estratégicas dos produtores de óleo e gás no país, que tem elevado a reinjeção em seus campos.
Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, com o estudo em mãos, a intenção é chamar os diferentes agentes – governo, produtores de óleo e gás, consumidores e provedores de serviço e infraestrutura – para discutir um meio de viabilizar o aumento da oferta de gás como matéria-prima.
“Não queremos discutir a redução de margem das empresas, mas montar, em conjunto, um cenário de negócios que viabilize a produção de gás para a indústria brasileira sem afetar negócios dos atores privados”, disse. Da mesma forma, acrescentou, uma solução para essa equação deve passar por múltiplas medidas.
Conforme o estudo, o percentual da produção total de gás que é disponibilizada ao mercado vem caindo nos últimos dez anos e atingiu menos de 40% em 2022, em boa medida pelo aumento dos níveis de reinjeção para otimizar a produção de óleo. No pré-sal, indica o relatório, o volume reinjetado supera 60 milhões de metros cúbicos ao dia, o equivalente a mais de 40% da produção total no país.
O estudo traz uma estimativa do volume total de gás que hoje é reinjetado nos campos do pré-sal e poderia ser redirecionado ao mercado, se não houvesse gargalos de infraestrutura e considerando-se o nível de contaminantes em cada área. Dessa análise, destacou Maia, da Abemi, constatou-se que as áreas com maior potencial de produção não possuem níveis elevados de gás carbônico (CO2), como Bacalhau e Tupi.
Conforme o relatório, pouco mais de 50% do gás reinjetado é referente ao gás carbônico separado nas plataformas e de gás natural de arrasto. Dessa forma, quase metade do volume reinjetado, ou cerca de 30 milhões de metros cúbicos por dia, poderia ser disponibilizado no mercado se houvesse capacidade de escoamento, duplicando o volume disponibilizado pelo pré-sal até 2027.
Além dessa oferta potencial, o estudo mapeou outras duas grandes áreas de gás natural que estão em fase de desenvolvimento na bacia de Campos (BM-C-33 – Pão de Açúcar) e na bacia de Sergipe-Alagoas. Juntas, essas áreas vão ofertar mais 30 milhões de metros cúbicos por dia a partir de 2027.
Na avaliação da Coalizão, o governo tem demonstrado vontade de avançar nessa discussão e há uma “janela de oportunidade” para que se estabeleçam soluções para a indústria brasileira. “É preciso haver coordenação dos agentes”, disse o presidente da Abiquim, acrescentando que o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na condição de potencial financiador dos investimentos em infraestrutura e do lado da demanda terá papel relevante nessas discussões.
Fonte: Valor Econômico