Em artigo publicado no Valor, Eloi Fernández y Fernández, diretor do Instituto de Energia da PUC-Rio – IEPUC, e Edmar de Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio – IEPUC, afirmam que a forte elevação dos preços gás natural em 2022 em função da Guerra entre a Rússia e Ucrânia frustrou as expectativas em torno da abertura do mercado de gás natural no Brasil. A partir de 2022, vários produtores de gás passaram a concorrer com a Petrobras na venda de gás natural para as distribuidoras. Entretanto, esta abertura coincidiu com o forte aumento dos preços do gás importado pelo Brasil e a consequente elevação dos preços domésticos. A elevação dos preços do gás no contexto da guerra colocou em evidência uma vulnerabilidade do país. Não apenas o país está exposto a choques de preços externos associado à falta de autossuficiência no suprimento doméstico de gás natural, mas também dependemos da importação de fertilizantes nitrogenados feitos a partir do gás de países como a Rússia, Bielorrússia e Catar. Neste sentido, é necessário falar sobre gás natural no contexto atual do país e do mundo. Em particular, é necessária uma maior transparência por parte das empresas de E&P e dos órgãos reguladores envolvidos sobre qual é a real capacidade de oferta doméstica do gás natural nos próximos anos. Esta transparência começa por uma discussão tecnicamente embasada sobre porque o Brasil, sendo um grande exportador de petróleo, ainda precisa importar gás natural.
Mais especificamente, porque o Brasil injeta mais gás natural do que oferta ao mercado, e quais são as perspectivas para a evolução da oferta. Visando dar uma contribuição para o debate, o Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) realizou uma avaliação cuidadosa e detalhada do gás reinjetado no país, que atingiu cerca de 50% da produção em 2022. Grande parte da reinjeção de gás natural ocorre nos campos do pré-sal. Este estudo mostrou que um dos grandes desafios para disponibilização de gás adicional no Pré-sal é o elevado nível de contaminação de CO2 do gás do Pré-sal. O CO2 deve ser separado do gás produzido e reinjetado por razões técnicas e ambientais. Ademais, a tecnologia de separação de CO2 presente nas plataformas não permite separar perfeitamente o CO2 do gás natural. Uma parcela de gás natural é arrastada junto com o CO2 no processo de separação. Definimos essa reinjeção de CO2 com a parcela de gás arrastado como “reinjeção técnica”, uma vez que é inevitável. Em dezembro de 2022, a produção bruta de gás natural de todos os campos do país foi de 140 milhões de MMm³/d. Deste total, 34,3% ou 48 MMm³/d foram enviados ao mercado e comercializados, 14,6 MMm³/d usados na plataforma como fonte de energia, 3,7 MMm³/d foram de queima técnica, e 69,6 MMm³/d foram reinjetados. Do total de 69,6 MMm³/d reinjetados no país, 63 MMm3/d foram reinjetados na área do Pré-sal. Deste volume, cerca de 53% correspondem à reinjeção técnica. Os outros 47% do volume reinjetado se refere à uma reinjeção por razões econômicas, ou seja, visando aumentar o fator de recuperação de petróleo, e/ou devido às restrições temporárias na capacidade de escoamento do gás do Pré-sal (atraso da Rota 3).
O estudo fez um levantamento pormenorizado do potencial de produção de gás no Brasil no sistema integrado (excluindo áreas isoladas do Maranhão e Amazonas), no horizonte 2032, e mostrou que a oferta doméstica de gás pode dobrar até 2028, ou seja, passar de cerca de 39,20 MMm³/dia em 2022 para cerca de 80 MMm³/dia em 2029. Este aumento pode ser atingido considerando a capacidade atual e planejada de escoamento do Pré-sal, além da entrada de dois grandes campos de gás que estão em fase de desenvolvimento na bacia de Campos (BMC-33) e na bacia de Sergipe-Alagoas, que juntos ofertarão cerca de 30 MMm³/dia de gás a partir de 2027. Ambos os projetos já estão sendo planejados com sua própria infraestrutura de escoamento e processamento. Além deste potencial já anunciado pelas empresas, que terá seus frutos a partir de 2028, é importante chamar atenção para oportunidades de incremento da oferta que podem ser exploradas num prazo mais curto. Em particular, cabe avaliar se existem caminhos técnicos e econômicos para viabilizar ofertas adicionais de gás através da redução dos níveis de reinjeção sem afetar o fator de recuperação de petróleo. Trata-se de um tema extremamente complexo e técnico que precisa de um engajamento e diálogo entre as empresas operadoras, o governo, a ANP e a PPSA.
Outra oportunidade é o aumento da oferta de gás boliviano e/ou argentino. Se a tendência atual de declínio da produção de gás na Bolívia continuar e não houver novos esforços exploratórios, em 2030 não haverá mais excedentes exportáveis para o Brasil. Por outro lado, existe um grande potencial de exportação de gás argentino em função da exploração dos recursos não convencionais de Vaca Muerta. Assim, é importante explorar oportunidades de aumento da oferta ao Brasil, através da negociação do redirecionamento de gás boliviano contratado pela Argentina ao Brasil, e da utilização da infraestrutura de transporte de gás boliviana para viabilizar exportações de gás argentino para o Brasil. O estudo do IEPUC mostrou que existe uma oferta potencial de gás firme para atender novos projetos industriais de gás. Em particular, projetos que usam gás como matéria prima na indústria química e de fertilizantes poderiam ser âncoras importantes para a nova oferta de gás que se vislumbra. Se as termelétricas com despacho flexível continuarem sendo abastecidas com GNL importado, o crescimento da oferta doméstica não só é capaz de atender a expansão esperada demanda dos segmentos residencial, comercial, GNV e industrial, como ainda haveria gás suficiente para novos projetos para uso do gás como matéria prima no setor químico e de fertilizantes (entre 8 MMm³/d a 25 MMm³/d a depender do ano e do cenário de oferta). Ademais, esta nova oferta de gás trará consigo uma produção de líquidos de gás natural (etano e propano) em volume suficiente para viabilizar novas plantas petroquímicas no país. Apesar deste potencial, não será fácil viabilizar um gás com preços que possam concorrer com países como Rússia, Catar e Estados Unidos, de onde importamos fertilizantes e químicos básicos. Este é um desafio que exige um diálogo técnico e construtivo entre governo, produtores de gás e entidades do setor para criar estímulos ao aumento da oferta, baseados em instrumentos transparentes e comprometidos com a preservação e a promoção da concorrência, da liberdade de preços e da racionalidade econômica.
Fonte: Valor Econômico
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