Do escoamento ao transporte, passando pelo processamento. O aumento da oferta de gás nacional para o mercado pretendido pelo programa Gás para Empregar exigirá investimentos para superar gargalos em todas as etapas de infraestrutura. A conclusão é do Instituto de Energia da PUC-Rio, em estudo encomendado pela Coalizão pela Competitividade Gás Natural – uma reunião, não homogênea, de grupos empresariais liderados pela Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e que defende uma política nacional para o gás a preços competitivos, em especial para fertilizantes e indústria química. O trabalho será apresentado esta semana ao Ministério de Minas e Energia, nas reuniões públicas dos comitês técnicos do Gás para Empregar. A primeira etapa do estudo chama a atenção para o fato de que, se o Brasil não criar novas demandas para o gás, pode não haver mercado suficiente para absorver o choque de oferta esperado para os próximos anos — o que justificaria, na visão da Coalizão, uma política orientada para novos projetos no setor químico e de fertilizantes. Numa segunda fase, o estudo se debruçou sobre os gargalos da infraestrutura. E aí é um efeito dominó: um gargalo vai evidenciando outros na etapa seguinte da cadeia.
O presidente da Abemi e líder da Coalizão, Joaquim Maia, defende que a prioridade, em termos de infraestrutura, deveria ser a criação de novas conexões de gás do pré-sal ao Rota 1, para compensar o declínio dos campos do pós-sal. E introduzir, na UPGN de Caraguatatuba, uma tecnologia para separação dos líquidos do gás. “Isso [os gargalos] é claramente um problema de política pública”, afirma. Um dos primeiros gargalos identificados está no gasoduto Rota 1, primeira rota utilizada para escoamento de gás natural do pré-sal e que opera com capacidade ociosa, por causa do declínio do pós-sal. A unidade de processamento de Caraguatatuba (SP) tem capacidade para receber 20 milhões de m3/dia, mas o Rota 1 não consegue entregar todo esse gás, na prática. Concebido originalmente para escoar o gás do pós-sal, o Rota 1 foi posteriormente adaptado para receber o gás também do pré-sal — que, com o declínio dos campos maduros do pós-sal, passou a ser a principal fonte de suprimento da rota. O gasoduto é abastecido hoje, portanto, por duas fontes: os campos do pós-sal, pelo trecho Uruguá-Mexilhão (de 10 milhões de m3/dia, mas ocioso); e trecho que traz o gás do pré-sal (sobretudo Tupi), com mais 10 milhões de m3/dia. Com a queda da produção do pós-sal e mudança no perfil de suprimento, a UPGN de Caraguatatuba passou a operar, com o aval da ANP, com um gás fora das especificações – ou seja, sem respeitar os limites dos teores de hidrocarbonetos presentes no gás, sobretudo de metano. No pré-sal, esse gás é mais rico, com mais teores de líquidos (como etano e propano), mas que não são, hoje, separados. A indústria de gás-química vê nessa situação um desperdício de matéria-prima. A Petrobras chegou, em 2020, a abrir uma licitação para construir novas unidades de processamento e tratamento do gás natural em Caraguatatuba, mas desistiu do investimento por falta de atratividade econômica no projeto. O quadro revela aí, portanto, dois gargalos, na visão do IE-PUC: necessidade de investimentos na Rota 1, para ocupar o gasoduto, hoje ocioso, com excedentes de gás do pré-sal. Um exemplo é a conexão do gasoduto Mexilhão-Uruguá à Rota 2; e investimentos em processamento, para separação dos líquidos do gás rico do pré-sal, para ajustar a UPGN de Caraguatatuba às especificações do gás e permitir, assim, a chegada de mais etano e propano ao mercado, por exemplo.
A Petrobras esclareceu que as decisões sobre investimentos são baseadas em critérios técnicos suportados por estudos de viabilidade técnica e econômica; e que a desistência do projeto de adequação de infraestrutura da Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato (UTGCA), em Caraguatatuba, foi fruto da perda de atratividade econômica do projeto, avaliada à luz das premissas do plano estratégico 2021-2025 (vigente à época). A estatal também informou que as decisões finais sobre os futuros investimentos da companhia ocorrerão após as análises cabíveis seguindo a governança da empresa no âmbito do processo de elaboração do Planejamento Estratégico em curso e com previsão de conclusão até o final do ano. A petroleira destacou ainda que, em setembro, bateu recorde de processamento de gás do pré-sal e que a UTGCA processou 9,8 milhões de m³/dia, com recorde na ocupação do gasoduto que interliga os campos do pré-sal à plataforma de Mexilhão, no Rota 1.
O estudo do IE-PUC conclui que, mesmo com todos esses investimentos em processamento e escoamento, o gás do pré-sal teria dificuldades de chegar à malha da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), na região Sul do país, e compensar, assim, o declínio das importações de gás boliviano. Isso porque a rede de gasodutos da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) tem gargalos na conexão com a malha da TBG. É o gargalo que a NTS tenta contornar com a proposta do projeto do “Corredor do Pré-sal”. O IE-PUC cita uma série de limitações na transferência do gás do pré-sal para a malha da TBG que envolvem restrições de movimentação entre as estações de compressão; limites de segurança na movimentação (associados à classe de locação dos gasodutos). O estudo conclui, então, que, se não forem superados os gargalos no transporte, o resultado será a divisão do mercado em duas áreas com preços potencialmente muito diferentes: uma área de mercado abastecida predominantemente por gás nacional – as malhas da NTS e Transportadora Associada de Gás (TAG) – com preços mais baixos; e uma área – a malha da TBG – com limitações na movimentação desse gás doméstico e que terá de recorrer ao gás natural liquefeito (GNL) importado e mais caro para compensar o declínio da Bolívia. O risco, nesse caso, é que o preço do mercado do Gasbol se equipare cada vez mais aos preços internacionais do GNL. Atenção para a regulação: O IE-PUC também chama a atenção para a necessidade de revisão da tarifa de interconexão entre as malhas da NTS e TBG, para reduzir os custos de envio do gás do pré-sal ao mercado atendido pelo Gasbol. O assunto está na agenda regulatória da ANP: a nova resolução sobre a interconexão e interoperabilidade de gasodutos de transporte está prevista para ser concluída em abril de 2025.
O estudo também identifica a demanda por novos gasodutos, para oferta de gás às novas fábricas de fertilizantes – uma das bandeiras da Coalizão é a destinação de gás a preços mais competitivos para o setor. São considerados os projetos de Três Lagoas (MS) – o mais avançado –, Linhares (ES) e Uberaba (MG). Somente a fafen do Triângulo MIneiro exigiria investimentos em uma nova rota de transporte – seja a partir de São Paulo ou de Minas. Para Três Lagoas, será imprescindível eliminar os gargalos da interconexão NTS-TBG, num cenário de declínio das importações da Bolívia. Já no caso de Linhares, as fontes de suprimento mais óbvias seriam Cabiúnas (seja o gás da Rota 2 ou do BM-C-33. O gás de Sergipe também é uma possibilidade. Independente da origem da molécula, fato é que seria necessária a construção de um novo ponto de entrega para suprir a fábrica. Competitivo o quanto? Joaquim Maia conta que uma das conclusões do estudo é que o preço do gás natural precisa chegar, na porta da fafen, a no máximo US$ 7 o milhão de BTU para justificar investimentos em novas fábricas de investimento.
Dentro das discussões do Gás para Empregar, a ideia é que a PPSA seja remodelada como instrumento de política pública para aumento da oferta de gás. Uma das diretrizes avaliadas é o reconhecimento dos investimentos em nova infraestrutura (como escoamento e processamento) dentro dos custos da partilha. Entenda: O excedente em óleo é a parcela da produção repartida entre a União e as empresas do consórcio de um determinado campo, no regime de partilha. É resultado da diferença entre o volume total da produção e os custos em óleo (por exemplo: os gastos com exploração, avaliação das descobertas, desenvolvimento e produção do campo). Dentro dessa lógica, quanto mais investimentos em infraestrutura reconhecidos como custos, nesses contratos, menos recursos sobram para serem repartidos com a União. “Mas se tiver viabilidade, a iniciativa privada tem que entrar”, defende Maia.
Fonte: Epbr
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