Javier Milei tomou posse neste domingo (10) como presidente da Argentina, sob os olhares interessados da indústria brasileira de gás natural. Logo nos seus primeiros dias, o novo governo terá de dar uma resposta rápida sobre a continuidade ou não da expansão da infraestrutura de gás planejada pelo antecessor Alberto Fernández, sob o risco de entrar numa crise energética no primeiro ano de mandato. Os primeiros passos da política energética de Milei são aguardados não só lá, mas também por aqui, entre agentes do mercado brasileiro que alimentaram este ano a expectativa sobre uma possível retomada da integração energética entre as duas principais economias da América do Sul. E que veem na Argentina no desenvolvimento das reservas não-convencionais de Vaca Muerta uma fonte de importação gás natural competitivo. Milei definiu o alto escalão de sua equipe de energia e já deu suas primeiras sinalizações – ainda que conceituais – sobre o que esperar para o gás.
O novo presidente argentino já definiu os principais nomes de sua equipe para a área de energia: como ministro de Infraestrutura, assume Guillermo Ferraro (ex-diretor de Infraestrutura e Governo da consultoria KPMG Argentina); o seu secretário de Energia será Eduardo Rodríguez Chirillo (consultor que já havia sido secretário de Energia no 1º governo de Carlos Menem, nos anos 1990); e para comandar a YPF, Horacio Marín (presidente de Exploração e Produção da Tecpetrol, do grupo Techint) O trio já deu algumas primeiras sinalizações que sugerem uma redução do peso do setor público na economia.
Ferraro já afirmou, depois de ser indicado ministro, que o papel do Estado é atuar como organizador entre o setor privado e os projetos de interesse público: “tudo o que o setor privado puder fazer, que deixe o setor privado fazer”. A proposta econômica de Milei é atrair investimentos privados para financiar a infraestrutura de Vaca Muerta. “Não temos dinheiro, temos um déficit fiscal”, disse Milei no fim de novembro, após a eleição [Bloomberg]. O discurso marca uma guinada em relação ao perfil do governo peronista de Alberto Fernández – marcado por investimentos públicos e políticas intervencionistas para superar gargalos históricos na infraestrutura de gás, com o objetivo claro de substituição de importações. O primeiro trecho do gasoduto Néstor Kirchner (GPNK) com atraso, foi a principal entrega do governo no setor. Milei, contudo, prometeu acabar com as obras públicas. Quem financiará, então, os gasodutos? Na corrida eleitoral de 2023, Fernández buscou uma aproximação com Lula e apoio do BNDES para construção do 2º trecho do GPNK – que pode abrir as portas para que o gás de Vaca Muerta, na Argentina, seja exportado, no futuro, para o Brasil. Hoje, o projeto comum de integração energética entre Argentina e Brasil, com foco no gás, é objeto de mais incertezas do que certezas. Ainda restam dúvidas sobre qual será o real perfil de gestão de Milei (será pragmático ao ponto de manter as relações com o governo brasileiro ou não?).
Logo nos primeiros dias de seu governo, Milei terá de decidir o que fazer com as obras de dois importantes projetos de infraestrutura de gás: o 2º trecho do GPNK, cuja licitação foi postergada para 20 de dezembro; e a reversão do fluxo do Gasoduto Norte – que levará gás de Vaca Muerta à região Norte do país e que promete declarar a independência argentina da importação de gás da Bolívia em 2024. No meio da corrida eleitoral, o governo Fernández correu para lançar a licitação das obras, mas decidiu, ao fim, segurar a assinatura dos contratos do Gasoduto Norte e deixar para a equipe de Milei decidir seguir ou não com o processo – que contou com ofertas acima do preço-teto. [Forbes]. O cronograma é apertado: a intenção original era concluir o projeto antes do inverno de 2024. Caso contrário, a Argentina pode ter de recorrer à importação de gás natural liquefeito (GNL), mais caro — problema para as divisas do país. O contrato de importação de gás da Bolívia foi encerrado antecipadamente no governo Fernández e o despacho de gás firme do país vizinho para a Argentina já não está mais garantido para 2024. A bomba relógio está montada: não há tempo hábil para relicitar a obra e deixar o capital privado fazê-lo, se a Argentina quiser atingir a autossuficiência no inverno de 2024. Mas se decidir seguir em frente, Milei terá de contrariar sua promessa de campanha de paralisar as obras públicas. Milei e sua equipe preparam um pacote de medidas econômicas que incluem, dentre outros pontos, o fim de “novas obras públicas, exceto aquelas com financiamento externo” [Clarín]. O Gasoduto Norte, vale lembrar, tem financiamento de US$ 540 milhões garantido pelo CAF, o banco de desenvolvimento da América Latina. Olhos atentos: A reversão do Gasoduto Norte mexe diretamente com a dinâmica do mercado de gás do Cone Sul e com as perspectivas de importação de gás pelo Brasil. A expectativa é que, a partir de 2024, com o fim das exportações para a Argentina, a Bolívia passe a direcionar mais gás para o Brasil. À Argentina, restaria importar GNL ou tentar negociar um arranjo com Brasil e Bolívia, para contornar o atraso de sua autossuficiência. Nos dois últimos invernos (outros governos, outros contextos) a Bolívia optou por reduzir as exportações para o Brasil e aproveitar melhores condições de preços da Argentina. Perguntas: haveria espaço de novo para isso, agora que a Bolívia depende mais do que nunca das exportações para o Brasil? Com o cobertor curto, Milei sentaria para negociar saídas conjuntas com os colegas bolivianos e brasileiros? Questionada, a Petrobras informou que desconhece a existência de tratativas relativas ao fornecimento de gás natural para a Argentina.
Para atrair o capital privado, Chirillo tem manifestado a interlocutores a intenção de rever as barreiras às exportações de óleo e gás – na Argentina vigoram as chamadas “retenciones”, a taxação sobre as commodities. Mais do que uma questão de soberania energética, consolidar a posição da Argentina como exportadora de gás é estratégico para a macroeconomia do país: significa a entrada de divisas e o equilíbrio das contas argentinas. Mas pode ser que a opção não seja o Brasil. Em agosto, Chirillo, que atuou como assessor de energia na campanha, deu algumas sinalizações desfavoráveis ao plano de exportação de gás para o Brasil, via gasoduto. Ele defendeu que seria mais vantajoso para a Argentina exportar o gás de Vaca Muerta por meio de GNL – o que daria ao país mais flexibilidade, dado o caráter sazonal da disponibilidade do gás argentino, e mais liberdade para que as empresas acessassem mais mercados, não ficando restritas ao Brasil.
Além disso, o plano do novo governo argentino é corrigir o controle de preços no setor de energia no país como um todo. No setor de gás, Milei promete respeitar os contratos do Plan Gas.Ar, o Plano Argentino de Fomento à Produção de Gás Natural, mas a ideia é rever o mecanismo de funcionamento da política [Bloomberg]. Pelas regras atuais, os produtores oferecem, via chamadas públicas, volumes para cobrir a demanda das distribuidoras de gás e a Cammesa, operadora do sistema elétrico. O governo define um preço máximo de referência para o gás. Milei quer que os contratos de compra e venda de gás sejam fechados diretamente entre produtores e consumidores. O pacote de medidas prioritárias inclui o descongelamento dos preços dos combustíveis e a “retirada gradual dos subsídios às tarifas entre janeiro e abril” [Clarín].
Milei já manifestou a intenção de privatizar a YPF e escolheu Marín para liderar a empresa neste período de transição, com o objetivo de reestruturá-la e aumentar seu valor de mercado antes da venda. O novo CEO da petroleira argentina promete aumentar a produtividade da companhia e, para isso, tem sinalizado o interesse de se desfazer de campos maduros [Forbes]. A ideia é vendê-los para operadores menores, num movimento parecido com que fez a Petrobras num passado recente, nos governos de Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB) – e que abriu espaço para produtores independentes e para dinamizar o mercado de gás do Nordeste. Pode ser uma oportunidade para que agentes brasileiros se posicionem no país vizinho. Aliás, já há empresas brasileiras nesse caminho: na semana passada, o grupo J&F anunciou a compra da Fluxus, petroleira independente fundada por Ricardo Savini, e, simultaneamente, a aquisição de ativos da Pluspetrol na Argentina, com foco, sobretudo, em gás. Incorporará ao seu portfólio, ao todo, uma produção de 1,3 milhão de m3/dia. Procurada, a J&F preferiu não comentar se os planos passam pela venda do gás argentino no Brasil. Fato é que a holding põe o pé no país vizinho, num momento em que o país vizinho expande a infraestrutura para aumentar sua capacidade de exportação – e em que empresários brasileiros miram a importação de gás competitivo para a indústria.
Fonte: Epbr
Related Posts
Para aonde vão as tarifas dos gasodutos em 2025?
Os usuários da malha integrada de gasodutos se defrontam, no processo de oferta de capacidade deste ano, com um cenário de queda nas tarifas de transporte para 2025.É uma tendência geral, observada desde a...
Análise: voltar a construir gasodutos estruturantes e tarifas; os gargalos para chegada do gás argentino
Ao se comprometerem a viabilizar o envio de gás natural da Argentina ao Brasil ao “menor tempo e com o menor custo possível”, os governos de ambos os países terão que se debruçar sobre duas agendas: uma de...