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Mercado livre do gás só acontece com desconcentração na oferta, avalia CEO da Gas Energy

O pedido feito pela Petrobras ao Cade para rever o Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) assinado em 2019 para implementar medidas de redução do papel de monopolista da estatal no setor de gás acendeu um sinal de alerta nos interessados com a abertura do mercado. A mensagem dada com o pedido de flexibilização é clara. A estatal quer rever restrições para competir em todos os elos do mercado, obrigatoriedades para se desfazer de ativos e ainda vislumbrar um futuro de continuidade de seu domínio na oferta. A intenção estatal gerou até um manifesto contra a flexibilização, assinado no fim de 2023 pelo Fórum do Gás, que reúne várias associações de consumidores, entre elas Abrace, Anace, Abividro, Abiquim, Firjan e Aspacer, todos grandes consumidores de gás e que temem com a revisão do TCC um aumento de concentração da oferta de gás pela Petrobras, que aliás ainda é muito elevado, na faixa de 80% do mercado. Tem mesma visão sobre o tema o CEO da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, para quem, em 2024, esta é a principal resposta que o governo precisa dar para o mercado: se pretende continuar o processo de desconcentração iniciado como o TCC em 2019, e assim estimular verdadeiramente o nascimento do mercado livre para consumo industrial, ou se, pelo contrário, a ideia é voltar atrás com as conquistas, sob o risco de reduzir a competividade do gás nacional e contrariar as intenções do programa federal Gás para Empregar. Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Moreira Neto ao EnergiaHoje:

Por que o desenvolvimento do mercado livre de gás no Brasil está demorando para acontecer? É um problema de regulação dos estados?

No nosso entendimento, não é um problema de regulação. Os estados estão avançando nesse ponto, aprimorando suas regulações em vários estados no Nordeste, e até São Paulo, que tem um regulatório menos amigável, fez uma revisão recentemente das regras. O grande problema é que, na nossa visão, isso não vai ser suficiente para estimular verdadeiramente o mercado livre. A questão central é a concentração na oferta, que continua.

Mas não houve avanços desde que as medidas do TCC entre Cade e Petrobras, assinado em 2019, foram implementadas?

Sim, teve vários avanços. Se comparar com o que tínhamos em 2019 com agora, hoje praticamente 20% do mercado é suprido por gás privado, há acesso às infraestruturas essenciais, de transporte, ainda que com alguma dificuldade em procedimentos e com um custo elevado, mas é possível acessar a TAG, NTS, tem oferta de capacidade. Isso tudo tem que ser reconhecido, só que para continuar estimulando o crescimento do mercado livre, que está estagnado com raros casos, e aí estou falando do cliente industrial, o grande âncora do consumo, aí temos um problema. Porque na primeira onda de abertura a liquidez privada foi toda voltada para as distribuidoras de gás, no mercado cativo.

Por que isso ocorreu?

Por uma razão muito clara e simples. A distribuidora é um offtaker  muito interessante para esses novos fornecedores privados, porque é possível ter contratos muito mais simples, seguindo a âncora de preços que o monopolista impõe. Com isso, a Petrobras, que tinha 100% do mercado em 2021, agora passou a ter 80%, o que ainda é muito. Então, o que isso quer dizer? O mercado abriu? Abriu. Mas isso gerou competição? Não necessariamente, porque ainda há alguém grande demais como âncora do suprimento, que acaba definindo o custo de oportunidade, as condições de base da comercialização. Então é preciso separar essa realidade dual. De um lado, há uma abertura que de fato aconteceu, mas por outro lado há um problema que permanece, que é a concentração da oferta.

E tem como esse cenário se reverter?

Este é o grande assunto do ano para o mercado de gás. Saber do governo e dos reguladores se haverá uma continuidade do processo de desconcentração que começou com assinatura do TCC com o Cade e a Petrobras em 2019 ou se nós chegamos no limite do que é possível discutir desconcentração no Brasil.

E os sinais dados nesse primeiro ano do governo federal e pela Petrobras são mais para a segunda hipótese, certo?

Aqui também temos uma outra realidade dual. Por um lado há a Petrobras dizendo que voltou para o mercado, que vai competir por toda a molécula, revendo ativos que já foram vendidos e travando outras vendas e, mais recentemente, pedindo para rever os TCCs, não só o do gás mas também o do refino. Mas, por outro lado, o governo federal também lançou no começo de 2023 o Gás para Empregar, que é justamente um programa que busca uma agenda positiva de ações que podem trazer mais competitividade para o gás e estimular o uso pela indústria, que é quem de fato consome e pode gerar mais benefícios com o consumo de gás. Ou seja, é um cenário que não está muito claro. O governo pode continuar o caminho da desconcentração, com várias medidas, como gas release ou leilões de gás novo, ou dizer que a abertura parou por aqui.

E como a oferta de gás para os próximos anos deve se comportar com esses cenários ?

A curva da oferta de gás no Brasil nos próximos dez anos vai dobrar. Vão ser mais 50 milhões de m3/dia, com os projetos Rota 3, Pão de Açúcar e Sergipe-Alagoas. Mas pelo menos três quartos desse aumento já contratados na oferta estarão dentro do portfólio da Petrobras. Então, mesmo dobrando a oferta, não é garantia de queda no preço, porque se mantém o caráter dominante do monopolista. Ou seja, a grande resposta para o ano, que é saber se haverá continuidade na agenda de desconcentração ou não, também é importante para saber de que maneira a Petrobras comercializará esse excedente de gás futuro. Porque não se contrata produção privada por decreto, que no caso será o Pão de Açúcar, que é da Repsol e da Equinor, e o restante (Rota 3 e Sergipe-Alagoas) são basicamente projetos da Petrobras.

Fonte: Energia Hoje

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