As distribuidoras de gás canalizado resolveram testar um novo modelo de indexação nos contratos mais recentes de suprimento de gás natural.
Ao menos 13 concessionárias estaduais têm, hoje, parte de seus volumes indexados ao Henry Hub, o preço de referência dos Estados Unidos.
A busca por modelos alternativos de precificação ganhou tração na última safra de contratos, sobretudo nas negociações com a Petrobras em 2023.
Não é só a estatal: a Galp é outro fornecedor que oferece produtos vinculados à referência americana; e a Shell já testou o modelo com a Copergás (PE), no contrato 2022-23.
As distribuidoras buscam reduzir a exposição ao tradicional modelo de indexação ao Brent, a referência global dos preços do petróleo – e que historicamente convive com pressões geopolíticas.
Mas calma. O Henry Hub ainda é uma realidade para a minoria das concessionárias: na maior parte dos contratos, o novo indexador só passa a valer a partir de 2026. E as distribuidoras optaram por contratar volumes ainda pequenos com base na referência americana.
Levantamento da agência epbr, com base nos contratos públicos do mercado regulado, atualmente disponibilizados pela ANP, mostra que a indexação ao Henry Hub incide sobre menos de 13% dos volumes contratados pelas concessionárias de gás canalizado para 2026.
Indexadores diferentes, riscos diferentes
A escolha do indexador do preço do gás traz consequências para a distribuidora, na gestão de seu portfólio, mas também para o consumidor final – que é quem, no fim das contas, paga os custos de aquisição do gás nas concessões.
Brent e Henry Hub estão sujeitos a riscos diferentes – e, portanto, possuem diferentes comportamentos.
A indexação ao petróleo expõe o preço do gás, no Brasil, a fatores externos ao mercado de gás, como tensões geopolíticas no Oriente Médio, cortes de produção da Opep e ao balanço global entre oferta e demanda do óleo. Já a precificação gás-gás, possível graças à indexação ao HH, traz os preços para uma realidade do mercado de gás, mas ainda não a do Brasil, e sim dos EUA – e sujeito a efeitos como política fiscal e condições climáticas daquele país, por exemplo.
“Brent e Henry Hub são dois indexadores com baixa correlação, não oscilam da mesma maneira, os balanços de oferta e demanda são diferentes. A combinação dos dois traz uma diluição do risco, traz uma volatilidade menor para os preços do gás. É um ponto positivo, pela ótica do consumidor”, comenta o diretor de Gestão e Assessoria da Infinity Energias, Lucas Tocchetto.
Maior distribuidora do país (e também a maior compradora de gás), a Comgás optou, a partir de 2026, por um mix 80% Brent + 20% Henry Hub na composição de preço no contrato de longo prazo que assumiu com a Petrobras.
Questionada sobre a opção, a empresa justifica que “foi oportuno incorporar à composição do preço de molécula de gás natural dois indexadores distintos”, visando, desse modo, “diluir o risco da volatilidade dos preços do barril do petróleo”.
Cita que, nos últimos anos, diante do desafiador contexto internacional, o Henry Hub apresentou mais estabilidade e previsibilidade que o Brent.
Não significa que o Henry Hub esteja imune a picos. O preço de referência americano, aliás, está pressionado pelo frio extremo que assola os EUA – e que aumenta a oferta por gás para calefação ao mesmo tempo em que congela os poços de gás.
Além disso, o governo dos Estados Unidos anunciava que vai frear, temporariamente, a aprovação de novos projetos de exportação de gás natural liquefeito (GNL) no país – medida cujos efeitos para a dinâmica dos preços do HH ainda não estão claros.
Calma aí: Não vamos ter preço americano
Não quer dizer que, ao optarem pela indexação ao Henry Hub, as distribuidoras – e por consequência, os consumidores – pagarão o preço que os americanos pagam pelo HH: da ordem de US$ 2,5 o milhão de BTU, um sonho de consumo para as indústrias brasileiras. O preço da molécula da Petrobras é cerca de o quádruplo disso.
“Indexação ao Henry Hub é só uma forma de corrigir o preço. O importante é discutirmos o preço zero [o preço de partida, que será reajustado], que ainda é alto. O mercado brasileiro ainda está precificado acima. Se quisermos desenvolver novas demandas, precisamos de um preço mais barato. E para ter uma redução da concentração e preços mais baixos, precisamos aumentar a oferta”, relativizou o diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça.
Estamos falando, aqui, no Henry Hub como um preço de referência que vai variar seguindo uma fórmula. No caso da Petrobras, o padrão foi adotar 115% do preço do HH nos contratos, mais uma parcela vinculada ao índice de preços ao atacado nos EUA (o PPI).
Ou seja, ao optarem pela indexação ao HH, as distribuidoras também estarão expostas, em certa medida, à inflação dos Estados Unidos.
O índice tem um peso pequeno, num primeiro momento, sobre o preço do gás da Petrobras. O analista de gestão de gás da Infinity Energias, Matheus Rebelo, no entanto, chama a atenção para o fato de que o PPI americano, embora venha cedendo desde o segundo semestre de 2023, é crescente historicamente.
A tendência é que, com o PPI, a parcela do Henry Hub pese mais no mix dos contratos das distribuidoras ao longo do tempo. “Acredito que o Henry Hub vai ser melhor no início dos contratos, mas conforme o contrato for ficando mais velho ele vai ficar mais oneroso”, analisou.
“O Henry Hub pode trazer mais linearização à volatilidade dos preços do gás, mas, na mão oposta, aumenta complexidade na gestão do portfólio. Para os consumidores, torna-se mais complexo projetar custos [de aquisição do gás], é uma dificuldade”, complementou Tocchetto.
Para onde vai o Henry Hub?
Novo item na composição do preço do gás brasileiro, o Henry Hub está em viés de alta. A BMI, da Fitch Solutions, projeta o preço de referência do gás americano a US$ 3,4 por milhão de BTU em 2024; US$ 3,6 em 2025; US$ 3,8 em 2026-2027; e US$ 4 em 2028.
Na visão da BMI, a demanda crescente por gás americano, juntamente com um prêmio de risco geopolítico mais elevado e a desaceleração da produção doméstica, devem apoiar a valorização do HH.
A projeção, embora recente, é anterior à decisão do governo Biden de suspender temporariamente novas licenças para exportação de GNL dos Estados Unidos.
É um novo componente na equação. O aumento dos embarques de gás americano, sobretudo para a Europa, tem ajudado a pressionar os preços internos, nos EUA.
O mercado ainda digere a decisão de Biden, que justificou a medida pelo apelo ambiental – desvinculando-o da questão inflacionária.
Dado o peso pequeno sobre o preço final do gás no Brasil, o HH não deve representar, a partir de 2026, um aumento – ou uma queda – expressivo nos preços brasileiros. A contribuição maior do novo indexador deve ocorrer na gestão dos riscos.
Quem aposta no Henry Hub
A mudança na indexação do gás, para uma combinação entre Brent e HH, vai afetar consumidores de ao menos 12 estados: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Em sua estreia como fornecedora de gás para distribuidoras, no Brasil, em 2021, a Shell fechou um contrato com a Copergás que permitia à concessionária pernambucana arbitrar o indexador de sua preferência: o HH ou o Brent. O contrato já venceu.
Naquele mesmo ano, em meio à entrada de novos fornecedores no mercado, a Petrobras chegou a oferecer produtos vinculados ao Henry Hub, mas não houve demanda pela novidade à época.
Nos últimos anos, a Galp também passou a trabalhar com o modelo e possui, hoje, contratos com Bahiagás (BA), ES Gás (ES), Gasmig (MG), SCGÁS (SC) e Sulgás (RS).
Em 2023, a Petrobras permitiu que as distribuidoras montassem suas respectivas carteiras de suprimento com um mix entre HH e Brent e que optassem por percentuais de exposição a cada um dos indexadores variáveis, de acordo com suas demandas. Optaram por esse modelo a Cegás (CE), Comgás (SP), Compagas (PR), MSGÁS (MS), Necta (SP), PBGás (PB), Potigás (RN), SCGÁS (SC) e Sergas (SE).
Fonte: Epbr