Em entrevista ao portal EnergiaHoje, a residente da Abiogás, Renata Isfer, afirma que caso seja viabilizado dentro do projeto de lei do Combustível do Futuro (PL 4516/2023), que está para ser votado na Câmara dos Deputados, o Programa Nacional de Biometano vai destravar um mercado com potencial para gerar 120 milhões de metros cúbicos por dia do gás natural renovável e que hoje ainda está na faixa do 1 milhão m3/dia. Segundo ela, a instituição dos incentivos do programa, que prevê uma estratégia de compra obrigatória de biometano por produtores e importadores de gás natural, serve até para corrigir uma injustiça. “É a única fonte renovável que nunca teve uma política estruturante”, diz. O PL, cujo relator é o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), estabelece que a partir de 2026 os agentes regulados precisarão comprovar a compra de no mínimo 1% de biometano em relação ao volume de gás natural vendido ou consumido.
A meta subirá até o prazo final de 2034, quando o volume comprado deverá chegar a 10%. Como inovação, as metas também poderão ser cumpridas por meio da compra de um instrumento que será criado com o programa, o Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB), a ser regulado pela ANP e emitido por certificadores credenciados para os produtores de biometano. É diferente ainda o fato de os produtores e importadores de gás, sejam eles autoconsumidores ou comercializadores, não serem obrigados, pela proposta, a aposentar os certificados para cumprir metas de descarbonização, tendo a opção de comercializá-los no mercado, assim como o próprio biometano. Isso tem o mérito de desvincular o atributo ambiental do energético da molécula, aponta Isfer, já que o agente poderá obter uma receita extra com o biometano/certificado adquirido, utilizando o mecanismo proposto pelo programa pelo viés econômico, para melhorar sua receita e poder inclusive atender a modicidade tarifária. A seguir, os principais trechos da entrevista com a dirigente setorial, que de 2019 a 2020 foi secretária de petróleo, gás natural e biocombustíveis do MME.
De que forma é benéfico para o setor de biogás a aprovação do Programa Nacional de Biometano, que consta do PL do Combustível do Futuro?
O PL vai direto em pontos que são muito importantes para destravar o setor do biometano. Hoje temos um potencial de 120 milhões de metros cúbicos por dia, mas o país produz apenas 1 milhão de m3, sendo apenas 400 mil autorizados para comercialização e o restante para autoconsumo. É uma indústria muito incipiente e, diga-se de passagem, a única fonte renovável de energia que nunca teve uma política estruturante. Os projetos que saem no Brasil são por conta da garra de investidores corajosos, mas nunca por conta de uma política pensada. Por isso que vemos com bons olhos o programa.
Mas quais são esses pontos?
São dois principais. O primeiro deles é a separação do atributo energético do atributo ambiental. Hoje, em alguns dos casos, o biometano ainda é mais caro do que o gás natural e uma boa parte da demanda do mercado tem o interesse apenas no energético, em ter gás, mas não tem interesse no atributo ambiental, no fato de ele ser renovável. Então o programa separa isso, de forma que o gás possa ser vendido sem o atributo ambiental, mais barato. E quem adquire esse atributo ambiental, que seria o certificado [CGOB], vai poder dizer, o aposentando, que está usando o biometano. Agora se ele estiver comprando sem o certificado, é como se estivesse comprando o gás fóssil. Com isso, é possível endereçar um custo extra que eventualmente possa ter em relação ao gás natural para quem quer pagar. Porque hoje existem dois tipos de demandas, daqueles que querem gás mais barato, e que muitas vezes só têm acesso ao caro, e aqueles que querem efetivamente descarbonizar, mas não têm acesso ao biometano. Assim é possível atender a esses dois mercados.
E o segundo ponto?
É o incentivo à produção, à demanda, que o PL proporciona, porque hoje o mercado não acontece da forma ideal porque o produtor fica esperando ter infraestrutura e consumo, enquanto o consumidor espera ter produção. Ou seja, ninguém se conversa direito. O PL, trazendo essa demanda obrigatória, faz o mercado se mexer, passar a dialogar para começar a realizar os projetos.
A partir da obrigatoriedade de compra de biometano pelos produtores e importadores de gás a expectativa é de acelerar em quanto o crescimento do setor?
Com esses incentivos do PL, e mais outros caminhos que ainda precisam ser tomados para incentivar a infraestrutura, e que não estão no projeto, como, por exemplo, a criação de corredores sustentáveis e a criação de linhas de financiamento facilitadas para o setor, já seria possível dar um grande avanço e, no curto prazo, chegar a 30 milhões de metros cúbicos por dia de produção. Hoje já temos a expectativa de nos próximos cinco anos, sem os incentivos do programa, chegar a 7 milhões m3/dia, com um total de investimentos de R$ 9 bilhões. Agora, se chegar aos 30 milhões, o que imaginamos que seja possível com os novos incentivos pelo menos até 2034, é possível chegar na faixa dos R$ 50 bilhões em investimentos. E fora os empregos gerados e o fato de o Brasil ainda ser muito dependente de importação de gás natural, GLP e diesel. O biometano é uma opção renovável para esses combustíveis, com produção local, e que ainda tem a vantagem de estar no Brasil inteiro, perto da demanda, ao contrário do gás natural, concentrado na costa.
Essa característica de estar no Brasil inteiro, a partir de várias fontes, desde aterro até produção agropecuária, perto da demanda, também já não é um estímulo em si para criar demanda?
Sim, e principalmente porque esse cenário permite levar gás para onde hoje não tem. Por exemplo, é possível substituir o GLP, que é mais caro do que o biometano, em cidades do interior, e o diesel, fazendo corredores sustentáveis. Hoje os caminhões a GNV não avançam porque não tem gás natural no interior do país, o que pode ser atendido em qualquer região com o biometano. Ou seja, essas demandas de GLP e diesel já pagam mais caro por essa energia e poderiam facilmente ser substituídas pelo biometano.
Voltando ao projeto de lei, como a sra. viu as críticas do Fórum do Gás de que a compra compulsória de percentual do biometano pode representar um custo anual de R$ 570 milhões? Para as entidades do fórum, a determinação precisaria de robusto estudo prévio e poderia postergar a transição energética da indústria.
Eu entendo que existe, principalmente entre os grandes consumidores de gás e energia elétrica, um receio grande com o modelo de encargos e custos, cuja dinâmica encarece as tarifas. Mas eu acredito também que muitas vezes essas posições acabam se tornando um preconceito que pode inviabilizar ideias boas para o mercado de gás. Porque um dos pontos que sempre foi levantado quando se pensa em gás natural é a concentração de mercado. Hoje temos um agente dominante, que faz a precificação do gás brasileiro considerar o preço de paridade, até porque o Brasil importa muito. Ou seja, não há uma competição de verdade. E com o biometano, caso aconteça a expansão que desejamos, o que não vai faltar é diversidade na oferta, porque os produtores são os mais variados e tem muitos. Então desbloqueando todo esse potencial, vai ser possível trazer o que o mercado de gás natural quer, que é a competitividade. E a hora que isso ocorrer o preço vai ser determinado pelo mercado, pela oferta e demanda, especialmente quando se tem o certificado para separar o atributo ambiental do atributo energético. Isso significa que, no fim, os incentivos propostos pelo PL vão ser extremamente benéficos para o setor de gás.
Fonte: EnergiaHoje
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