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A mensagem argentina a quem quer importar gás de Vaca Muerta

Nossos vizinhos têm gás de sobra para exportar ao Brasil e veem condições favoráveis para negociar contratos de longo prazo com a indústria daqui. Essa foi a mensagem dada pelos argentinos (autoridades do governo e agentes do mercado) a um grupo de empresários brasileiros que viajou a Buenos Aires no início do mês, ao lado de membros do governo, para prospectar oportunidades de importação de gás. No encontro, a estatal argentina Enarsa sinalizou que, garantida a expansão da infraestrutura necessária, estão criadas as bases para o envio do gás ao Brasil a partir de 2027. A empresa estima que o envio de gás ao mercado brasileiro pode começar com uma capacidade mínima de 11,5 milhões de m3/dia. A missão brasileira a Buenos Aires foi organizada com o objetivo de abrir as conversas e entender melhor as perspectivas do país vizinho, após a mudança do governo local. Ainda não foi o momento de se colocar propostas na mesa, mas os argentinos prometeram um gás competitivo.

Dos produtores argentinos, os brasileiros ouviram as perspectivas de boom da oferta de gás de Vaca Muerta — que tem potencial para manter um platô por 20 anos, num cenário de gás abundante para abastecimento dos mercados interno, regional e global (via GNL). Os preços do gás em Vaca Muerta, de US$ 3,5 o milhão de BTU na média, são extremamente competitivos… mas não quer dizer que a indústria brasileira conseguirá pagar algo parecido.

 As exportações na Argentina são regidas por preços mínimos – o Chile, por exemplo, paga cerca de US$ 6,3 o milhão de BTU pela molécula este ano. A Enarsa estima que seja possível vender gás em São Paulo a entre US$ 9 e US$ 10 o milhão de BTU (molécula + transporte). Para efeitos de comparação, o preço da Petrobras, com transporte, é superior a US$ 12 o milhão de BTU atualmente. Mas tudo ainda está no campo das estimativas. Não houve uma negociação formal de preços nesse primeiro encontro. Preços, prazos, volumes… todos esses números ainda são estimativas que, para se concretizarem, dependem de um longo caminho a ser percorrido. Falta, por exemplo, clareza sobre as tarifas de conexão do gás argentino para o Brasil – sobretudo na hipótese de o gás vir a passar pela infraestrutura da Bolívia. Falta transparência sobre as tarifas de transporte na própria Argentina – cujo governo atual, de Javier Milei, promete uma revisão geral dos subsídios contidos na tarifa do gás. Esse cenário pode levar a um reajuste dos valores atualmente praticados (as tarifas das transportadoras devem começar a subir a partir de abril). Quanto aos prazos, tudo vai depender, claro, do ritmo das negociações, ajustes regulatórios e dos investimentos em infraestrutura.

Do lado argentino, os agentes bateram na tecla de que as condições para viabilizar as exportações são favoráveis, mas que será necessário: fortalecer o regime regulatório local para exportações (eliminando restrições), além de muita coordenação entre os dois países (ou três, se a rota de exportação for via Bolívia); e investimentos na rede de gasodutos da Argentina (e do Brasil, se a opção foi importar via Uruguaiana/RS).

Os argentinos, aliás, lembram que a construção do segundo trecho do Gasoduto Néstor Kirchner ainda está pendente de financiamento e não tem prazo para ser concluída neste momento. O projeto, plenamente implementado, permitirá aumentar o envio de gás ao Norte argentino, abrindo as portas para exportação de grandes volumes. Ainda não está claro quem assumirá os investimentos na Argentina — a intenção do governo atual é aumentar o protagonismo de capital privado.

Também resta saber quanto de fato a Argentina terá para exportar ao Brasil em bases firmes (dado o caráter sazonal da demanda interna, que cresce abruptamente no inverno). Segundo fontes, os agentes argentinos veem espaço para negociar contratos de longo prazo firmes. Próximos passos. Os dois governos sinalizaram que vão avançar nos estudos de integração – que pode incluir, num segundo momento, a inclusão da Bolívia nas conversas. A missão é um desdobramento do compromisso firmado por Lula com o governo argentino do então presidente Alberto Fernández, em janeiro de 2023, propondo um projeto de integração regional na área de energia.

Esta semana, o secretário de Energia, Eduardo Chirillo, reforçou alguns pontos da reforma que Milei prepara na política energética. O presidente argentino vem de derrotas no Congresso, na tentativa de aprovar a Lei Ônibus – pacote de medidas de desregulação da economia que foi desidratado nos últimos meses. O governo costura, agora, um novo texto para o projeto e a expectativa é que o setor de gás seja contemplado. Em evento com empresários no início da semana (antes de a Lei Ônibus fracassar no Senado), Chirillo comentou sobre algumas das propostas do governo (El Cronista).

O objetivo é acelerar a produção de óleo e gás nas próximas décadas, no contexto da transição energética, e para isso o governo argentino quer aumentar as exportações de Vaca Muerta – primeiramente com o petróleo, no curto prazo, e em seguida com o gás no médio e longo prazos. Vaca Muerta, aliás, deve receber investimentos recordes de US$ 9 bilhões este ano por parte das petroleiras. O novo projeto propõe uma mudança na Lei dos Hidrocarbonetos do país, ao definir que a política nacional tem como objetivo maximizar as receitas com exploração dos recursos e não apenas satisfazer as necessidades do país – o texto atual faz menção apenas à segurança energética. Segundo Chirillo, a ideia é dar “o direito à livre comercialização de gás e petróleo a terceiros países, além do mercado interno”. Também fala em liberar preços e permitir autorizações firmes de até 30 anos para exportação de GNL – hoje, o mercado argentino funciona dentro de uma lógica de contratos de curto prazo.

O secretário de Energia argentino citou ainda que a ideia é dar um tratamento especial ao GNL no novo marco normativo, para impulsionar as exportações. Chirillo também reiterou suas críticas ao Plan Gas, o Plano Argentino de Fomento à Produção de Gás Natural – um programa de estímulo à produção de gás, sobretudo em Vaca Muerta, concebido no governo de Alberto Fernández com foco na substituição de importações. A intenção do novo governo é mudar o mecanismo, para que os contratos de compra e venda de gás possam ser fechados diretamente entre produtores e consumidores – e com prazos maiores. Pelas regras do plano, os produtores oferecem, via chamadas públicas, volumes para cobrir a demanda das distribuidoras de gás e a Cammesa, operadora do sistema elétrico. O governo define um preço máximo de referência para o gás.

Fonte: Epbr

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