A indústria ceramista pôs os pés no mercado livre de gás natural. Desde o início do ano, ao menos seis empresas do setor já celebraram seus primeiros contratos com fornecedores privados, de olho em preços (mas também condições de suprimento) mais vantajosos. O gás é estratégico para a competitividade, já que responde por entre 30% e 35% dos custos de produção da indústria no Brasil – 3ª maior exportador de revestimentos cerâmicos (pisos, azulejos etc) do mundo. O momento do setor: a produção da indústria cerâmica vem de dois anos de retração. E o consumo de gás está estagnado em cerca de 3 milhões de m3/dia, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer). É nesse contexto que as companhias se lançam no mercado livre – num primeiro momento, na maioria dos casos, por meio de contratos de curto prazo, na modalidade parcialmente livre, ou seja, mantendo parte do consumo no mercado cativo.
A primeira a embarcar foi o grupo Biancogres, que fechou um contrato com a Shell no início do ano no Espírito Santo. Em seguida, foi a vez das empresas paulistas migrarem, praticamente em bloco: Delta Porcelanato, Grupo Lef, Cecafi, Cedasa e Incopisos fecharam contratos com a comercializadora Edge (Compass). E mais um grupo de indústrias do setor está em fase final de negociação de contratos para o mercado livre, segundo a Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer). São Paulo responde por quase dois terços da produção nacional de revestimentos. Com um consumo da ordem de 1,8 milhão de m3/dia, a indústria paulista tem capacidade instalada para ampliar a produção de cerâmica e, consequentemente, o consumo de gás em 30%. A indústria local tem buscado uma aproximação com potenciais supridores. Desde maio, a Aspacer já promoveu encontros entre empresários locais com fornecedores como a Edge, Energisa e Shell. A próxima da fila é a NewGas, consultoria da Comerc. A agenda de competitividade do gás passa também pela busca de opções de gás fora do país. A Anfacer foi uma das representantes brasileiras na comitiva de agentes industriais que se reuniu este mês com a YPFB, para abrir um canal para importação direta de gás boliviano pelo setor produtivo brasileiro, sem o intermédio da Petrobras. E mira também oportunidade de importação de gás argentino. A Aspacer se reuniu este mês com representantes Pan American Energy — que se prepara para começar a vender gás argentino no Brasil a partir do próximo verão.
O diretor de Relações Institucionais da Aspacer, Luís Fernando Quilici, conta que a grande motivação do setor, ao buscar o mercado livre, é acessar um gás mais barato para aumentar a competitividade da indústria, tanto internamente quanto internacionalmente. Hoje, o setor exporta 13% da sua produção, mas tem pretensões de alcançar os 30% em 2030. “Para que isso ocorra, o gás precisa ser mais barato do que o insumo consumido na Itália, Espanha, Índia, China e Turquia, reconhecidos produtores de cerâmica, além do México, Peru e Colômbia, países sulamericanos que produzem cerâmica e também concorrem conosco no mercado internacional”, comenta Quilici. As empresas do setor têm conseguido, em média, reduzir entre 5% e 7% os preços da molécula no mercado livre. “A gente briga por centavos [na competição por consumidores no setor]”, completou o diretor-geral e Industrial na Cerâmica Carmelo Fior e presidente da Aspacer, Eduardo Fior.
[Quilici destaca que os ceramistas têm buscado predominantemente, no mercado livre, contratos de curto prazo e com indexadores que possam trazer o menor risco e maior previsibilidade. E perseguem propostas mais vantajosas não só no preço da molécula, mas também quesitos como flexibilidade no consumo e menos penalidades. A escolha é, em alguns casos, decidida nos detalhes. O preço da molécula pode ser mais vantajoso num determinado contrato – mas em outro há condições melhores de penalidades, para flutuações sazonais de consumo no ano, ou o direito a mais dias sem cobrança de capacidade mínima contratada para realização de paradas programadas por exemplo.Nessa primeira investida, as empresas têm apostado, em geral, em migrar apenas parte do consumo de gás para o mercado livre e manter a maior parte dos volumes no cativo. O setor tem direcionado para o mercado parcialmente livre até 40% de sua demanda. “O setor trata esse momento como uma fase de experimentação e degustação. Também existe o interesse na construção de uma curva de aprendizagem, afinal a indústria nacional, salvo casos pontuais, não tem um histórico de atuação no mercado livre”, relata Quilici. Fior conta que a opção por contratos de curto prazo e pela migração para o parcialmente livre refletem a insegurança que a indústria ainda tem em relação à abertura. “No setor elétrico, você já conhece o caminho, já existe uma rota e você já sabe onde você está e conhece o fim da rota. É um negócio muito consolidado, muito seguro. O mercado livre do gás, hoje, a gente imagina que a gente sabe onde ele começa, não tem ideia onde ele termina. Tem muito aprendizado, é muita coisa que a gente vai ter que passar”, disse.
Para Fior, ainda há questões a serem resolvidas no transporte, como o empilhamento de tarifas entre as malhas das diferentes transportadoras. Ele também defende a criação de uma Câmara de Comercialização de Gás – a exemplo da CCEE, no setor elétrico – que permita a liquidação das diferenças e o desenvolvimento de um mercado secundário. Quilici acrescenta a necessidade de um programa de desconcentração da oferta (gas release) e – nos estados, aperfeiçoamentos nas regras da estruturação tarifária do agente parcialmente livre, para que o usuário remunere a concessionária pelo serviço de distribuição do volume total que passa pelo gasoduto – e não apenas o volume contratado no mercado cativo. Caso contrário, criaria-se uma distorção que elevaria o custo médio da distribuição para o usuário parcialmente livre, já que a margem e a TUSD (a tarifa de uso do sistema) são decrescentes – ou seja, quanto maior o consumo, menor o valor médio. O assunto foi pacificado em São Paulo, mas essa não é uma realidade em todos os mercados. “É como se estivéssemos consertando o avião em pleno voo. Com as ‘peças e ferramentas’ regulatórias disponíveis, vamos ajustando a ‘aeronave’ do mercado livre. Não dá para esperar grandes mudanças estruturais no setor de gás no curto prazo. É no dia-a-dia, conhecendo de perto as dificuldades, o perfil, o chão de fábrica de cada indústria associada, que estamos avançando no mercado livre”, sintetizou Quilici.
A Cecafi possui, ao todo, quatro fábricas – duas em São Paulo, uma em Santa Catarina e outra em Sergipe. Elas consomem, juntas, cerca de 230 mil m3/dia. A empresa optou por começar a migrar pelas duas unidades que possui em Cordeirópolis (SP). Dos cinco fornos que opera nas plantas, alocou dois deles no mercado livre – 40% do volume consumido pelas unidades, o equivalente a cerca de 45 mil m3/dia. O contrato com a Edge é de curto prazo, de agosto até o fim do ano – quando também se encerra o atual contrato com a Comgás no mercado cativo. A companhia teria condições, assim, de migrar todo o seu volume para o mercado livre. Vai depender, ao fim, das propostas a serem apresentadas. Fior cita que, nas negociações com a Edge, a comercializadora chegou a propor um preço mais atrativo (com desconto na casa dois dígitos) para um contrato de 18 meses. Mas a Cecafi optou por um contrato mais curto, na expectativa de um desenvolvimento contínuo do mercado livre. Ele acredita que a nova política de preços da Petrobras, anunciada em maio, trará uma reacomodação dos preços dos demais agentes. A companhia busca fornecedores para todas suas fábricas no mercado livre para 2025. “Dependendo das propostas que tivermos, se elas forem competitivas a nível de preço, se as flexibilidades atenderem às necessidades da nossa indústria e nós conseguirmos casar esse mix entre flexibilidade e competitividade, não vejo por que ficar no mercado cativo”. A empresa buscará contratos anuais: “Em 2025 haverá ainda mais oferta para 2026 e, assim sucessivamente, o negócio vai crescendo.
As diferentes unidades de produção do grupo têm peculiaridades diferentes, a depender da realidade da concessão de gás canalizado de cada estado. Em Santa Catarina, Fior explica que, embora a companhia tenha a intenção de migrar para o mercado livre, o contrato com a SCGÁS no cativo é muito flexível – um ponto de vantagem na largada diante do momento de baixa da indústria ceramista na região Sul. Em Sergipe, a Cecafi é o maior consumidor individual da Sergas. O consumo de 80 mil m3/dia da companhia representa quase 30% do volume movimentado pela distribuidora – o que exige um cuidado adicional numa eventual migração. Ela tem potencial para onerar os demais usuários da rede. Segundo Fior, a Cecafi vem conversando com a Sergas para tratar do assunto. “Se a gente sair e onerar o sistema, essa penalização volta para a gente no CUSD [o contrato assinado entre usuários livres e a concessionária estadual de gás canalizado pelo uso da rede]… Então temos que negociar”, disse. A distribuidora não tem a liberdade de oferecer tarifas diferenciadas para um cliente em específico, na tentativa de assegurá-lo no cativo, mas se conseguir negociar um preço melhor junto aos seus supridores de gás e aumentar a sua competitividade, isso pode pesar na decisão de migrar ou não de seu usuário. Fior conta que em Sergipe também há um limitador: o Programa Sergipano de Desenvolvimento Industrial (PSDI) concede incentivos fiscais para o consumo de gás natural pela indústria local. Mas o gás oriundo de outros estados não está contemplado na política – o que resume as opções da ceramista, hoje, à Sergas e Eneva. “Ou o fornecedor oferece um preço de molécula maravilhoso e consegue compensar a diferença dos impostos ou eu não consigo trazer outro supridor”.
Fonte: Epbr
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