Em artigo publicado no portal da agência eixos, os advogados da área da área de Infraestrutura e Energia, Petróleo e Gás do Machado Meyer Advogados, Maria Fernanda Soares e Gabriel de Andrade Cavalcanti, afirmam que
A importação de institutos e conceitos de outras jurisdições sempre foi comum no direito brasileiro, mas os recentes movimentos de globalização intensificaram essa prática. A indústria do gás natural não fica alheia a essa dinâmica. Os principais contratos da cadeia de gás natural foram elaborados a partir do direito anglo-saxão (em inglês, common law), de modo que nem sempre existe equivalência entre suas previsões e as disposições do direito contratual brasileiro. A cláusula de take or pay, amplamente utilizada nos contratos de compra e venda de gás (GSA), é um exemplo disso. Em resumo, take or pay é a obrigação do comprador de pagar por uma quantidade mínima de gás, mesmo que não a retire para uso. O valor desta quantidade mínima é um percentual da Quantidade Diária Contratada (QDC), que costuma variar bastante, até chegar em 100%. Sua periodicidade de apuração usualmente pode ser diária, mensal, trimestral ou anual. Sob a ótica do vendedor, o take or pay assegura um fluxo de caixa previsível, que é utilizado para amortização de investimentos incorridos na infraestrutura de produção e comercialização de gás. Para o comprador, o take or pay assegura a disponibilidade de determinada quantidade de gás a um preço pré-acordado e, em alguns casos, o comprador terá o direito de recuperar tais quantidades pagas e não retiradas de gás.
Natureza jurídica
Apesar de bastante comum, a natureza jurídica do take or pay ainda é discutida. Nas formulações mais usuais no país, essa disposição é construída como uma obrigação alternativa, uma vez que ele concede ao comprador o direito de optar por pagar ou retirar a quantidade mínima de gás acordada com seu vendedor. Há, por outro lado, construções que estruturam o take or pay nos contratos como uma cláusula penal, a partir do conceito de que o seu pagamento decorre do descumprimento de uma verdadeira obrigação da compradora de retirar a quantidade mínima de gás acordada. Não honrando tal obrigação, a compradora ficaria então exposta ao pagamento da penalidade estipulada no contrato. Acontece, porém, que, ao classificar o take or pay como cláusula penal, seu conceito passa a ser de outra natureza, também usual em contratos de compra e venda de gás, qual seja, o chamado take and pay. Nesse caso, o comprador assume os compromissos de retirar e pagar por uma certa quantidade de gás. Dessa maneira, existe uma obrigação financeira (pagamento) associada a uma obrigação física (retirada). Assim, se o comprador deixa de retirar tal quantidade, incorre em verdadeiro descumprimento contratual e fica exposto, portanto, ao pagamento de um valor que consiste em uma multa estipulada na cláusula penal.
Distinção entre take or pay e take and pay
A distinção entre take or pay e take and pay é importante porque consistem em institutos jurídicos diferentes no direito brasileiro: a obrigação alternativa ou a cláusula penal estão sujeitas a regimes jurídicos próprios previstos no Código Civil Brasileiro, com importantes repercussões para as relações contratuais. A cláusula de take or pay não pressupõe a inexecução da obrigação principal. Nesse sentido, o STJ já afirmou que ela “compõe a própria obrigação, já que define o valor a ser pago pela disponibilização de um volume específico de produtos”. O descumprimento do take or pay, assim, não seria deixar de retirar as quantidades de gás previstas no contrato, mas, por exemplo, atrasar o pagamento do valor a que ele se refere. Assim, sua violação costuma resultar na incidência dos encargos moratórios sobre o valor devido. No Brasil, é comum que contratos de gás natural possuam cláusulas de take or pay, enquanto os compromissos de take and pay sejam frequentes nos contratos de fornecimento de biometano. No entanto, é muito comum que a simples leitura do contrato não deixe clara a intenção das partes de estipular uma previsão de take or pay ou take and pay, quando as redações tendem a misturar elementos de cada um desses conceitos. A falta de clareza pode gerar dificuldades de interpretação do contrato e de aplicação adequada do regime jurídico aplicável às obrigações acordadas pelas partes. Por conta disso, as partes envolvidas na negociação de contratos de compra e venda de gás natural ou biometano devem avaliar quais soluções são mais adequadas para seu negócio e, ao chegarem na opção, redigir cláusulas que reflitam adequadamente o que é por elas pretendido para evitar conflitos futuros.
Fonte: Eixos – Maria Fernanda Soares e Gabriel de Andrade Cavalcanti
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