Em artigo publicado pela agência eixos, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirma que
O Brasil é uma potência energética, entre diversos aspectos, principalmente pela abundância e diversidade de seus recursos naturais, sendo a matriz mais limpa e renovável dos países do G20. Entretanto, apesar desses expressivos indicadores, o país possui um dos mais baixos consumos per capita entre esses países, na 19ª posição. O que representa uma enorme oportunidade para investimentos no mercado de energia. O gás natural tem sido apontado como um dos principais energéticos da transição energética, devido à possibilidade de substituir combustíveis fósseis com maior pegada de carbono em diversos setores (por exemplo, industrial, geração de eletricidade e transporte de carga), com poucas modificações necessárias nos equipamentos e processos produtivos, e simultaneamente ser passível de substituição pelo biometano, renovável, sem requerer modificações na infraestrutura e nos equipamentos. Para que o gás natural possa exercer este papel, diversos aprimoramentos vêm sendo feitos no marco legal e regulatório, tratando dos diversos elos da cadeia, desde os anos 90 até o presente, e diversas outras mudanças são vislumbradas pelo mercado de gás para os anos vindouros.
A produção de gás natural no Brasil era realizada exclusivamente pela Petrobras até os anos 1997, quando a Lei do Petróleo (lei 9.478/1997) possibilitou a entrada de novos agentes no mercado, por meio do modelo de concessões. Esta lei também criou o CNPE e a ANP, visando, respectivamente, definir diretrizes e regular os setores de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Embora diversos novos agentes tenham entrado no setor, o gás natural produzido continuava sendo comercializado diretamente para a Petrobras, que o processava, transportava e vendia ao mercado. A primeira Lei do Gás (lei 11.909/2009) foi então publicada, sendo um marco importante no setor de gás natural ao endereçar, pela primeira vez, uma legislação para este combustível de forma específica, separada do petróleo, além de estabelecer a separação entre os transportadores e os agentes dos demais elos da cadeia, e definir o modelo de concessão para a outorga de novos gasodutos. Em 2014, foi publicado pela EPE o primeiro Plano de Expansão da Malha de Transporte Dutoviária (Pemat 2022), que apresentava os estudos referentes à primeira chamada pública para concessão de um gasoduto de transporte no país, o gasoduto Itaboraí/RJ-Guapimirim/RJ. A licitação para a construção do gasoduto, que se seguiu, foi cancelada em 2016 frente à mudança dos condicionantes do projeto. Também, em 2014, a Transportadora de Gás Brasil Central S/A (TGBC) realizou a chamada pública para o gasoduto Brasil-Central, visando angariar demandas para o projeto que conectaria São Carlos (SP) a Brasília (DF), passando por Uberaba (MG), que não resultou na assinatura de contratos de capacidade.
Foi então lançado, em 2016, o programa Gás para Crescer (resolução CNPE 10/2016), que tinha como objetivo avaliar os motivos do insucesso do modelo regulatório vigente, reunindo os principais agentes de todos os elos do setor de gás natural em oito subcomitês temáticos para que apresentassem propostas para aprimoramento do marco legal e regulatório. Por meio dos relatórios publicados em 2017, ficou claro que o modelo de concessão não seria viável para a expansão da malha brasileira de gasodutos, dado que a demanda não seria revelada até que fosse publicada a chamada pública, e esta, por sua vez, não poderia ser corretamente preparada sem os dados de demanda (o dilema do “ovo ou a galinha”). Além disso, foi constatado que a separação (ou unbundling) do transporte não era suficiente para evitar a influência do agente dominante sobre as transportadoras, e que seria necessário o veto à participação societária entre os agentes dos diversos elos da cadeia de gás natural. O decreto 9.616/2018 foi responsável por implementar as mudanças que dependiam somente da alteração na regulamentação da Lei do Gás então vigente, adiantando os aprimoramentos possíveis. Em 2019, foram criados o Comitê de Promoção da Concorrência do Mercado de Gás Natural no Brasil (resolução CNPE 4/2019) e o Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (decreto 9.934/2019), ambos parte do programa Novo Mercado de Gás. Paralelamente, a Petrobras havia assinado junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) referente ao setor de gás natural (TCC-Gás), no qual se comprometendo a realizar a alienação de sua participação societária nas transportadoras (NTS, TAG e TBG) e distribuidoras (via Gaspetro), e se abster de comprar novos volumes de gás natural de outros produtores.
A empresa também vinha redesenhando seu plano de negócios, com maior foco no pré-sal, e realizou diversos desinvestimentos em campos onshore e offshore com as Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) associadas. O programa Novo Mercado de Gás incluiu reuniões com a Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar) e com os órgãos reguladores estaduais ao longo de 2019 e 2020, o que incentivou diversos estados a aprimorarem sua regulação incluindo a previsão para a figura dos consumidores livres, agentes que poderiam adquirir volumes de gás natural diretamente de comercializadores, não fazendo parte do mercado cativo (associado geralmente a pequenos consumidores como os residenciais e comerciais). Sendo assim, estavam definidas todas as condições para a abertura do mercado e para a entrada de novos agentes em diversos elos da cadeia do gás natural: produção, processamento, transporte e distribuição (via desinvestimento Petrobras), comercialização e consumo (via regulação estadual).
A Nova Lei do Gás (14.134/2021), publicada em 8 de abril de 2021, trouxe mudanças significativas em relação à legislação anterior. Seus principais objetivos incluíam a promoção da concorrência, a criação de um mercado mais dinâmico e competitivo, a atração de investimentos e a redução dos custos para os consumidores, conforme já preconizado pelos programas e iniciativas anteriores, porém com um caráter mais perene devido a se tratar de uma alteração legal, trazendo assim maior segurança jurídica e previsibilidade. As principais mudanças incluem o unbundling total do transporte e a formação de sistemas de transporte, com a contratação de capacidade na modalidade de entradas e saídas (facilitando a integração entre fornecedores e clientes localizados em diferentes partes da malha de transporte). Além do regime de autorização para a construção de gasodutos de transporte, com a possibilidade de contestação por outros transportadores interessados; a comercialização do gás natural em pontos virtuais de negociação. Inclui ainda a possibilidade da redução da concentração na oferta de gás natural (gas release); a facilitação do acesso de terceiros à infraestrutura existente; e o estabelecimento de regras acerca das instalações de estocagem subterrânea de gás natural.
Destaca-se o papel fundamental do MME na aprovação da Nova Lei do Gás, bem como na publicação, em tempo recorde, do seu decreto regulamentador (decreto 10.712, de 2 de junho de 2021), e o trabalho da ANP ao publicar novas resoluções e alterar resoluções existentes a fim de adequar o marco regulatório à nova legislação. O lançamento do programa Gás para Empregar (resolução CNPE 1/2023) trouxe uma importante contribuição para o setor ao trazer atenção para a necessidade de aumentar a oferta do gás natural da União no mercado doméstico, avaliando estratégias para a redução da reinjeção em reservatórios. Também trouxe importante destaque para a geração de empregos e renda, o retorno social do setor, a contribuição do gás natural para o desenvolvimento local, e a necessidade de integrar o gás natural à estratégia nacional de transição energética, bem como seu uso na cadeia produtiva de fertilizantes. Além das alterações referentes ao funcionamento do setor, a Nova Lei do Gás trouxe a possibilidade de tratamento regulatório igualitário entre o gás natural fóssil e o biometano, contribuindo ainda mais para a transição energética. A Lei do Combustível do Futuro (lei 14.993/2024) detalhou esta transição ao definir teores obrigatórios de biometano que deverão ser misturados ao gás natural comercializado em todo território nacional, de forma a reduzir as emissões do setor em 1% em 2026, aumentando anualmente até um percentual de redução de 10%. Os resultados do aprimoramento no marco legal e regulatório do gás natural no Brasil já podem ser percebidos na prática. No início de 2020, o Brasil contava com 50 produtores de gás natural, 8 contratos de consumidor livre, 62 carregadores autorizados (4 deles atuando) e 1 comercializador. No final de 2022 (apenas 1 ano após a publicação da lei), o Brasil já tinha 69 produtores de gás natural, 39 contratos de consumidor livre, 116 carregadores autorizados (15 deles atuando) e 11 comercializadores. Em outubro de 2024, existiam 67 produtores, 140 carregadores autorizados, e 215 comercializadores cadastrados na ANP.
Diversas outras importantes iniciativas vêm sendo tomadas para continuar o processo de evolução do mercado nacional de gás natural, além de preparar sólidas bases para a segurança e a transição energética brasileira. O Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten, em tramitação no Senado na forma do projeto de lei 327, de 2021), apresenta uma importante contribuição ao facilitar o acesso às fontes de financiamento para projetos de desenvolvimento sustentável e a aproximação entre instituições financiadores e empresas interessadas em obter os recursos. Dentre as tecnologias que reduzem a emissão de gases do efeito estufa incluídas no Paten, são citados o biometano e o gás natural, aplicados em substituição de fontes com maior emissão de gases do efeito estufa (GEE). Além disso, objetivando promover desconcentração do mercado do gás, espera-se que a ANP continue aprimorando a regulação do setor, de forma a garantir a implementação efetiva das mudanças, em sintonia com o espírito do legislador, expresso no artigo 33 da lei 14.134/21, alinhado com os princípios do Programa Gás para Empregar. Junto às expectativas do Paten e da Lei do Combustível do Futuro, outro importante marco legal, o gás natural finalmente poderá cumprir o seu papel de “combustível da transição”, permitindo segurança energética, competitividade para a indústria brasileira, desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda, de forma que a condução para um futuro com menores emissões ocorra na prática, e não apenas como um ideal distante.
Fonte: Eixos – Bento Albuquerque,
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