A conclusão da revisão tarifária da Sulgás em 2024 marca o primeiro grande revés da Compass, desde que a empresa do grupo Cosan assumiu o controle da distribuidora gaúcha de gás canalizado em 2022. A Agergs, a agência reguladora do Rio Grande do Sul, concluiu na semana passada o processo de revisão tarifária anual da companhia e aprovou um aumento de 7,1% na margem bruta da concessionária a partir de dezembro – revertendo, assim, o reajuste de 62% pleiteado pela empresa. Cabe recurso. A decisão afeta diretamente os cerca de 100 mil consumidores do Rio Grande do Sul, mas a repercussão do caso vai além dos limites da fronteira do estado. A Agergs mudou este ano alguns entendimentos sobre a metodologia de cálculo das margens de distribuição — e que está prevista no contrato de concessão. Acatou assim um pleito da Abrace, que tem se articulado também em outros estados com regras semelhantes, na tentativa de enxugar o que entende ser excessos nas margens das concessionárias – um movimento que tem gerado preocupação entre as distribuidoras de gás.
Um dos pontos mais controversos da decisão da Agergs – e o de maior peso na mitigação do aumento esperado na margem – foi a exclusão dos tributos sobre a renda do cálculo do custo de capital, um dos componentes da margem da concessionária. O pleito foi apresentado pela Abrace e pela Fiergs durante consulta pública e acatado pela Agergs – que em 2023 havia negado o mesmo pedido. A associação dos grandes consumidores (que no Rio Grande do Sul representa interesses de empresas como Gerdau, Braskem e GM) defende que não faz sentido o usuário do serviço público ser responsável pelo custo do imposto pago pela concessionária sobre o lucro por ela auferido. Há precedente no Espírito Santo. A Abrace cita a Lei das Concessões (8.987/1995), federal, que, ao tratar da política tarifária, expressamente segregou o Imposto de Renda dos encargos a serem suportados pelos usuários de serviço público; e a lei estadual 15.648/2021, que prevê que o Imposto de Renda não deve compor a tarifa. A Agergs, por sua vez, citou em nota técnica posicionamento do TCU contrário ao reconhecimento do IRPJ e CSLL na Taxa de Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) – constante das licitações públicas do governo federal que envolvam obras e serviços de engenharia. A Sulgás fala em inovação por parte da agência. O reconhecimento dos impostos em questão está previsto no contrato de concessão.
Na Bahia, a agência reguladora teve um entendimento diferente sobre o pleito da Abrace. Embora a Agerba também reconheça que o Imposto de Renda e a CSLL devam ser excluídos das despesas a serem ressarcidas pela receita tarifária, o regulador entende que as discussões sobre reformulações contratuais devem ser direcionadas ao Poder Concedente. Além da retirada do imposto sobre resultados do cálculo da margem, a Agergs também não reconheceu, como custos operacionais, as despesas com a conversão de clientes (gastos com a instalação de redes dentro da propriedade de terceiros, como estratégia comercial para captação de consumidores); e os custos com capital de giro. E mudou seu entendimento sobre a metodologia de apuração da parcela de ajustes das diferenças entre o projetado e realizado pela concessionária – em resumo, esse valor passou a ser ponderado por 100% do volume distribuído, e não mais 80%. Na prática, com essa alteração, a Sulgás deixou de ter valor a recuperar, relativo ao ano de 2023. Por fim, o Conselho Superior da Agergs reforçou a posição da área técnica, de recomendar ao governo estadual de Eduardo Leite (PSDB) a revisão e adequação do contrato de concessão da Sulgás “ao atual arcabouço legal e normativo regulatório e à realidade do mercado de gás canalizado” no Rio Grande do Sul.
A Sulgás foi privatizada em 2021. Foi a primeira desestatização de uma distribuidora de gás canalizado no século. A Compass pagou R$ 927,8 milhões pela concessionária e assumiu, na ocasião, um compromisso com o governo estadual de investir R$ 300 milhões em cinco anos, para aumentar a cobertura da rede no Rio Grande do Sul. Desde que passou a controlar a Sulgás, no início de 2022, a empresa do grupo Cosan vem aumentando os investimentos ano a ano: os R$ 92 milhões previstos para 2024 representam o dobro do investido em 2021; e o número de clientes conectados cresceu de menos de 70 mil para 100 mil na mesma base de comparação. Junto com a expansão da rede, a margem da Sulgás também vem crescendo ano a ano: entre 2021 e 2024, o aumento é de 77%, o que tem gerado reclamações entre os consumidores quanto à competitividade do gás no estado. Em nota técnica, no processo da revisão tarifária, a Agergs reconheceu que existe hoje um descompasso entre o crescimento dos custos operacionais da Sulgás, nessa expansão, e o aumento do volume de fato distribuído – o que contribui para onerar a margem.
Durante a votação da Revisão Tarifária da Sulgás, no dia 19/11, o head Regulatório da Commit Gás, Lucas Simone, afirmou que outras distribuidoras do país podem ser impactadas pela decisão do regulador gaúcho. A Commit, joint venture entre Compass e Mitsui, detém participação em outras cinco concessionárias: SCGÁS (SC), Compagas (PR), MSGÁS (MS), Necta (SP) e Ceg Rio (RJ). Segundo ele, o reconhecimento dos tributos sobre a renda como custo de capital – e, portanto, como componente da margem bruta – é uma previsão explicitamente prevista no contrato de concessão da Sulgás e de outras concessionárias de gás canalizado. Lucas Simone cobrou segurança jurídica a previsibilidade das regras. E classificou a mudança de metodologia da Agergs como mudanças “muito relevantes e impactantes”. “Não estamos falando de um processo desejável de amadurecimento [regulatório]. Não é uma inovação para o bem”, completou. Em nota, a Abegás manifestou “extrema preocupação” com a decisão da Agergs. A decisão do regulador gaúcho, segundo a associação, “atinge componentes contratuais que afetam a margem legítima da distribuidora e que podem impactar substancialmente o crescimento da infraestrutura de gás” no estado. Também na sessão de terça, o CEO da Sulgás, Marcelo Leite, citou que esta é a 3ª Revisão Tarifária da Sulgás desde que a companhia foi privatizada em 2021 e destacou que o posicionamento técnico da agência está sendo revisitado para “acomodar questões circunstanciais”. “Entendemos que o processo regulatório se aperfeiçoa ao longo do tempo, mas não implica dizer que a cada ano teremos alterações na metodologia pela pressão do momento”, disse. A Agergs aprovou a margem bruta da Sulgás em R$ 0,5014 por m3. A concessionária pleiteava R$ 0,7592 por m3.
A Abrace, por sua vez, tem feito críticas ao crescimento da margem no estado. A associação vê riscos de destruição de demanda no mercado gaúcho e rebate a alegação da Sulgás de que as mudanças mexem com o equilíbrio econômico-financeiro da distribuidora. “O equilíbrio econômico-financeiro é da concessão, não é da concessionária. Nosso pleito é o reequilíbrio da concessão, porque hoje há desequilíbrio em desfavor dos usuários”, disse o diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon, durante a audiência pública do processo. Lorenzon também vê um descompasso entre o ritmo dos investimentos da Sulgás e o crescimento do volume distribuído pela concessionária. E prega prudência nos planos de expansão. “Investir tanto sem para adquirir tão pouco mercado não parece estar fazendo sentido para a concessão”, avaliou.
A Conselheira-Presidente da Agergs, Luciana Luso de Carvalho, por sua vez, defendeu a decisão do regulador. Disse que a mudança é fruto da participação social e que é preciso reconhecer que o contrato da Sulgás passou duas décadas sem uma regulação independente – a agência só passou a regular o contrato de concessão de gás canalizado em 2021, no movimento da privatização do serviço. “É natural o estranhamento e divergências técnicas nesse processo”, afirmou, durante a votação do tema. Ela reconheceu a necessidade de se amadurecer a metodologia da Revisão Tarifária, para que haja mais estabilidade regulatória no processo em 2025. “Não é uma mudança da área técnica, mas uma evolução técnica importante considerando o curto período de regulação”, comentou. A Agergs aprovou, na mesma reunião, a abertura de processo administrativo para definição da metodologia detalhada para as próximas Revisões Tarifárias Ordinárias da Sulgás, bem como a inclusão da Certificação da Base de Ativos da distribuidora na agenda regulatória.
A resolução do regulador gaúcho também determina recomendar ao Poder Concedente a revisão e adequação do contrato de concessão. Durante o processo de Revisão Tarifária da Sulgás, a área técnica da Agergs sugeriu que sejam incorporados, via aditivo, mecanismos que estimulem “a eficiência, a modicidade tarifária e o justo retorno dos investimentos”. Uma discussão parecida, mas em contextos diferentes, com a que ocorre em Sergipe, sobre a possível adequação do contrato da Sergas. Nos dois estados, os reguladores argumentam que os contratos, assinados nos anos 1990, estão desatualizados; que o arcabouço regulatório evoluiu e que mecanismos de eficiência já foram adotados em outras concessões.
Fonte Eixos
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