O saldo da Conta Regulatória das transportadoras de gás natural deveria ser usado, prioritariamente, para ajudar a reduzir as tarifas, na visão dos usuários dos gasodutos. Atores de diferentes elos da cadeia pedem à ANP, no entanto, que os recursos da conta, da ordem de centenas de milhares de reais, sejam revertidos em modicidade tarifária de forma mais rápida que o mecanismo atual. As transportadoras, por sua vez, pedem um regulamento mais claro sobre como deve funcionar a conta, diante da existência de alguns limbos na regulação vigente. O debate sobre o uso da conta foi levantado pela ANP na consulta prévia sobre os critérios de cálculo das tarifas de transporte. Na ocasião, a agência questionou o mercado se o saldo da conta deveria ser usado, prioritariamente, para abatimento da Receita Máxima Permitida; custeio em investimentos; desengargalamentos das infraestruturas etc.
O que é a conta regulatória?
A conta regulatória registra as diferenças entre a receita máxima permitida dos transportadores e a receita efetivamente auferida durante o período tarifário (o ano). É um mecanismo criado para evitar cenários de: subarrecadação: rescisões contratuais por parte de usuário e não cobertas por garantias, por exemplo; sobrearrecadação: valores recebidos pelas transportadoras com produtos de curto prazo, penalidades e excedentes autorizados e não autorizados são adicionados no saldo dessa conta e revertidos em redução tarifária. Até que o tema seja regulamentado pela ANP, o funcionamento da conta segue as disposições de uma nota técnica (veja na íntegra) e o saldo deve ser reconciliado no intervalo de dois anos.
Usuários querem saldo para baixar tarifa
A maioria dos agentes, entre consumidores industriais, distribuidoras e produtores/comercializadores, se posicionou a favor do uso da conta no abatimento das receitas das transportadoras – o que, na prática, pode ajudar a reduzir as tarifas. O Conselho de Usuários (CdU) pediu também que a “devolução” dos recursos, na tarifa, seja mais rápida que o prazo atual de dois anos de reconciliação. A posição é compartilhada também pelos agentes do mercado, individualmente, como a Brava Energia, Eneva, Galp, Shell, MTX Comercializadora, Mitsui, Comgás (SP), Cigás (AM), GBS Storage e GNLink. A Yara Fertilizantes chegou a pedir um prazo de recuperação trimestral, ao citar as contas gráficas da distribuição de gás canalizado como referência. A reconciliação em dois anos, segundo o CdU, provoca uma defasagem grande dos valores da conta regulatória em relação a indicadores econômicos importantes como a Taxa Selic ou as taxas de inflação (publicadas anualmente). E defende que, posteriormente, com mercado mais maduro, a ANP deveria desenvolver mecanismos para a implementação de algum tipo de “gatilho” para repasse imediato para carregadores. A Eneva sugere que os valores pagos pela Petrobras a título de excedentes e penalidades nos contratos legados também sejam incluídos na conta.
Abegás defende repasse direcionado
A Abegás pede uma mudança também na forma como o saldo é distribuído, de forma a direcionar os recursos a quem paga mais penalidades – o principal gerador, hoje, de saldo para a conta. A associação defende que os recursos sejam revertidos em modicidade tarifária de forma concentrada nas zonas de entrada e/ou saída dos respectivos carregadores que pagaram pela penalidade. Os demais componentes que contribuem para os saldos positivos seguiriam sendo repassados de forma coletiva. “Nesse sentido, as penalidades e os encargos deixariam de ser vistos como um fim em si mesmo, mas, sim, um instrumento cabível apenas nos casos de flagrante e reiterada desconformidade dos agentes”, argumenta a Abegás.
Consumidores pedem mais transparência
O Fórum do Gás, por sua vez, sugere que a ANP normatize não apenas as regras para utilização dos saldos, mas também a transparência dos dados, com publicidade de forma padronizada, segregada e de fácil acesso das componentes de receitas e custos – e com periodicidade mensal. A publicação mais frequente do saldo da conta é um pleito do Conselho de Usuários. Hoje, o acesso à informação ocorre quando a tarifa é definida para oferta de capacidade. E os usuários entendem que, com atualizações mais frequentes, os consumidores teriam mais previsibilidade dos custos relativos à infraestrutura.
Conta para investimentos
O uso do saldo da conta para efeitos de modicidade tarifária é a prioridade eleita pela maioria dos agentes ouvidos – o que não quer dizer que o assunto seja uma unanimidade. A Edge propôs uma distribuição do saldo da conta, de forma que metade dele seja utilizado para abatimento da receita; e metade para investimento em infraestrutura. A comercializadora defende que, nesse caso, haja um compromisso de investimento em até 24 meses; e que os recursos sejam preferencialmente utilizados para fomentar a injeção de biometano na malha de transporte. A Edge investe na produção do gás renovável e se prepara para iniciar, este ano, a comercialização do biocombustível. PetroReconcavo e Sulgás pedem, por sua vez, que o saldo da conta seja destinado, prioritariamente, para desengargalamentos das infraestruturas de transporte.
Transportadoras pedem regras mais claras
Entre as transportadoras, a Transportadora Associada de Gás (TAG) e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) concordam que, em casos de choques tarifários, a conta regulatória seja utilizada para estabilização das tarifas de maneira tempestiva. Mas destacam que é fundamental que haja uma definição mais clara sobre a operacionalização do uso da conta – como sua composição, fórmula de reajuste do valor e dinâmica de apresentação que garanta a transparência das informações. A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) também entende que o regulamento precisa ser aprimorado – e que, enquanto isso, o saldo da conta deve continuar sendo usado para abatimento da receita. A NTS cita que, hoje, não há uma uniformidade sobre a composição da conta: a companhia considera, por exemplo, os excedentes autorizados e não autorizados, penalidades e multiplicadores de curto prazo; enquanto a TBG, além desses itens, já considerou a diferença pela revaloração da Base Regulatória de Ativo (BRA) e variação de opex (custos de operação e manutenção) e capex (investimentos). Segundo a transportadora, há diversas possibilidades de diferenças entre o projetado e realizado que não estão contempladas no regulamento. E alega que existe o risco de eficiências na prestação do serviço serem capturadas pela conta – o que desincentiva a prestação eficiente do serviço. Além disso, a companhia defende que a ANP reveja a regra atual que impede aumentos tarifários superiores a 5% em casos de recuperação insuficiente de receita – ou, ao menos, que o regulador limite tanto os aumentos quanto as reduções tarifárias, para não ferir a isonomia. “Tanto o recebimento quanto a devolução dos recursos constituem direitos, respectivamente, das transportadoras ou dos usuários”, cita, em sua contribuição.
TBG e ANP avaliam uso da conta no Gasbol
O uso do saldo da conta regulatória é um assunto em voga no momento. ANP e Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) travam um debate sobre o uso dos recursos da conta para contornar o aumento inesperado nas tarifas do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) no processo da oferta de capacidade para 2025-2029 – suspenso desde o fim do ano passado. A TBG propõe atenuar as tarifas a partir da combinação de duas medidas: o uso de parte do saldo da conta, mais uma mudança pontual na metodologia de cálculo das tarifas. A área técnica da ANP, por sua vez, cogita usar uma parte maior do saldo da conta, sem mudanças na metodologia tarifária vigente. A transportadora vê com ressalvas a propostas. Alega que o uso do saldo da conta acima do montante mínimo de caixa estabelecido pela empresa comprometeria sua liquidez, com impactos na segurança operacional do sistema.
Fonte: Eixos
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