Exemplo de transição energética quando o assunto é geração de combustíveis e energias renováveis, o Brasil encontra no setor de transporte uma nova etapa rumo à descarbonização de setores produtivos cruciais para o desenvolvimento do País. Neste contexto, os veículos pesados – responsáveis por 10% da emissão nacional de CO² – são os principais alvos de iniciativas que miram a substituição de insumos, especialmente, de combustíveis.
Diminuir o uso do diesel por ônibus e caminhões no País é uma meta constante e o acréscimo do biodiesel é a medida mais comum, uma vez que não requer investimentos imediatos dos usuários e reduz a poluição dos veículos – desde agosto, o percentual de biocombustível no diesel é de 15% em território brasileiro, mas, sozinho, o biodiesel tem potencial de ter até 80% menos emissões de CO².
No entanto, nos últimos anos, os caminhos sustentáveis do transporte no Brasil se direcionam para outros dois combustíveis: energia elétrica e gás natural veicular (GNV).
De menor impacto ambiental, ambas as fontes também se projetam com menor custo no mercado, em uma realidade de “hiperconexão”, como define Bruno Vieira Bertoncini, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (DET/UFC).
Ele cita as compras online, sejam itens fabricados em outros países, sejam comprados de restaurantes e farmácias da cidade, que ativam canais de transportes diversos e sinalizam uma “maior dependência das pessoas por transporte”.
Cientes dessas condições, empresas de ônibus e de logística disseram atuar para fazer com que os negócios fiquem mais competitivos ao mesmo tempo que poluem menos.
“O desafio é conciliar sustentabilidade com viabilidade econômica e operacional. A transição energética no Transporte Rodoviário de Cargas ocorrerá de forma gradual e no longo prazo, pois depende de avanços em tecnologia, infraestrutura de abastecimento, manutenção e oferta de veículos”, avalia Lauro Valdivia, assessor técnico da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
Com 35% do custo operacional dependendo dos combustíveis usados pelos caminhões, o setor “vê esses movimentos como tendências irreversíveis e positivas”, mas que “o processo de renovação da frota com foco em sustentabilidade ocorre de forma pontual e ainda incipiente, geralmente em grandes centros urbanos e em empresas com maior capacidade de investimento”.
Valdivia observa ainda que “o principal gargalo é, de fato, o alto custo de aquisição dos novos veículos e a falta de infraestrutura adequada para abastecimento e manutenção”. “Embora existam linhas de crédito e programas de financiamento, eles ainda são limitados e de difícil acesso, especialmente para pequenas e médias transportadoras, que representam a maioria do setor”, diz.
Desafios do transporte público urbano
Dificuldades que o setor de transporte público tem vivido com mais intensidade desde a pandemia de covid-19, como conta Marcos Bicalho, diretor de Gestão da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
Para a operação dos ônibus, conta, o peso do combustível é de 20% sobre as passagens dos usuários e os incentivos que o setor recebe hoje, especialmente para assegurar as tarifas zero – parciais ou integrais -, ainda não garantem a troca da frota em um tempo apropriado.
“Nós estamos trabalhando com uma idade média de 6 anos e 5 meses nas frotas. Para retornar para uma idade de 5 anos, vamos precisar fazer, praticamente, o dobro da renovação. Ou seja, em três anos, precisaríamos de uma renovação da ordem de 20 mil ônibus por ano”, calcula.
Assim como no segmento de cargas, o de transporte encontra iniciativas pontuais no Brasil de renovação dos veículos com foco no combustível, como ocorre em São Paulo, com modelos elétricos, e em Goiânia, com GNV, de acordo com Bicalho.
Os dois representantes de associações de transportes pesados apontam ainda a adequação dos veículos para mercados onde o acesso a esses dois combustíveis seja mais facilitado ou, como senso técnico comum, energia elétrica para curtas distâncias e GNV para as longas rotas.
Mas, até hoje, o GNV tem sido a opção mais recorrente no mercado. Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) indicam que existem 943 ônibus elétricos em operação no País, enquanto a Abegás calcula 2,5 mil veículos, entre ônibus e caminhões, movidos a GNV no País.
“A rede de distribuição da Abegás possui 47.000 km e 1.700 postos com infraestrutura para GNV. Há 120 postos em corredores logísticos preparados para atender veículos pesados com alta vazão. Há um projeto para integrar o Nordeste ao Sudeste, com uma infraestrutura de postos com abastecimento de alta vazão no Sul do Bahia, formando um corredor logístico a gás do Rio Grande do Sul até Fortaleza, no Ceará”, explica Gustavo Galiazzi, gerente técnico da Abegás, sobre o porquê da maior frota.
CEGÁS injeta 100 mil metros cúbicos de gás na rede
No Ceará, acrescenta ele, os objetivos ambientais ainda são mais vantajosos, uma vez que a CEGÁS injeta 100 mil metros cúbicos de gás na rede, dos quais 15% é biometano vindo da usina GNR Fortaleza.
Mas essa disputa entre GNV e eletrificados ainda deve permanecer por 5 a 10 anos, projeta Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes. O tempo, estima, é o de toda a cadeia produtiva de transportes mensurar os gastos operacionais de cada opção do mercado e indicar qual realmente faz sentido investir.
Com apenas duas montadoras atuando no setor no Brasil com maior intensidade – Scania e Iveco -, gargalos de distribuição de energia em todo o País e uma rede de gás natural que ainda não chega no interior brasileiro, Quintella explica a cautela e as projeções de longo prazo citadas pelos setores.
“É uma questão de começar a coleta de dados, ter informações importantes e públicas confiáveis para que os estudos possam ser feitos”, arremata.
GNV demonstra maior potencial no Ceará
As tendências nacionais que apontam a eletricidade como mais conveniente ao transporte de passageiros, enquanto o GNV seria mais adequado ao de cargas, não são observadas no mercado cearense, onde o gás tem maior potencial de adoção.
Dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) atestam a falta de ônibus elétricos e a gás natural no Ceará. Já os caminhões contam com um projeto-piloto em curso e dois postos aptos para o abastecimento desses veículos.
O Grupo Marquise, acionista da GNR Fortaleza, assinou um contrato com a Scania para a compra de três caminhões em novembro do ano passado para a EcoFor e a EcoOsasco, que incluía ainda a entrega de mais 18 unidades ao longo de 2025.
Usados na coleta de resíduos, os modelos P 280 XT podem receber tanto gás natural comprimido quanto biometano em qualquer proporção, e entregam uma capacidade de armazenagem, em oito cilindros, de até 230 metros cúbicos.
A medida do Grupo, juntamente com uma crise deflagrada no setor de ônibus desde a pandemia, mostrou uma oportunidade para a CEGÁS ampliar o serviço a este segmento – o qual corresponde a 22,31% dos cerca de 579 mil metros cúbicos lançados na rede do Estado. A empresa mira atender os transportes de cargas e de passageiros e conta com tratativas com empresas e órgãos públicos desde o início do ano.
Hoje, a CEGÁS atende 14 municípios – 11 com rede canalizada e 3 com caminhões -, nos quais estende 720 km de rede e cerca de 60 postos com GNV em Fortaleza e Região Metropolitana. Com esta estrutura e um orçamento estimado em R$ 47 milhões para 2025, a Companhia investe para ganhar mais mercado.
Uma das medidas é a formação do corredor sustentável da rodovia BR-116, no qual uma rede de atendimento deve ser montada a exemplo do feito na BR-101. A meta é atender caminhões movidos a GNV nas rotas que servem o Complexo do Pecém.
“Para nós, dos postos de combustíveis, o GNV é mais adequado. O posto está bem mais estruturado para receber os equipamentos de gás do que os elétricos e a CEGÁS vem trabalhando forte para isso”, afirmou Antônio José Costa, assessor econômico do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Ceará (Sindipostos-CE).
Segundo ele, há consultas da Companhia com o Sindipostos para adequação de postos no Cariri até o fim de 2025. Segundo ele, a ideia é levar o GNV de forma líquida em caminhões até a região e fazer o processo de regaseificação ao chegar no destino.
Já corredores para o abastecimento de veículos elétricos ainda estão em desenvolvimento e enfrentam gargalos de infraestrutura e regulamentação, de acordo com ele. Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) indicam que o Ceará conta com 592 eletropostos, cuja maioria está localizada em shopping centers, condomínios ou mesmo casas.
“E o grande problema que estamos enfrentando no carro elétrico é a regulamentação do abastecimento. Não existe ainda uma reformulação disso na área de carro elétrico. Os bombeiros de São Paulo e do Ceará estão atuando nisso, mas o carregamento em subsolo e demais locais sem regulamentação definida traz riscos de segurança”, observou.
Quanto à estrutura de rede elétrica para isso, Antonio José conta que o objetivo é ter os trechos entre Fortaleza e Jericoacoara, via CE-085, e Fortaleza-Cariri, via BR-116, com rede elétrica capaz de suportar carregadores nos postos de combustíveis. Mas a realização ainda depende de uma decisão de investimento da Enel que deve ser tomada até o fim deste ano.
Táxis dão exemplo na transição energética
A trilha que caminhões e ônibus desbravam na busca por uma sustentabilidade econômica – em tempos de urgência para o meio ambiente – tem similar apenas na trajetória dos táxis no Brasil. Estimados em cerca de 600 mil profissionais e 300 mil veículos, eles passaram por duas grandes fases de estímulo à mudança.
O primeiro completa 50 anos em 2025 e se trata do Proálcool. Na época, o País saía da crise do petróleo de 1973 e queria diminuir a dependência de combustíveis internacionais a partir da invenção genuinamente brasileira: o etanol. Para isso, estimulou a produção de veículos do tipo na indústria automotiva e, em sequência, a adoção desses carros pelos taxistas.
“Mas, depois, o Governo abandonou o programa e o álcool ficou mais caro que a gasolina, impraticável para a gente”, relembra Francisco Moura, presidente do Sindicato dos Taxistas Profissionais do Ceará (Sinditáxi-CE).
Pela regra da indústria, o litro do etanol precisa custar menos de 70% do preço do litro da gasolina para ser economicamente viável, especialmente para quem trabalha no transporte de passageiros.
Como alternativa mais sustentável para os táxis, o Governo Federal encampou outra fase de transição focada nos combustíveis. Desta vez, o estímulo era para a adoção do gás natural veicular (GNV), mas o gatilho era o mesmo: crise no preço do petróleo na década de 1980.
Projetos-piloto no transporte público e de cargas fizeram parte da investida a partir dos anos 90, mas apenas os táxis obtiveram sucesso. No Ceará, conta Moura, 70% da frota de cerca de 7 mil veículos tem kits GNV instalados. É a maior proporção entre as categorias, vide que os ônibus não tiveram adesão e as cargas iniciam esse movimento com maior volume na última década. Mas também têm gargalos.
“Olha o preço do m³… O valor para fazer a conversão do carro não sai por menos de R$ 6 mil e ainda tem as taxas anuais de vistoria que vão mais R$ 400”, calcula o presidente do Sinditáxi Ceará.
Custos que comprometem a competitividade do gás natural no segmento. Mas estudos indicam que o GNV pode ser até 48% mais econômico que a gasolina e até 44% mais que o etanol, com preços mais competitivos. A última pesquisa da Agência Nacional do Petróleo indica que, no Ceará, o preço médio do litro da gasolina comum sai por R$ 6,29 e o do etanol por R$ 4,94, enquanto o GNV custa R$ 5,15 por m³.
O preço, a rede de distribuição das regiões metropolitanas e, principalmente, a solidez do mercado que proporciona menor variação tornam o GNV mais competitivo, segundo aponta Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes.
Uma nova onda de estímulo a esses veículos ocorre com a aprovação de isenção do Imposto Sobre Produto Industrializado para os taxistas, mas o desconhecimento sobre a nova tecnologia, o medo de desvalorização na revenda e o tempo médio de abastecimento afetam o negócio para os taxistas e demais usuários.
Fonte: O Povo (CE)
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