As distribuidoras de gás canalizado esperam reduzir a dependência da Petrobras a medida em que a abertura do mercado brasileiro se consolide. No Nordeste, as concessionárias locais se preparam para lançar ainda neste ano uma nova chamada pública conjunta, de olho na janela aberta pela entrada de novos agentes, seja na produção de campos maduros terrestres, seja na importação de gás natural liquefeito (GNL). As pretensões, contudo, podem esbarrar nas dificuldades dos fornecedores em acessar a infraestrutura.
Atualmente, a Petrobras é a única fornecedora relevante para as distribuidoras, que têm pressa na busca por fontes alternativas e melhores preços. A maioria das concessionárias do Nordeste tem contrato com a estatal até o fim de 2021, o que exige negociações com novos agentes desde já.
Para os novos atores do mercado de gás o Nordeste é visto como uma possível porta de entrada, uma vez que, no Centro-Sul, as distribuidoras têm contratos mais dilatados com a Petrobras, até o fim de 2023 em geral. O Valor apurou, contudo, que algumas das empresas do Sul também estão de olho nas oportunidades e se preparam para tentar novas chamadas públicas, para reforçar o suprimento.
A ideia de uma chamada pública coordenada é dar escala à contratação – algumas das empresas do Nordeste movem volumes inferiores a 1% do mercado. Juntas, elas representam cerca de 10% do volume de vendas do Brasil no primeiro semestre – desconsiderada a Bahiagás, que tenta emplacar uma chamada individual.
Em 2019, as distribuidoras locais fizeram um primeiro teste, frustrado. Poucas empresas – como a Golar e Shell – chegaram a apresentar propostas, mas, na prática, a única que conseguiu avançar nas negociações foi a própria Petrobras, dada as dificuldades dos concorrentes de acesso à infraestrutura.
“A chamada escancarou os gargalos, o aprendizado foi útil”, explicou o presidente da Cegás (CE), Hugo Figueirêdo. “A expectativa é que até lá [fim de 2021] uma série de questões discutidas no âmbito infralegal e legal [sobre o acesso de terceiros à infraestrutura] possa ter sido implementada”, disse.
Para que novos fornecedores entrem no jogo, porém, Figueirêdo afirma que é preciso que as transportadoras avancem com a oferta da capacidade disponível dos gasodutos. “Não sei se será possível até o fim de 2021 termos acesso à capacidade de transporte com tarifas já definidas”, disse.
No Nordeste, a malha de gasodutos é operada pela Transportadora Associada de Gás (TAG), que mantém conversas com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e Petrobras para definir a real capacidade disponível dos seus gasodutos, a fim de ofertá-la em 2021.
Além dos novos produtores terrestres, a Cegás aposta também no biometano produzido em aterros sanitários – 17% do gás distribuído pela empresa vem dessa fonte.
As distribuidoras acompanham, ainda, as oportunidades de importação de GNL, em meio ao processo de arrendamento do terminal da Petrobras na Bahia. BP, Shell, Total, Repsol, Golar, Excelerate, Naturgy, Compass, Eneva e Bahiagás disputam o ativo.
Apesar dos obstáculos, a presidente da Potigás (RN), Larissa Dantas, está confiante na queda nos preços para as distribuidoras. A expectativa, segundo ela, é que a competição reduza os custos de compra em até 35% em relação aos preços da Petrobras. “Uma tarifa de gás mais competitiva traz oportunidades imensas para o Estado”, comenta a executiva, que mantém conversas com supridores de GNL e produtores nacionais como a 3R Petroleum e Petrorecôncavo – com a qual tem um memorando de entendimentos.
A Petrorecôncavo opera o Polo Riacho da Forquilha (RN), depois de comprá-lo da Petrobras por US$ 356,3 milhões. O presidente da petroleira, Marcelo Magalhães, afirma que tem condições de cobrar entre US$ 4 e US$ 4,5 o milhão de BTU (unidade térmica britânica) pela molécula. Para efeitos de comparação, a Petrobras começou o ano vendendo o gás a US$ 7 o milhão de BTU, mas hoje esse valor é inferior a US$ 5 o milhão de BTU, devido à desvalorização do petróleo, ao qual o gás está indexado.
Magalhães se queixa dos entraves que dificultam novos contratos. “Havia a expectativa de que as negociações para acesso de terceiros à infraestrutura sairiam este ano, mas ainda não conseguimos evoluir muito nas negociações”, disse o executivo.
A Petrobras se comprometeu junto ao Cade a abrir suas UPGNs – acesso que será obrigatório com a Nova Lei do Gás, em tramitação no Senado. Procurada, a Petrobras esclareceu que está comprometida com a abertura e com os compromissos assumidos e que já publicou minuta de contrato de processamento para 13 empresas que manifestaram interesse no acesso.
A Petrorecôncavo vende hoje o seu gás para a Petrobras a preços baixos e, por isso, produz abaixo da capacidade, para poupar reservas. A infraestrutura da estatal em Guamaré (RN) foi colocada à venda, mas a expectativa é que o desinvestimento leve cerca de 18 meses. O governo local pediu à Petrobras que permita o acesso antes do negócio. A estatal alega que está vendendo a UPGN “exatamente no sentido de contribuir cada vez mais para que outros ‘players’ possam entrar e atuar no mercado”.
Enquanto isso, o presidente da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, acredita que só haverá espaço para contratos mais relevantes de suprimento a partir de 2022. “Mas é preciso começar a construir as negociações. As distribuidoras terão um papel importante neste novo momento do mercado, porque são grandes contratantes”, explica.
O advogado Felipe Feres, sócio do escritório Mattos Filho, por sua vez, destaca que a Nova Lei do Gás traz a segurança jurídica para destravar o setor. “Vamos ver em breve novos acordos [de fornecimento], tanto com distribuidoras quanto consumidores livres”, afirma.
Fonte: Valor Econômico
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