
Tenho mais de 20 anos de carreira, mas a Engenharia sempre esteve ao meu redor. Meus avôs eram práticos em elétrica, eletrônica e edificações. Meus pais se conheceram na faculdade de Engenharia Elétrica.
Finalmente, meu irmão é técnico em eletrônica. E sempre gostei de desmontar as coisas para saber como elas funcionavam. Então, nunca me ocorreu estudar outra coisa.
Quando chegou o vestibular, a Engenharia me pareceu a escolha certa. E a Mecânica se mostrou a especialidade que me faz feliz. Minha turma tinha exatos 10% de mulheres. Éramos 12 alunas entre os 120 alunos nas cinco especialidades (Mecânica, Aeronáutica, Elétrica, Computação e Infraestrutura). E esta era a mesma proporção dentro do Instituto Tecnológico de Aeronáutica naquela época. Mas não esperava encontrar um ambiente diferente, considerando-se que se tratava de uma universidade militar de engenharia.
Logo que saí da faculdade fui trabalhar com manutenção em uma empresa do setor siderúrgico. Encontrei um ambiente desafiador, tanto por ser mulher como por ser muito nova. Porém, como já vinha do meio militar, onde o machismo não se preocupa em ser velado, eu acredito que já tinha criado uma armadura capaz de aguentar o preconceito e os desafios que me foram impostos.
Várias vezes me deparei com o preconceito por ser mulher, por ser nordestina e por ser jovem. O pior é quando todos eles vêm junto. Como lidar? Eu diria que primeiro se tenta pela via da conversa explicando como tal atitude é inadequada, quando isso não resolve temos que ser firmes, diretas e dobrá-los mostrando um trabalho excepcional, deixando claro que eles seriam incapazes de fazer algo no mesmo nível de qualidade. Se ainda assim a situação continua, seria a hora de envolver os superiores, ouvidores, conselho de ética e, em casos extremos, a polícia. Infelizmente, ainda existem no mundo pessoas que só vão se dobrar a lhe tratar corretamente quando tiverem diante de autoridades.
Entrei na Copergás em outubro de 2012. Foi uma feliz coincidência: em janeiro daquele ano, tinha pedido demissão e resolvido tirar um ano sabático. Naquele momento, a carreira não era o meu foco. Queria simplesmente viver. Portanto quando recebi a convocação da Copergás, depois de ser aprovada em concurso público, não tinha grandes expectativas nem planos profissionais. Apenas o desejo de entregar algo para a sociedade.
O que me atraía era a chance de continuar exercendo a engenharia num ambiente menos estressante do que antes. Tinha muita confiança. Estudo muito os processos e procuro entender bem a técnica sob minha responsabilidade. E foi muito bom contar com a contribuição da equipe. Ao longo de minha carreira, aprendi que não adianta saber o que precisa ser feito, ter a melhor técnica ou conhecer as melhores máquinas e processos se não estivermos alinhados como equipe e como instituição. As pessoas é que fazem qualquer serviço dar certo ou errado.
Desde que entrei já realizei serviços para vários setores da Copergás. Gerenciei equipe, já fui responsável pela implementação de um projeto estratégico e muitas oportunidades e desafios me foram proporcionados pela companhia. Hoje, creio ter consolidado minha posição de uma boa engenheira e vejo o reconhecimento do meu trabalho por vários colegas de trabalho. Isso é sempre agradável.
Nesse período, os projetos mais marcantes na Copergás foram a implementação do Manual de Ativos Patrimoniais, que me fez sair um pouco da engenharia para entender de contabilidade, almoxarifado e como as atividades da manutenção e engenharia podem impactar positiva e negativamente no valor da empresa. Mas o que mais me modificou foi a gestão da equipe de manutenção, pois foi um período de um ano e meio eu tive que conhecer bem cada um dos funcionários, entender suas motivações, angústias e expectativas para tentar administrar os conflitos, ambições e trabalhos no meio de grandes mudanças tanto no processo de trabalho da companhia como na liderança acima de mim. Além disso, foi com esta equipe que eu me deparei com o desafio de chefiar uma mulher pela primeira vez.
Embora eu seja a única engenheira na companhia, esse fato não é relevante no dia a dia. Mas, refletindo sobre o assunto, eu acho uma pena. Certamente, a presença de mais mulheres na área operacional traria mudanças significativas nas relações dentro da empresa. Além de muitos estudiosos afirmarem que as mulheres, principalmente em situações de liderança, são mais atenciosas ao ambiente de trabalho e no clima organizacional. Pela minha experiência anterior, sei que ambientes com maior presença feminina são menos estressantes, há menos “puxadas de tapete” e há uma maior percepção sobre as funções e atividades nas quais cada profissional pode produzir melhores resultados.
Nas nossas atividades, temos muitos contatos externos e, de um modo geral, nós, mulheres, precisamos muitas vezes ser firmes para impedir que sejamos menosprezadas e diminuídas só pelo fato de ser mulher, ou seja, ter uma atenção aos poucos homens que eventualmente não saibam se comportar adequadamente no ambiente profissional. Mas, por outro lado, também há situações em que há uma superproteção, uma atenção exagerada que, no meu ponto de vista, também precisa ser combatida.
No ambiente profissional, de uma maneira mais ampla, entendo que todos precisamos ser avaliados e tratados pelo nosso trabalho e nossas atitudes profissionais. Homens e mulheres devem ter os mesmos tratamento e regras. É claro que existem homens que entendem e percebem essas atitudes inaceitáveis da parte de outros homens e nos ajudam nesta batalha. Mas também existem mulheres que são tão ou mais preconceituosas. Eu gostaria muito de poder dizer que nunca passei ou que nunca mais vou passar por situações constrangedoras. Mas nenhuma delas me fez desistir daquilo que faço.
Acredito que, sim, podemos mudar a forma de pensar de várias pessoas sobre este e outros preconceitos, mas não sou ingênua de acreditar que podemos mudar a todos.
No mundo, ainda falta muito para que as sociedades mudem e tenhamos plena equidade. Em alguns países falta mais, em outros menos. No Brasil, acho que houve um retrocesso. O País precisa evoluir em educação da população e, principalmente, em garantir que sejam garantidos os direitos básicos à vida e à proteção das mulheres contra seus agressores. Quanto ao reconhecimento, à equiparação salarial e de oportunidades, isso precisará ser adquirido por meio da batalha diária das mulheres.
O mercado de gás no Brasil ainda tem muitas localidades para atingir. Precisamos interiorizar o fornecimento e atingir as várias regiões de forma mais igual. Mas, para atrair os investimentos necessários para tal crescimento, precisamos de um arcabouço jurídico e regulamentação que dê segurança para os novos entrantes no sistema. vejo que temos muito a aprender com a organização do sistema elétrico, com o fim do monopólio da Petrobras, é crucial que tenhamos a interligação das redes estaduais e que sejam criadas figuras semelhantes ao ONS e a CCEE existentes no sistema elétrico. Além disso, eu creio ser de suma importância o fortalecimento do setor de gás dentro da ANP.
Para o futuro, o que me move e me entusiasma é continuar sempre aprendendo novas tecnologias, processos e habilidades que me permitam continuar a contribuir com o crescimento do nosso país.
* Natália Frazão, 39 anos, nascida e criada no Recife. É formada em Engenharia Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá. Tem MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).