O lobby no Congresso Nacional para colocar usinas térmicas movidas a gás natural na base do sistema elétrico, independentemente do preço, foi reativado com força na tramitação da medida provisória que autoriza o governo a privatizar a Eletrobras.
Esse plano prevê a interiorização de gasodutos bilionários e a construção de térmicas chamadas de “inflexíveis” – que quase nunca desligam – em Estados onde hoje o insumo praticamente não chega. Os defensores da ideia alegam que é preciso reforçar a segurança energética local e usam o apagão no Amapá, que em novembro passou 22 dias no escuro, como exemplo da necessidade de erguer novas usinas.
Para saírem do papel, no entanto, esses dutos precisarão de pesados subsídios. Em várias ocasiões anteriores, como no projeto de lei de repactuação do risco hidrológico ou no novo marco legal do gás, parlamentares tentaram emplacar o plano.
Segundo diversas fontes da iniciativa privada e do próprio governo, um dos principais interessados é o empresário Carlos Suarez, que fundou a construtora OAS com outros dois sócios. Suas empresas já detêm autorizações – todas anteriores à antiga Lei do Gás de 2009 – para quase cinco mil quilômetros de novos dutos.
A Abegás tem defendido abertamente o impulso à ampliação das redes. Suarez também tem participação acionária em oito distribuidoras estaduais – entre elas a de Goiás, de Rondônia, de Brasília e do Maranhão – que poderiam se beneficiar com isso.
O deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da MP da Eletrobras, ressuscitou o assunto das térmicas inflexíveis em seu parecer preliminar. A importância dada ao tema por Elmar ficou clara na exposição informal que ele fez, na terça-feira, a líderes dos partidos da base do governo.
Na apresentação, o deputado dedicou três slides especificamente para defender o estímulo aos gasodutos e às térmicas movidas pelo combustível. Embora esse ponto não estivesse no texto original da MP, ganhou mais espaço na apresentação de Elmar do que qualquer outra mudança.
Antes mesmo de ter sido designado relator, no prazo regimental para emendas parlamentares à MP, ele já havia protocolado sugestão nessa linha. Desta vez, disse Elmar, os ministérios da Economia e de Minas e Energia concordaram com a iniciativa. Ele espera, assim, viabilizar a contratação de cerca de seis mil megawatts (MW) de energia em térmicas inflexíveis a gás e frisa que isso se tornou fundamental para aliviar a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas.
“Hoje tem necessidade de contratar 12 mil MW para o país não entrar em racionamento se a economia crescer. Eu coloquei a substituição de seis mil MW das térmicas de óleo diesel, que são mais caras, pelas de gás”, afirmou Elmar.
Pelo parecer, os gasodutos seriam bancados com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo que recai sobre todos os consumidores e encarece as tarifas de energia.
Para alimentar a CDE, Elmar propôs usar o superávit financeiro da usina binacional de Itaipu, que termina de pagar seus empréstimos em 2023. Depois disso, fica com mais da metade de suas atuais receitas livres para outras utilizações. Para os críticos, entretanto, engessar os recursos de Itaipu pelas próximas décadas é uma decisão estratégica demais para ser tomada por meio de uma emenda e sem discussões mais profundas.
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro vetou artigo incluído pelo Congresso em projeto de lei para criar o Brasduto, fundo que bancaria a construção de gasodutos com royalties do pré-sal.
Nos bastidores, fontes graduadas do governo afirmam que não apoiam a proposta de Elmar. Não há nada contra a contratação de mais térmicas a gás, mas eles são desfavoráveis a gasodutos bilionários e altamente subsidiados cruzando o país para viabilizá-los.
A reclamação da indústria é mais eloquente. O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, diz que já houve dez tentativas de emplacar esse plano em medidas provisórias ou projetos de lei.
“Ninguém é contras as térmicas por si só. Se a térmica inflexível for na saída do gasoduto de escoamento, no litoral de São Paulo ou de Rio de Janeiro, ela pode até mostrar-se viável. Mas por mérito, não por mágica”, observa Pedrosa.
Para o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, levar gasodutos até mercados de menor tamanho não faz sentido econômico, além de haver opções menos onerosas para garantir a segurança energética local, como fontes renováveis ou até mais linhas de transmissão.
“Térmicas a gás inflexíveis de fato enchem reservatório, da mesma forma que usinas a biomassa de cana, eólicas e solares. O sistema tem um preço máximo que topa pagar por essa inflexibilidade, dadas as alternativas, e esse deve ser o cerne da discussão, sob o risco de pressionar tarifas já nas nuvens”.
Fonte: Valor Econômico