Na semana passada foi publicado o Decreto nº 10.712/2021, o decreto regulamentador da Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134, de 8 de abril de 2021), que trata das atividades relativas ao transporte de gás natural, escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.
Um dos pontos de destaque do Decreto se refere aos conflitos existentes entre a regulação expedida em âmbito federal e aquela aprovada pelos entes estaduais, alguns deles judicializados em discussões morosas (e.g. leading case referente ao “Projeto Gemini”, que tramita junto ao Supremo Tribunal Federal – STF – ACO 3.269 – SP). É nítido que o Decreto buscou encontrar um ponto de equilíbrio com vistas a evitar uma nova onda de questionamentos.
De modo a atender ao pleito dos Estados, o Decreto estabelece que a conexão direta entre instalação de transporte e usuário final de gás natural poderá ser realizada quando permitida pela norma estadual aplicável.
Além disso, restou preservada a classificação dos gasodutos destinados à movimentação de gás natural, cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP, que, em 9 de abril de 2021, estavam em implantação (i.e. já aprovados em decisões de órgãos competentes) ou em operação.
Sobre esse tema, o Decreto também previu que, ainda que atendidos os referidos critérios técnicos para a classificação dos gasodutos, a ANP poderá, em caráter excepcional, deixar de classificar determinado gasoduto como gasoduto de transporte, desde que não implique potencial impacto ou conflito com estudos de planejamento e com os planos coordenados de desenvolvimento do sistema de transporte, existentes ou em elaboração, e a influência do projeto esteja restrita ao interesse local.
Outro ponto de destaque do Decreto busca mitigar o risco decorrente da falta de uniformização de critérios existentes nos diversos regulamentos estaduais e, ainda, de certos vácuos regulatórios. Nessa linha, o Decreto regulamentou o artigo 45 da Nova Lei do Gás, prevendo que o MME e a ANP deverão se articular com os Estados e o Distrito Federal para a harmonização e o aperfeiçoamento das normas atinentes à indústria de gás natural, inclusive no que se refere à regulação do consumidor livre, com foco no desenvolvimento do mercado de gás natural no País.
Para tanto, o Decreto indica que poderão ser formadas redes de conhecimento coordenadas pelo MME e integradas por representantes dos entes federativos, da indústria do gás natural e de especialistas do setor, com o objetivo de gerar, compartilhar e disseminar conhecimento e experiências relativos às políticas energéticas e da regulação da indústria do gás natural e formular propostas de padrões, políticas, guias e manuais.
Além disso, o Decreto estabeleceu que a ANP poderá propor diretrizes para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado. Nesse caso, em estrita observância à Constituição Federal, a adesão pelos estados e o Distrito Federal será voluntária, podendo ser registrada por meio do chamado “Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural”, um instrumento de articulação que ainda será discutido pelo Governo Federal em colaboração com os Estados e o Distrito Federal.
Não há dúvidas de que a regulamentação poderia ter contemplado incentivos mais contundentes à harmonização das regulamentações em âmbito federal e estaduais sem desrespeitar a divisão de competências prevista na Constituição Federal (como foi feito no setor de saneamento básico, por exemplo). Não obstante isso, não se pode perder de vista que foi dado um passo importante ao se prever explicitamente a necessária colaboração entre MME, ANP, Estados e Distrito Federal por meio do Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural.
O caminho ainda é longo, mas espera-se que esse passo seja mais um indicativo positivo para atrair, desde já, mais investimentos para o setor. Espera-se, ainda, que os Estados e o Distrito Federal levem em consideração que a adesão ao referido Pacto é imprescindível para que se proporcione segurança jurídica para os potenciais interessados e tomem medidas concretas para, na maior brevidade possível, adotar as melhores práticas da indústria que deverão estar refletidas nas diretrizes a serem propostas pela ANP.
Fonte: EnergiaHoje – Mariana Saragoça
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