O chamado Novo Mercado de Gás completa dois anos sem que, até agora, tenhamos visto uma abertura efetiva das relações de compra e venda da molécula de gás natural.
No tabuleiro, o jogo ainda está travado — e a analogia com o xadrez não poderia ser mais apropriada quando analisamos os dois anos do TCC, firmado entre a Petrobras e o Cade.
Assinado em julho de 2019, o compromisso, sem dúvida, segue sendo o ato mais relevante da abertura do mercado, dando um pouco mais de materialidade a duas resoluções do CNPE: a de nº 4/2019, que criou o Comitê Interministerial para promover a concorrência no mercado; e a de nº 16/2019, que estabeleceu diretrizes e aperfeiçoamentos para essa livre concorrência.
Quando surgiu, o TCC estabeleceu uma agenda de desinvestimentos da Petrobras, bem como o acesso de outros agentes às infraestruturas existentes. Os efeitos práticos, no entanto, ainda são frustrantes quando analisamos o que de fato mudou na dinâmica do setor.
E o motivo é justamente os movimentos de enxadrista da Petrobras. Como um grande mestre, a companhia prevê o jogo com vários movimentos de antecedência — afinal, essa é uma cadeia que ela controla há décadas.
Como indústria de rede, a cadeia produtiva funciona com ações coordenadas. Qualquer descompasso em um dos elos atrasa a abertura em outros. E o que temos visto são movimentos pouco assertivos para acelerar a abertura do jogo.
Um reflexo disso está nas chamadas para aquisição de gás natural pelas distribuidoras, tanto no Nordeste como no Centro-Sul.
Os resultados iniciais revelam o imenso interesse de outros agentes no processo de abertura.
No Nordeste, a chamada atraiu 24 propostas de nove participantes entre produtores e comercializadores: Oncorp, Total, PetroReconcavo, Shell, Golar, Compass, Potiguar EP e EBrasil, além da própria Petrobras.
No Centro-Sul, além da Petrobras, também surgiram propostas da Shell, GasBridge, Trafigura, EBrasil, Compass, New Fortões, Nimofast e Tradener, e ainda de dois produtores de biometano (CRVR e Cocal).
No entanto, as propostas sempre têm condicionantes que esbarram na velocidade da abertura do mercado. O controle do jogo, e do timing, ainda está com a Petrobras.
Outro exemplo é o arrendamento do Terminal de Regaseificação da Baía de Todos os Santos. O andamento do processo é decepcionante — primeiramente com um cancelamento da licitação, depois com uma desclassificação da única proponente.
Mas um dos pontos que deveria receber mais atenção, especialmente da ANP, é o acesso de terceiros às infraestruturas, principalmente os campos de Exploração & Produção. Os produtores privados ainda têm barreiras para utilizar os sistemas de escoamento de gás.
O efeito prático é o aumento da reinjeção de gás. Em média, nos cinco meses iniciais deste ano, a reinjeção foi de 59,443 milhões de metros cúbicos/dia, com capacidade para escoar até 18 milhões de metros cúbicos/dia, ainda tem data para entrar em operação.
Esse volume poderia contribuir para ampliar a oferta de gás natural em um momento de crise hídrica que ameaça o Brasil até mesmo de um racionamento.
Com o represamento desse potencial, e sobretudo a falta de novos ofertantes nos citygate, o que vemos é um mercado consumidor à mercê.
Sem gás novo, sem concorrência, a molécula chega a preços pouco competitivos. Um reflexo disso é o recente anúncio de reajuste na molécula de gás, com aplicação de 7% a partir de agosto.
Já são 48% de reajuste somente em seis meses, o que vai na direção totalmente oposta à expectativa gerada em 2019, quando foi lançado o programa Novo Mercado de Gás. É certo que as soluções não vêm num estalar dos dedos.
É certo, ainda, que o TCC Cade/Petrobras representa, sem qualquer sobre de dúvida, um marco em um mercado que até então não tinha nenhum panorama concreto de abertura.
Mas é preciso um pouco mais de assertividade — da Petrobras e outros atores direta ou indiretamente envolvidos — para que o Brasil consiga efetivamente ter um mercado com diversidade de ofertantes.
Só assim há chance de aumento de produção de gás nacional, gerando empregos e arrecadação para os Estados.
Fonte: Epbr – Marcelo Mendonça – diretor de Estratégia e Mercado da Abegás
Related Posts
Comgás recebe 41 propostas em chamada para aquisição de gás
A Comgás recebeu 41 propostas em sua mais recente chamada pública para contratar suprimento de gás natural, visando atender seus consumidores do mercado cativo, com foco em obter mais flexibilidade e...
Transportadoras se preparam para lançar plataforma de comercialização de gás natural no mercado
As transportadoras de gás natural se preparam para lançar uma plataforma eletrônica de comercialização de molécula, voltada para o mercado em geral. Será o próximo passo da Plataforma Eletrônica de Gás...