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Brasil bate recorde de importação de GNL, mas pode faltar gás para usinas

Com o aumento do despacho termelétrico devido à crise hídrica, o balanço entre a oferta e a demanda de gás natural deve viver sob forte estresse nos próximos meses. Devido a fatores tanto conjunturais quanto estruturais, pode não haver gás para todas as usinas, mesmo ante os recordes de importação de gás natural liquefeito (GNL), dizem especialistas. A Petrobras informou ao Valor que, ante o aumento da demanda, está negociando um novo contrato interruptível com a Bolívia e “providenciando alternativas” para disponibilizar um terceiro navio de regaseificação. O mercado brasileiro é atendido por três fontes: a produção nacional representa praticamente a metade da oferta de gás no país, enquanto o GNL importado e a Bolívia respondem por um quarto do abastecimento cada um, de acordo com dados da Petrobras. O presidente da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, conta que todas essas três fontes enfrentam, hoje, algum tipo de limitação.

Do lado da importação, a Bolívia, que já chegou a entregar mais de 30 milhões de metros cúbicos diários (m3 /dia) ao Brasil no passado, já não tem a mesma capacidade de produção e, hoje, tem contrato com a Petrobras para envio de até 20 milhões de m3 /dia. No caso do GNL, a Wood Mackenzie estima que as importações atingiram, em julho, um recorde mensal de 28,8 milhões de m3 /dia. Há, porém, uma ressalva aí: o terminal de Sergipe, da New Fortress, não está conectado à malha nacional de gasodutos. Além disso, a planta da Petrobras em Pecém (CE) não conta, hoje, com navio regaseificador. Já do lado da oferta nacional, Moreira Neto cita o atraso nas obras do gasoduto de escoamento Rota 3, que só ficará pronto em 2022. Sem ele, alguns grandes campos do pré-sal não têm condições de trazer gás para o continente e o Brasil atinge recordes de reinjeção, na casa dos 60 milhões de m3 /dia. Além disso, a parada programada do campo de Mexilhão e do gasoduto Rota 1 restringirá o suprimento em setembro.

O consultor vê um cenário apertado no balanço entre oferta e demanda potencial térmica para os próximos meses. “Num eventual despacho térmico no máximo da capacidade, vemos um contexto de déficit, mas essa possibilidade é pequena, pelo histórico. Mesmo assim, vemos uma situação de muito estresse no balanço, com as fontes tradicionais de suprimento no limite”, completou. A Wood Mackenzie estima que todas as termelétricas conectadas à malha integrada de gasodutos demandariam, a plena capacidade, 50,1 milhões de m3/dia, ante uma oferta prevista da ordem de 50 milhões de m3/dia. “O balanço ficaria muito apertado, especialmente em momentos de pico”, reforça o analista de gás e GNL para a América Latina, Henrique Anjos.

Segundo ele, a estimativa é que o consumo pelas termelétricas fique no limite da oferta em setembro, durante a manutenção da Rota 1. Por isso, a consultoria estima que as importações de GNL devem bater recorde no mês que vem.

Moreira Neto explica que, independentemente de fatores conjunturais como paradas para manutenção, existem térmicas hoje com problemas estruturais de suprimento de gás. Ele cita a Termofortaleza e a Termoceará, no Ceará, que não conseguem despachar a plena capacidade por limites nos gasodutos da região. Além disso, a Petrobras desmobilizou o navio do terminal de GNL de Pecém. Já a usina William Arjona (MS) tem como principal fonte de suprimento a Bolívia, que enfrenta dificuldades estruturais para aumentar a oferta ao Brasil – o que se soma à maior demanda argentina pelo gás boliviano no inverno.  Segundo a “Folha de S.Paulo”, a Câmara de Regras Excepcionais para a Gestão Hidroenergética (Creg) solicitou a troca da operação a gás da Termoceará para diesel. O Creg também alertou para riscos de falta de gás para as usinas William Arjona, Araucária (PR), Cuiabá (MT) e Santa Cruz (RJ). Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou. “Não fizemos o papel de casa desde a última crise hidrológica. Não é só culpa de são Pedro”, afirma Moreira Neto, ao citar os problemas estruturais do mercado.

O estresse no sistema acontece em meio à recuperação da demanda. Segundo a Abegás, o consumo de gás cresceu 33,7% no primeiro semestre, na comparação anual. O setor industrial subiu 21,3%, para 29,2 milhões de m3 /dia, e já supera níveis pré-pandemia. O diretor de estratégia e mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, não vê riscos de desabastecimento, mas acredita em custos maiores para o setor. Os contratos preveem que, nos momentos de paradas programadas da Petrobras, as distribuidoras podem ser oneradas por retirarem mais gás que o previsto. Já demanda termelétrica saltou 61,8% no primeiro semestre. “Isso mostra que a gestão do sistema é falha, que o Brasil precisa otimizar as térmicas para preservar os reservatórios [antes das crises hídricas]”. A Petrobras esclareceu que contribui de “forma ativa” na busca de soluções para a crise hídrica.

 

Fonte: Valor Econômico

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