A revisão das especificações do gás natural, pela ANP, terá como pano de fundo o debate sobre o uso do gás como matéria-prima — e da própria oferta de molécula ao mercado. Ambos os assuntos estão na ordem do dia do programa Gás Para Empregar.
O etano é um dos componentes do gás natural — bem como o metano, propano e butano. Pelas atuais regras da ANP, a presença desses hidrocarbonetos no gás comercializado no país segue alguns limites pré-estabelecidos.
Produtores pedem a flexibilização das regras, sob a alegação de que podem ampliar o volume de gás no mercado. E aí entram em conflito com a agenda da indústria química, que teme que o Brasil desperdice, assim, o potencial de uso do etano como matéria-prima.
A conta, em tese, é essa: com a flexibilização dos limites, os produtores podem aumentar o teor de etano no gás vendido no mercado, sobrando menos etano para a petroquímica.
Essa preocupação está presente no relatório preliminar da análise de impacto regulatório da ANP. A agência cita o risco de que a iniciativa acabe reduzindo investimentos em processamento de gás — e que o etano acabe sendo queimado, sem separação.
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) também receia que os custos com o tratamento do gás recaiam sobre o setor químico.
“Entendemos que, se o gás não é tratado na origem, transferimos para o mercado todos esses riscos e todo esse custo associado ao não adequado tratamento dele na origem”, afirmou a diretora de Economia e Competitividade da Abiquim, Fátima Giovana Ferreira, durante seminário da ANP.
“E o gás não devidamente tratado também queima uma valiosa matéria-prima, que é o etano”. Ela defende, ainda, que o uso do gás como matéria-prima demanda estabilidade.
Gás para indústria
O etano é matéria-prima nobre para produção de eteno, na cadeia de plásticos. No Brasil, é usado na planta da Braskem no Rio de Janeiro. A indústria petroquímica nacional, em sua maior parte, no entanto, consome nafta como matéria-prima.
Mas o setor vê potencial de expansão do mercado de etano no Brasil. Em especial, mira as novas rotas do pré-sal, na expectativa da chegada de um gás a preços competitivos.
“Não podemos admitir que o Brasil seja importador de 85% da nossa ureia. Não somos competitivos para produzir amônia, produto base da ureia brasileira. Sabemos o quanto é importante a nossa vocação para alimentar não só todos os brasileiros e brasileiras, mas todo mundo”, disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silvera, ao lançar o Gás Para Empregar.
Não há ponto pacífico
Ao tratar do debate sobre a revisão das especificações, em 2020, o Comitê de Monitoramento do Novo Mercado de Gás contestou o argumento de que a flexibilização nas regras da ANP traz riscos à oferta de etanol.
Alegou que a UPGN Cabiúnas (RJ) operava, na ocasião, com capacidade de separação de etano ociosa.
E lembrou que, em 2008, a ANP já havia elevado de 10% para 12% o limite de etano no gás natural, sem prejuízo ao fornecimento do insumo para a central petroquímica do Rio de Janeiro — “que se manteve como opção comercial, e não como resultado de imposições normativas da agência reguladora”.
O comitê concluiu que, mesmo que as regras mudem, a “oferta de etano tende a continuar sendo resultado da decisão comercial de seu produtor vis-à-vis a demanda pelo insumo” — ou seja, definida pela livre negociação.
Crescimento da oferta
A flexibilização das especificações é um pleito dos produtores, representados pelo IBP e Petrobras. Eles alegam que as reservas do pré-sal têm teores de hidrocarbonetos diferentes daqueles tradicionalmente presentes no pós-sal e que basearam a resolução vigente.
Os atuais limites, segundo os produtores, exigem investimentos adicionais na adequação da infraestrutura de processamento, para separação das correntes do gás rico — o que pode limitar a oferta.
A intenção da ANP é publicar uma nova resolução sobre as especificações até o fim do ano. Três opções regulatórias estão na mesa, hoje, da ANP:
Manter os atuais limites estabelecidos, de, no mínimo, 85% de metano; no máximo, 12% de etano; 6% de propano; e 3% de butano;
Manter os atuais limites, mas prever mecanismo que autorize sua alteração em casos específicos, por meio de atos administrativos;
Acabar com os limites à composição do gás — como defendem os produtores.
O IBP defende que as regras atuais engessam a produção do pré-sal — porque demanda adequações nas unidades de processamento.
Flexibilização
A flexibilização, por sua vez, estimularia o aumento da oferta de gás ao mercado — um dos pilares do programa Gás Para Empregar.
Os produtores citam um caso real: o aval da ANP à flexibilização dos teores mínimos de metano na Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, por exemplo, permitiu à Petrobras aumentar a oferta de gás ao mercado, por meio do Rota 1.
Argumentam que o Brasil é um dos poucos mercados que traça limites aos teores de hidrocarbonetos presentes no gás e que a proposta não prevê alterar de forma drástica a qualidade do gás — ou seja, abre-se espaço para ajustes nos teores de metano, etano, propano e butano, mas sem mudar os parâmetros físico-químicos e limites de contaminantes e inertes.
E rebatem, assim, as críticas da Abiquim e da Abegás, de que a flexibilização das especificações pode afetar o desempenho dos equipamentos dos consumidores.
Além do cuidado com a qualidade do gás, a Abegás defende que a ANP precisa considerar os efeitos da revisão das especificações sobre a regulação de uma forma mais geral do setor. O assunto em discussão, segundo a associação, pode influenciar diretamente a injeção do hidrogênio e biometano nos gasodutos, no futuro.
O diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, também ressalva que a revisão das especificações, por si só, não garante um aumento da oferta de gás.
“É necessário o gas release e a construção de infraestrutura em conjunto com políticas públicas de estímulo à demanda”, defende.
Fonte: Epbr