Sexta maior do mundo, a indústria química brasileira tem cerca de R$ 70 bilhões em investimentos que podem sair do papel se a oferta de gás natural for ampliada no mercado nacional.
Com previsão de demanda adicional de 14 milhões de metros cúbicos por ano do insumo, considerando-se apenas seu uso como matéria-prima, há na fila de projetos duas fábricas de fertilizantes, uma de metanol, uma nova central petroquímica, a duplicação de uma planta de eteno e a flexibilização de outra unidade de eteno, que hoje usa nafta, para base gás.
Responsável por quase 30% do consumo industrial de gás, o setor usa anualmente 3 milhões de metros cúbicos do insumo como matéria-prima e 9,7 milhões de metros cúbicos como energético e utilidades. Isso significa que a disponibilidade teria no mínimo de dobrar, nos próximos anos, para que todos os projetos saiam do papel.
Nomes como Braskem, Unigel, Unipar e Yara estão entre os grandes da indústria com planos de crescimento que esbarram na oferta limitada de matéria-prima no país. “Demanda existe, mas todo o crescimento dos últimos anos foi capturado pelas importações. O maior problema é não ter matéria-prima competitiva”, diz o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro.
Em 12 meses até março, mostra relatório da entidade, o déficit na balança comercial de produtos químicos somava US$ 61,8 bilhões. Esse saldo se compara a cerca de US$ 10 bilhões negativos há pouco mais de uma década, quando a exploração de gás de xisto nos Estados Unidos começava a ganhar força e fez renascer a indústria química local – hoje uma grande competidora no mercado global junto com a China.
Nesse mesmo período, a oferta de gás natural para uso industrial no Brasil manteve-se inalterada. Hoje, enquanto os americanos pagam menos de US$ 4 por milhão de BTU, o consumidor industrial tem de desembolsar entre US$ 16 e US$ 17 por milhão de BTU no país. “Precisamos de uma política pública voltada ao aumento da oferta de gás e preços competitivos”, afirma o presidente da Abiquim, repetindo o pleito dos últimos dez anos. Em 2019, pondera, a Lei do Gás trouxe alguns ganhos, mas não houve alteração na oferta.
A troca de governo e as discussões sobre reindustrialização reacenderam as esperanças de que pode haver mudança estrutural nesse terreno. Em março, o Ministério de Minas e Energia anunciou o programa Gás para Empregar, que aguarda a chancela presidencial para criação do grupo de trabalho interministerial que vai organizá-lo. O objetivo é dar uso ao gás do pré-sal e ao que é reinjetado pelas petroleiras, com o aumento da oferta repercutindo em queda de preços. A estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA) deve ser seu veículo principal.
“A competitividade do gás de xisto nos Estados Unidos também se deve a uma política que organizou sua oferta, para fins de reindustrialização”, diz Cordeiro. Da mesma forma deveria seguir o Brasil, avalia. “É olhar o gás não só como combustível, mas molécula usada para produzir bens. Os Estados Unidos já migraram quase toda produção de químicos para gás e a China está fazendo o mesmo”, acrescenta. No país, 70% da produção química ainda é baseada em nafta.
Do lado da indústria, garante o presidente da Abiquim, há intenção de investir mais. O risco que se corre é o de perder recursos para outras regiões do mundo, num momento em que uma série de países está lançando mão de políticas de reindustrialização. O movimento mais recente veio da França. “O setor está fazendo a defesa de que o programa vá para frente”, ressalta Cordeiro.
Fonte: Valor Econômico