Em artigo publicado no portal Poder 360, o presidente executivo da Abegás, Augusto Salomon, afirma que
É preciso estar atento aos alertas. A operação do sistema elétrico brasileiro vem enfrentando desequilíbrios cada vez mais evidentes e o País segue cuidando apenas dos sintomas, não das causas.
Um alerta importante veio do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), ainda em fevereiro, quando o órgão responsável pela coordenação e pelo controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) informou que o volume de chuvas em janeiro – em pleno período úmido – foi o pior para o mês em 94 anos.
A preocupação do ONS, ao expor esse grau de criticidade ainda em fevereiro, é de que o País possa chegar com os reservatórios das hidrelétricas em níveis muito aquém dos desejáveis para o ano de 2025.
Não se trata de uma situação excepcional, caso se confirme.
Em 2021, toda a população brasileira teve que fazer um esforço imenso para mitigar os riscos da falta de energia elétrica diante da pior seca em nove décadas de registro que colocou o País à beira de um colapso energético ao reduzir a níveis críticos os reservatórios das hidrelétricas do subsistema Sudeste-CentroOeste.
Não deveríamos estar passando novamente por isso. É indispensável parar de olhar somente para os sintomas; e ser cirúrgico. De um modo racional, desapaixonado, discutir qual a importância do setor termelétrico para o País. E essa importância é bastante clara: estamos falando de segurança energética.
O regime hidrológico no Brasil vem passando por mudanças nos últimos 20 anos. A afluência não é a mesma de outros tempos. É um problema cíclico.
A entrada massiva de fontes de geração intermitentes nos últimos 20 anos, como usinas eólicas e solares, vem tornando a operação do SIN cada vez mais complexa, uma vez que essas fontes deixam de gerar energia, seja com o cair da noite, seja com a ausência de ventos.
Afora isso, as novas usinas a fio d’água trazem sazonalidade para parte do parque hidrelétrico. Estamos cada vez mais dependentes das energias renováveis, que não são despacháveis.
Além dos problemas antigos, temos outros novos.
O calor excessivo vem criando demandas abruptas de consumo logo depois do horário do almoço, quando os aparelhos de ar-condicionado, entre outros, são mais exigidos. No dia 15 de março, o ONS registrou um novo recorde de demanda instantânea, com a carga de energia do SIN atingindo o patamar de 102.478 MW, superando a marca anterior, também obtida este ano, em 7 de fevereiro.
É fundamental que o planejamento energético encontre um equilíbrio que concilie a redução da pegada de carbono, a segurança energética e a competitividade. Há outros caminhos a seguir – e o gás natural é uma via segura e eficiente para essa combinação.
É perfeitamente possível utilizar o setor termelétrico de uma forma planejada, até mesmo para guardar água nos reservatórios e evitar que eles fiquem deplecionados a cada período seco (abril-setembro).
Hoje, o setor de energia elétrica é lastreado nos terminais de gás natural liquefeito (GNL). E justamente por falta de previsibilidade, o Brasil é punido duas vezes.
Primeiramente, por ter que comprar GNL no mercado spot, a preços suscetíveis a questões geopolíticas, o que repercute, lá na ponta, nas contas de luz. Em segundo lugar, mas não menos importante, por desestimular os investimentos em infraestrutura para escoar a produção nacional, promovendo o aumento da oferta amparada por um sinal de demanda firme.
Nesse contexto, a adoção de térmicas a gás com 70% de inflexibilidade seria positiva por diversas razões e aqui estão algumas delas: 1. Estabilidade e confiabilidade – Podem gerar energia de forma constante e previsível, independentemente de condições climáticas, complementando e compensando a intermitência das fontes intermitentes e sazonais. E, ao fornecer energia confiável quando há baixa produção solar ou eólica, facilitam a integração de mais fontes renováveis no mix energético. Servem, ainda, como reserva para garantir o fornecimento de energia, cobrindo eventuais falhas ou problemas decorrentes da geração ou transmissão da energia de fontes renováveis; 2. Segurança de abastecimento, eficiência energética e inflexibilidade – Contribuem para a segurança energética ao fornecer uma fonte de energia confiável e disponível, com elevadas taxas de eficiência, especialmente quando utilizadas em ciclos combinados; 3. Redução de emissões – Emitem um volume significativamente inferior de CO2 e outros poluentes atmosféricos, em comparação com termelétricas a óleo combustível; 4. Descentralização da produção e modularidade – Podem ser instaladas em localidades mais próximas de áreas de alta demanda de energia, reduzindo a necessidade de investimento em novas e extensas redes de transmissão e distribuição. Também são mais modulares do que muitas outras formas de geração de energia, permitindo uma expansão gradual, de acordo com as necessidades; 5. Uso de reservas nacionais – Podem estimular o aproveitamento de reservas nacionais de gás, reduzindo a dependência de importações energéticas.
As vantagens são muitas. E o que acontece, hoje, é que o Brasil está desperdiçando seu potencial de produção de gás.
Por isso, o momento é oportuno para um debate mais profundo. Espera-se uma abordagem mais proativa, atacando as falhas estruturais do sistema para que o País não se coloque em situação de risco sempre que as chuvas não aconteçam como o ideal.
As termelétricas a gás são âncoras do desenvolvimento da infraestrutura de gás, puxando a expansão da malha de gasodutos de escoamento e de transporte e da rede distribuição, e abrindo caminho para o aumento de oferta, o que resulta em competitividade para a indústria e para a produção de fertilizantes. Essa discussão não pode ser indefinidamente adiada. É fundamental que o País possa efetivamente olhar um pouco além das soluções de curto prazo, criando uma política de ganha-ganha em todos os níveis: econômico, social e ambiental.
Fonte: Poder 360 – Augusto Salomon
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