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Governo Lula quer usar gasoduto Brasil-Bolívia para trazer gás da Argentina

O governo Luiz Inácio Lula da Silva quer importar gás natural da reserva de Vaca Muerta, na Argentina, para garantir o abastecimento das indústrias brasileiras e estuda formas técnicas de fazer essa operação. Existe uma forte preocupação em termos de oferta, porque a Bolívia, principal fornecedor, está com uma produção decrescente.

 Uma das saídas é usar a parte ociosa do Gasbol para trazer o gás argentino. Hoje, os bolivianos só enviam ao Brasil 15 milhões de m3 por dia, quando deveriam entregar 30 milhões m³/dia. E o Brasil tem uma carência no fornecimento. O gás doméstico é caro e insuficiente, na avaliação do governo. Porém, as duas possibilidades em estudo para trazer ao Brasil o gás argentino dependem da conclusão da segunda parte do Gasoduto Néstor Kirchner, que liga a região de Vaca Muerta, a partir da província de Buenos Aires, até Uruguaiana (RS).

No ano passado, quando o país era presidido por Alberto Fernández, a previsão era que as obras fossem concluídas até o fim de 2024 ou início de 2025. Mas o novo presidente argentino, Javier Milei, ainda não sinalizou se há interesse na obra ou em manter o prazo estimado.

Dentro do governo Milei, há um grande defensor dessa integração com o Brasil: o ex-embaixador da Argentina em Brasília Daniel Scioli, atualmente secretário de Turismo, Ambiente e Esportes do Ministério do Interior. O Brasil conta com o ex-embaixador para garantir a continuidade da obra. Procurado pelo Globo, Scioli não se manifestou sobre a ampliação do gasoduto. Concluída a segunda etapa do duto argentino, o gás poderia chegar ao Brasil por dois caminhos.

 O primeiro seria usando uma parte ociosa do Gasbol, inclusive pagando um pedágio aos bolivianos pela passagem. O gás viria ao Brasil por meio de uma conexão entre os gasodutos Norte e Néstor Kirchner. Maior empresa privada de energia da Argentina e maior produtora privada do gás de Vaca Muerta, a Pan American Energy (PAE) vê como importante os investimentos na ampliação da malha de gasodutos do país vizinho. Segundo Alejandro Catalano, diretor-geral da PAE no Brasil, o gás de Vaca Muerta, segunda maior reserva de gás não convencional do mundo, tem ainda um grande potencial de crescimento.

Ele lembra que a produção da companhia aumentou de 2,5 milhões m3 por dia em 2015 para 13 milhões m3 cúbicos por dia em 2023. Ao citar a importância da infraestrutura, lembrou que parte da produção já é exportada para o Chile, por meio de quatro diferentes redes de gasodutos. “A Argentina tem gás competitivo. Tem que ser feita infraestrutura para compartilhar esse gás com a região. Acreditamos que isso vai acontecer. É uma fonte competitiva para a região e a integração dos países.

O gás é a ponte para o futuro”, afirma Catalano. Segundo ele, a Argentina tem investido na ampliação da infraestrutura. Ele cita a inauguração da Etapa I do Gasoduto Néstor Kirchner, conectando a região de Vaca Muerta a Saliqueló, na província de Buenos Aires. Cita ainda a perspectiva de início das obras da Etapa II do gasoduto, de Saliqueló até San Jerónimo, de onde teria de ser feita uma ampliação para levar o traçado até o gasoduto que faz a conexão com a cidade gaúcha de Uruguaiana.

Catalano lembra ainda outro investimento importante que será feito este ano: a inversão do Gasoduto Norte na Argentina. Isso permitirá direcionar o gás para a Bolívia, cuja molécula, então, poderá ser integrada ao Gasbol. “Potencialmente esse gás poderia chegar ao Brasil em 2025. Apesar da complexidade de ter mais países envolvidos, há necessidade de um gás competitivo. Por isso, acreditamos que é possível uma negociação”. A segunda possibilidade seria via Rio Grande do Sul. O gás entraria no estado, mas para isso seria necessário construir um gasoduto de Uruguaiana até Porto Alegre. A obra foi considerada prioritária no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo governador Eduardo Leite.

Segundo empresas ouvidas pelo GLOBO, o desafio é o investimento necessário para isso. A obra, orçada entre US$ 1 bilhão e US$ 1,2 bilhão, nunca saiu do papel. A TSB, que opera o trecho de 25 quilômetros que liga a malha argentina até Uruguaiana e o trecho em Porto Alegre, tem como acionistas Petrobras, Ipiranga, Repsol e Total. Cada uma tem 25% da empresa. Procurada, a Petrobras disse apenas que não é a controladora. Se a ligação entre Uruguaiana e Porto Alegre sair do papel, outra questão importante é que será preciso ajustar o Gasbol.

Hoje, o gasoduto é uma “via de mão única”, seguindo do Mato Grosso do Sul em direção ao Rio Grande do Sul. Esse fluxo também teria que subir, passando a levar o gás da Região Sul para cima, para atender Minas Gerais, por exemplo, tornando-se uma espécie de pista dupla. Um interlocutor do governo comentou que há empresas brasileiras interessadas em fornecer equipamentos, como canos, para a construção do gasoduto na Argentina. Mas, se quiserem realizar a obra, não poderão contar com a ajuda do BNDES, que atualmente só financia produtos e mediante apresentação de garantias. Um interlocutor do banco de fomento enfatizou que a liberação de recursos para financiamento de serviços está suspensa.

Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, o Brasil produziu 130 milhões m3 de gás natural por dia em 2023. Entretanto, metade desse volume, ou o equivalente a 70 milhões m³, foi reinjetado, ou seja, voltou para o poço. Outros 20 milhões não são comercializados no mercado brasileiro devido à queima, a perdas e ao consumo nas próprias plataformas. Com isso, sobram 40 milhões m³ para uma demanda interna estimada em 60 milhões m³ ao dia. Vaca Muerta é uma boa saída.

Mais de 90% do mercado é dominado pela Petrobras. Como há pouquíssima competição, a empresa forma o preço. Um novo competidor seria muito interessante para nós — afirma Adriano Lorenzon, diretor responsável por gás natural da Abrace, associação que representa os grandes consumidores de gás e energia do Brasil. Lorenzon explica que há algumas explicações para que os produtores reinjetem tamanha quantidade de gás.

Uma delas é que o mecanismo aumenta a pressão e amplia a produção de petróleo. Outra é que o nível de contaminantes, com ênfase para o CO2, é muito alto. Para construir a segunda parte do gasoduto, o governo anterior da Argentina anunciou que faria uma licitação. Um integrante do governo brasileiro acredita que Milei poderá abraçar a ideia, dadas as dificuldades econômicas perenes do país vizinho.

Fonte: O Globo

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