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Intervenção no gás gera despesa e insegurança jurídica

Em editorial, o Valor afirma que o preço do gás natural pago pelos usuários no Brasil é alto. A Lei do Gás, aprovada em 2021 pelo governo de Jair Bolsonaro, prometia um “choque de energia barata”, segundo o então ministro da Economia Paulo Guedes. Não deu certo, e o governo Lula faz agora nova tentativa de reduzir preços, com espírito bem diferente da lei anterior, intervindo nos preços nos setores da infraestrutura do insumo e na produção do gás natural. As medidas interferem nos planos das empresas e têm ingredientes suficientes para deslanchar batalhas judiciais à frente. O problema do preço do gás é real e um peso para a indústria. O preço doméstico é de US$ 21 por milhão de BTUs, quase dez vezes os US$ 2,50 pagos pelos consumidores nos EUA e mais do que o dobro dos US$ 9 cobrados dos europeus (dados da CNI; Valor, 27/08). Cerca de 70% da oferta de gás natural é proveniente da Petrobras, e um estudo do governo indicou que 46% do custo pedido pelo insumo decorre da cobrança da estatal pelo uso de gasodutos marítimos de escoamento e tratamento do gás. A extração compõe apenas 14% do custo total e o transporte e a distribuição, 20%.

Grande parte do gargalo de custos e oferta, então, se concentra na Petrobras e suas práticas monopolistas. A Lei do Gás, que apostava na “promoção da livre iniciativa para exploração de atividades concorrenciais”, conseguiu alguma abertura nas atividades periféricas do gás, mas não prosperou na redução dos preços e tampouco no aumento da oferta. Para um governo que desde seu início imiscuiu-se nos assuntos da Petrobras a ponto de demitir seu presidente, o petista Jean Paul Prates, seria natural que buscasse a saída para os problemas em negociação com a empresa. No entanto, o presidente Lula e seu ministro da Energia, Alexandre Silveira, foram por outro caminho. O objetivo dos decretos que compõem o Plano de Transição Energética, mas que de imediato tratam apenas de petróleo e gás, é o maior controle sobre as atividades. Um decreto revogou a criação do Comitê Técnico para o Desenvolvimento do Mercado de Combustíveis, que, entre outras atribuições, tratava do processo de venda dos ativos de refino da estatal, já definitivamente sepultada. Um dos pontos centrais do decreto 12.153, publicado na terça (27), e que modifica o decreto 10.712, que regulamentou a Lei do Gás, refere-se aos percentuais de injeção de gás na exploração de petróleo. Pelo menos 50% do gás natural, subproduto da exploração, é reinjetado. A reinjeção aumenta a eficiência e a velocidade da extração do óleo. A meta é ampliar a oferta de gás que sai dos poços diminuindo seu uso no processo de obtenção do petróleo. Ao influir na eficiência e na velocidade da produção de petróleo, o decreto interfere nos planos de desenvolvimento empresariais já firmados com multinacionais e empresas domésticas.

O decreto é taxativo, ao dar poderes à ANP de, após ouvir empresas e examinar viabilidade técnica-econômica, determinar “a redução da reinjeção de gás natural ao mínimo necessário, inclusive com o estabelecimento do volume máximo de gás natural a ser reinjetado”. O Ministério de Minas e Energia disse que o decreto vale só para novos contratos, mas não há uma linha sobre isso no dispositivo legal. Ao contrário. Registra o decreto que “quando identificar a possibilidade de aumento do volume de produção de gás natural, a ANP determinará, aos atuais operadores dos respectivos campos, a revisão dos planos e projetos de desenvolvimento”. Além disso, “caso o operador do campo não atenda ao disposto… a ANP adotará as medidas legais e contratuais cabíveis”. O decreto estende a atribuição da ANP à fixação de regras para a exploração dos serviços de transporte, distribuição, processamento e todas as etapas necessárias para que o gás chegue ao consumidor. Estabelecerá para elas uma tarifa máxima e outra mínima, esta correspondente ao retorno pretendido pelo investidor para a remuneração do capital investido, com correção monetária e amortização de longo prazo. Dado o viés estatista do governo Lula, há o temor de que a intervenção no sistema de produção recaia mais sobre as empresas privadas do que sobre a Petrobras monopolista. Houve tempo suficiente, desde que o pré-sal foi descoberto, em 2006, para se encontrar uma solução para ampliar a oferta de gás natural, sem a necessidade de canetadas como a dos decretos desta semana. O presidente Lula aproveitou a ocasião para anunciar que estenderá a compra subsidiada de gás dos atuais 5,6 milhões de famílias que têm direito a um preço menor para 20,8 milhões de famílias. O custo, de R$ 102 pago bimestralmente por família, saltará de R$ 3,4 bilhões para R$ 13,6 bilhões em 2026, ano em que Lula tentará a reeleição. O presidente age como se houvesse fartos recursos disponíveis e nenhuma restrição fiscal. Conseguiu ao mesmo tempo ampliar o intervencionismo estatal, criar insegurança jurídica sobre contratos em um setor que colhe esplêndidos resultados, gerar mais despesas e dificultar ainda a missão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de encontrar receitas para financiar gastanças que parecem não ter fim.

Fonte: Valor Econômico / editorial

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