Na segunda (18), o Brasil assinou um acordo com a Argentina que prevê a importação de gás de Vaca Muerta. O negócio, além de marcar um raro entendimento entre o governo do presidente Lula (PT) e o de Javier Milei, promete destravar antiga tentativa de cooperação e reduzir custos. Avaliações preliminares apontam que o gás sai da reserva argentina por US$ 2 por milhão de BTUs, chegando ao Brasil por praticamente a metade dos US$ 14 praticados no mercado interno, sem incluir impostos. Vaca Muerta é uma reserva de gás de xisto, e se tornou tanto uma promessa de soberania energética e de fonte para atrair dólares ao país vizinho quanto alvo de grande oposição de ambientalistas e palco de conflitos com os povos originários.
Localizada na região da Patagônia, Argentina tem a considerada segunda maior reserva de gás de fonte não convencional do mundo. Uma das explicações para o nome é que na cadeia de montanhas havia uma carcaça de vaca, e os moradores passaram a usá-la como ponto de referência para indicar o local. Segundo o governo argentino, a área foi descoberta em 1931 pelo geólogo e paleontólogo norte-americano Charles Edwin Weaver (1880-1958). Pelas dificuldades técnicas, a exploração dos recursos, no entanto, só ocorreu bem mais tarde. A exploração de gás e petróleo acontece por meio de fraturamento hidráulico (ou “fracking”), um processo mais caro e complexo do que o convencional. Ambientalistas e comunidades originárias vêm criticando há anos os impactos ambientais deste tipo de técnica, que usa grandes volumes de água misturada a areia e reagentes químicos para quebrar a rocha de xisto no subsolo e extrair petróleo e gás.
A reserva se espalha pelas províncias de Neuquén, Río Negro, La Pampa e Mendoza, e ocupa um espaço de 30 mil km². Em 2023, foi inaugurado o primeiro trecho do gasoduto ligando Vaca Muerta até a província de Buenos Aires, que recebeu o nome de Presidente Néstor Kirchner, ex-presidente peronista. O governo de Javier Milei decidiu rebatizar a obra com o nome do cientista desbravador da Patagônia Perito Francisco Pascasio Moreno. Añelo (cujo nome dado pelos indígenas pode ser traduzido como “lugar esquecido”) é considerado o coração de Vaca Muerta, sendo a cidade mais próxima à jazida de Loma Campana, explorada pela argentina YPF e a norte-americana Chevron. Segundo reportagem do site Dialogue Earth, de 2023, a proximidade com a riqueza natural não beneficia igualmente a todos, e falta água e luz para moradores da região que é a grande joia da produção energética do país. A exploração modificou sensivelmente a economia local, afirmam os jornalistas Alejandro Bercovich e Alejandro Rebossio no livro “Vaca Muerta” (Editora Planeta; 480 págs.; R$ 54), de 2015, que mostra que, na época, o desemprego em Neuquén caiu para abaixo da média nacional devido à atividade, mas a província passou a ter problemas de criminalidade e detinha a segunda maior concentração de máquinas caça-níqueis per capita do país.
Em Neuquén há mais de 60 comunidades mapuches reconhecidas e as queixas de que a extração está poluindo a água se acumulam há anos. Os conflitos frequentemente escalam para bloqueios dos campos, e os indígenas reclamam de falta de recursos e demora no reconhecimento da posse de terras. À Folha em 2023 o líder mapuche Fernando Barraza afirmou que as promessas de progresso com a exploração dos recursos se transformaram em dificuldade para que a população local tenha acesso à água. “Houve um discurso muito convincente de que [o ‘fracking’] ia trazer empregos, progresso e fundamentalmente que não tinha impacto ambiental. Mas o que aconteceu foi exatamente o oposto”.
Diferentes governos argentinos vêm contando com os recursos de Vaca Muerta para aliviar a crise econômica crônica que afeta o país. Internamente, a reserva de gás libera a Argentina de precisar comprar o recurso do exterior. A oportunidade de exportação dos recursos também pode ajudar na entrada dos dólares de que ela tanto precisa e aumentar suas baixas reservas de moeda norte-americana. No caso do acordo com o Brasil, a expectativa é comprar até 30 milhões de metros cúbicos ao dia de gás da Argentina em 2030, de acordo com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Estão em discussão cinco alternativas para transportar o gás até o Brasil. A mais rápida delas seria a inversão do Gasbol, gasoduto Brasil-Bolívia, mediante um entendimento com o governo boliviano. A produção do país andino vem caindo, o que viabiliza o uso.
Fonte: Folha de S.Paulo
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