A disputa de pesos pesados do capital privado brasileiro no setor de gás mira um mercado que vai demandar ao menos R$ 140 bilhões em investimentos nos próximos dez anos apenas da boca do poço para a frente, sem contar com exploração e produção. Cinco grandes grupos estão se posicionando no setor, não apenas no âmbito dos negócios, mas também nos bastidores da política, uma vez que a disputa envolve concessões públicas. São eles Eneva, cujo principal acionista é o banco BTG, de André Esteves, Âmbar, braço de energia da J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, grupo Cosan, de Rubens Ometto Silveira Mello, com Compass e Commit, o grupo Energisa, da Família Botelho, e a Termogás, do empresário Carlos Suarez. Juntas, essas empresas investiram cerca de R$ 35 bilhões nos últimos dez anos para buscar posições no setor.
Embora seja um combustível fóssil, o gás é visto como alternativa a produtos mais poluentes, como diesel no transporte público e de carga ou carvão na indústria. Também passou a ser considerado fundamental para dar segurança energética à medida que o país passa a depender das renováveis, cuja geração oscila muito. Em outras frentes, é importante para elevar a produção nacional de fertilizantes e é um substituto ao botijão de gás e ao chuveiro elétrico.
O gás natural tem uma cadeia longa e fragmentada. Na ponta inicial estão exploração e extração. Na sequência vem o processamento, para torná-lo apto à venda, ou a reigasificação, caso o produto chegue em navios na versão GNL. Então, ele é transportado via gasodutos. Na ponta final fica a distribuição ao consumidor final —residências, empresas, postos de combustíveis e usinas térmicas para geração de energia elétrica. Estão no radar projetos associados a biometano, que quimicamente é similar ao gás natural, mas produzido a partir de resíduos. “O gás natural é conhecido como um combustível de transição”, diz o CEO da Eneva, Lino Cançado.
“O problema do mundo é reduzir emissões, e há alternativas que reduzem emissão e outras que eliminam. A substituição de diesel por gás, por exemplo, reduz bastante”. A empresa investiu R$ 14 bilhões nos últimos dez anos em exploração e produção de gás e na geração de energia térmica. É quarta em produção de gás, atrás de Petrobras, Shell e Total, e segunda quando se considera apenas exploração em terra, onshore. Tem 25%, enquanto a Petrobras tem metade. Dona de 11 usinas a gás, que somam 4.455 MW de potência, tem o equivalente a praticamente 25% da capacidade do parque térmico a gás do país. Ainda aposta na venda do combustível para frotas de caminhões de transporte de grãos e para indústrias. Em 2024, a empresa passou a ser controlada pelo BTG, do banqueiro André Esteves, em operação que envolveu a incorporação de usinas térmicas do banco. Esteves chegou a pensar em voo solo na área, mas entendeu que seria melhor investir numa empresa focada no setor.
Quem tem ambição de traçar caminho similar é a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O grupo entrou no setor em 2015, quando comprou a usina de Cuiabá e criou a Âmbar Energia. Recentemente, acelerou as aquisições. Já possui 16 usinas a gás, cuja potência equivale a pouco mais de 20% do total de térmicas em operação.
Nos últimos dez anos, investiu R$ 11 bilhões para ampliar a capacidade de geração própria, R$ 8 bilhões em gás natural. Em 2023, deu um passo adicional e comprou uma pequena empresa para prospectar gás natural, a Fluxus, que já anunciou a compra de campos produtores na Argentina e na Bolívia, e declarou interesse em atuar na Venezuela. A ideia é entrar também no suprimento para abastecer suas próprias térmicas e eventuais clientes no país. O investimento de Eneva e J&F para ter o próprio gás faz parte da estratégia de buscar autonomia. Um dos maiores defensores do uso do gás no país, Adriano Pires, diretor do CBIE, lembra que o fim do monopólio da Petrobras no gás tem sido lento, especialmente nesse segmento. “Os investimentos privados estão aí para mostrar que evoluímos, e a concorrência aumenta, mas a Petrobras ainda controla 80% da comercialização do gás, que é parte estratégica”, afirma Pires. O negócio com distribuidoras de gás tem outro perfil.
A Petrobras ainda tem contratos de fornecimento, mas vendeu as suas participações, deixando o ambiente mais competitivo para o investidor privado.
O ano passado, por exemplo, marcou uma aposta maior da Energisa nesse mercado. Forte em distribuição de energia elétrica, o grupo entrou na distribuição de gás em 2023, ao adquirir a ES Gás.
A empresa consolidou a presença em 2024 comprando 51% da Norgás, holding com participação em distribuidoras de gás em quatro estados do Nordeste.” É um posicionamento muito claro da Energisa de colocar o pé nesse mercado, que ela entende como promissor, não só para o gás natural, mas também para o biometano”, afirma Debora Oliver, diretora-presidente de Negócios de Gás da companhia. Oliver explica que a estratégia é aproveitar o gás produzido localmente para oferecer o combustível a polos industriais no interior. Também almeja usar o gás como alternativa ao diesel em eixos logísticos do transporte de carga. Identifica ainda boas oportunidades no Programa ES Mais+Gás, lançado pelo Governo do Espírito Santo para fomentar a produção de biometano no estado. Somando aquisições e expansões, o grupo já investiu R$ 2,4 bilhões em gás.
A empresa mais tradicional no setor é a Termogás, fundada em 1998 pelo empresário Carlos Suarez. Pode-se dizer que Suarez é um precursor entre os agentes privados deste mercado. Foi o primeiro a questionar o alto volume de reinjeção de gás no pré-sal, usado para elevar a produção de petróleo e que considera um desperdício da molécula, e a falta de infraestrutura para transporte —um problema que afeta especialmente as áreas em que atua. A rede de gasodutos do Brasil é minúscula. Equivale, por exemplo, a cerca de um terço da rede argentina. Em associações com governos de estado, a Termogás tem participações em oito distribuidoras de gás no Norte, Nordeste e Centro Oeste, mas cinco são qualificadas pela empresa como pré-operacionais, por falta de acesso garantido ao insumo. A Termogás tem ainda autorização para a construção de 8.600 quilômetros de dutos.
O grupo Cosan, muito conhecido pela tradição em renováveis a base de cana, entrou no segmento de gás natural em 2012, ao adquirir a concessão da Comgás, que atende a região metropolitana de São Paulo. Em 2020, consolidou os negócios de gás na Compass, que agora tem novos braços. A Committ domina o segmento de distribuição no Sul e em parte do Sudeste e a Edge amplia a aposta na comercialização de biometano e gás no mercado livre, seja o GNL importado pelo terminal próprio que instalou na Baixada Santista, seja fornecido por caminhões. A companhia investiu mais de R$ 10 bilhões no setor desde 2020, com o objetivo de “formar um portfólio robusto de ativos e tornar a empresa um case de geração de valor com resultados consistentes”, disse em nota. O grupo Cosan vive agora uma reestruturação, e ainda não se sabe como fica o gás na equação final.
Fonte: Folha de S.Paulo
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