Depois do revés na tramitação do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert), em 2024, uma nova tentativa de criar uma política de incentivo ao uso do gás natural como matéria-prima desponta no Congresso.
A proposta é mais ampla que isso. A indústria química tenta emplacar um novo projeto: o Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química (Presiq), recém-apresentado pelo presidente da Frente Parlamentar da Química, o deputado federal Afonso Motta (PDT/RS).
O PL 250/2025 prevê a concessão de créditos financeiros de até R$ 5 bilhões/ano para aquisição de matérias-primas (o gás dentre elas, mas não só) e compromissos de investimentos pela indústria química.
como um sucessor do Regime Especial da Indústria Química (Reiq). A política de desoneração de PIS/Cofins sobre os insumos do setor termina em 2027, no período de transição da reforma tributária – que extingue, justamente a partir de então, o PIS/Cofins.
O Presiq busca ocupar esse espaço, com a concessão de novos créditos fiscais até 2029.
O programa não é uma frente isolada. A discussão sobre o uso do gás como matéria-prima permeia também os debates sobre as especificações do gás natural na ANP. E sobre a destinação do gás da União, diante das perspectivas de início dos leilões de gás pela PPSA este ano.
De projeto novo, a Braskem tenta tirar do papel a ampliação do polo químico do Rio de Janeiro e negocia com a Petrobras o preço da matéria-prima.
A petroleira, por sua vez, quer avançar este ano na decisão sobre a retomada da UFN III (MS); além de tentar chegar nos próximos meses a um acordo com a Unigel para retomada das operações das fafens de Sergipe e Bahia.
E colocar de pé projetos de fertilizantes no Brasil é, historicamente, um desafio do ponto de vista econômico, no Brasil, por exigir preços bastante competitivos para o gás.
O que diz o Presiq
O projeto prevê a concessão, entre 2027 e 2029, de créditos financeiros (relativos ao IRPJ, CSLL e CBS) para a compra de matérias primas, na proporção de até 5% do valor de aquisição dos produtos.
No caso do gás natural, especificamente, os agentes habilitados poderão usufruir de créditos de até R$ 150 milhões/ano na compra de molécula como insumo para produção de cianeto de sódio, ácido cianídrico, metacrilatos, amônia, uréia, hidrogênio, CO e CO2.
O programa, contudo, oferece créditos também na aquisição de componentes extraídos do gás natural: são R$ 2 bilhões/ano na compra de etano, propano e butano; além de mais R$ 1,850 bilhão/ano na aquisição de eteno, propeno e buteno, dentre outros itens.
Também serão concedidos créditos de até 3% do valor do investimento em ampliação de capacidade instalada ou projetos que atendam a outras diretrizes do programa. Nesse caso, o crédito está limitado a R$ 1 bilhão/ano – que também vale para projetos de fertilizantes.
O histórico recente não é favorável. O Profert, por exemplo, esbarrou na oposição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que entrou diretamente no circuito, junto ao então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), para enterrar de vez o projeto no fim do ano passado, no contexto do esforço concentrado do pacote de corte de gastos.
Discussão na ANP impacta gás matéria-prima
Outra pendência na agenda do gás matéria-prima é a discussão, na ANP, sobre as especificações do gás natural – um debate que opõe a indústria química (e os consumidores de gás de uma forma geral) e os produtores.
O regulador apresentou, no ano passado, a minuta da nova resolução que trata do assunto. Em resumo: ficam mantidos os limites previstos atualmente na Resolução 16/2008: de, no mínimo, 85% de metano; e, no máximo, 12% de etano; 6% de propano; e 3% de butano.
Mas abre-se caminho para flexibilizações em casos específicos: para a comercialização do gás para indústria ou termelétrica que aceite adquirir o produto fora da especificação estabelecida (sem se misturar ao gás regular na rede); e para reservatórios de gás do pré-sal que, por suas características, não consigam de enquadrar nos limites de metano e etano.
A minuta estabelece, contudo, alguns requisitos para essas excepcionalidades: para obter o waiver dos limites de metano e etano do gás do pré-sal, por exemplo, os agentes terão de apresentar estudo técnico-econômico sobre as causas que impossibilitam o atendimento das especificações e demonstrar os benefícios da excepcionalidade sobre a oferta de óleo e gás do pré-sal – dentre outras exigências.
A autorização, nesses casos, será reavaliada a cada quatro meses, como acontece hoje com o caso referência, da unidade de processamento de Caraguatatuba (SP). A Petrobras opera, hoje, a UTGCA com base em autorizações especiais que flexibilizam as especificações do gás.
Os produtores, representados pelo IBP, alegam que o gás do pré-sal tem teores de hidrocarbonetos diferentes daqueles tradicionalmente presentes no gás do pós-sal – e que basearam a resolução vigente e a própria construção da UTGCA.
Mas o mercado, em breve, terá um segundo case para se debruçar sobre: ao menos quatro companhias (Petrobras, Shell, Galp e CNOOC) já apresentaram pedido à ANP para flexibilização das especificações de gás da UTGITB – a unidade de processamento do Complexo Boaventura, em Itaboraí (RJ), inaugurada em 2024. O pano de fundo dessa discussão é comercial: Petrobras e Braskem negociam o etano para viabilizar a ampliação do Polo Petroquímico do Rio de Janeiro. E flexibilizar as especificações do gás pode significar, no limite, a disponibilidade de mais ou menos etano, dentro desse contexto de mercado. Uma termelétrica (e a Petrobras tem planos de instalar duas no Complexo Boaventura), por exemplo, vai queimar o etano. E aí menos oferta do produto influencia, no fim das contas, o preço. Os produtores alegam, por sua vez, que o waiver para a UTGITB é uma necessidade imediata. A unidade de processamento tem tecnologia para separar o etano do gás, mas não há mercado local imediato para o produto – o que demandaria a construção de um duto até o polo da Braskem em Duque de Caxias (RJ) ou o nascimento de um novo complexo petroquímico no antigo Comperj.
A disputa pelo gás do Rota 3
O mercado ainda aguarda a publicação da nova resolução sobre as especificações pela ANP. Enquanto isso, os produtores pedem celeridade na análise do pedido de flexibilização das especificações do gás do Rota 3, sob o risco de impactar a curva de disponibilidade de gás ao mercado – o waiver da UTGCA, segundo o IBP, aumentou em 6%, na média, a oferta de gás desde 2021. E defendem a ampliar o escopo da possibilidade de waiver para além do gás do pré-sal e para qualquer consumidor; e que a flexibilização seja concedida por prazos maiores. O IBP, aliás, tenta convencer o regulador a mudar o critério das excepcionalidades: alega que não há necessidade de manter os limites dos componentes do gás, contanto que sejam assegurados parâmetros físico-químicos e limites de contaminantes e inertes. Assim, garante-se o uso seguro e sem necessidade de ajustes junto aos equipamentos dos consumidores – preocupação levantada pela indústria. Os produtores pedem que a autorização especial seja válida enquanto o agente conseguir atender esse critério – uma forma de dar mais previsibilidade aos agentes.
Já os consumidores são contra as excepcionalidades: Abiquim (indústria química), Abividro (indústria de vidros), Abemi (engenharia industrial), Abrace e Anace (consumidores de energia) e Firjan chegaram a assinar uma nota conjunta pedindo a retirada dos artigos que permitem as autorizações especiais. Para os consumidores, mudanças nas especificações impactam na eficiência operacional: para fábricas de fertilizantes, por exemplo, quanto maior o volume de metano, melhor o rendimento da planta; para o vidro, a estabilidade da flama conta etc. A Abiquim tenta restringir as flexibilizações junto à ANP. Sugeriu, na consulta pública sobre a minuta, por exemplo, que sejam estabelecidos limites máximos específicos para exceções de composição no gás do pré-sal, limitando as variações permitidas em até 5 p.p. sobre o limite mínimo atual para o metano e de até 2 p.p. no caso do etano. Também defende a comunicação antecipada das variações excepcionais e que os waivers sejam válidos por períodos de no máximo um ano; e que a concessão de autorização para operar fora dos limites especificados sejam obrigatoriamente condicionada à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) – acompanhada de compromissos específicos e verificáveis para retorno à conformidade.
Fonte: Eixos / GasWeek
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