Reportagem do portal eixos mostra que o gás natural dos produtores do Nordeste, enfim, chegou ao Centro-Sul. A interconexão entre as redes de gasodutos da Transportadora Associada de Gás (TAG) e da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) derruba a principal barreira para o pleno funcionamento da malha integrada nacional. E desenha uma nova dinâmica de mercado em 2025: ao menos duas produtoras de gás da região já iniciaram o movimento em direção aos principais centros de consumo do país: a Origem celebrou um contrato com a CSN, no Rio, no mercado livre; e a Brava Energia começou a fornecer gás para a Comgás, em São Paulo. Além delas, a Eneva, que opera o hub de Sergipe, também contratou a interconexão e começou a acessar novos mercados para o seu gás natural liquefeito (GNL) importado.
Mas o que mudou, afinal?
A ANP emitiu, na virada do ano, a autorização para a operação da interconexão – um processo cuja análise, pelo regulador, se estendeu desde 2023. A interligação na Estação Cabiúnas, em Macaé (RJ), consiste na conexão física entre os gasodutos da TAG e NTS e permite a transferência bidirecional de até 20 milhões m³/dia entre as transportadoras. Uma obra de R$ 46 milhões e de apenas 850 metros, mas que muda a dinâmica do mercado. Até então, as redes operavam de maneira segregada: o Terminal de Cabiúnas (Tecab) conseguia exportar gás do Rota 2 tanto para a NTS quanto para a TAG, mas por instalações separadas – e pertencentes à Petrobras. Não quer dizer que as redes do Sudeste e Nordeste não conversassem entre si. Embora não houvesse uma conexão direta entre as duas malhas, era possível, a partir do Tecab enviar volumes do pré-sal para a malha da TAG. Shell, Galp e Equinor, alguns dos agentes que encabeçaram a abertura do mercado, na virada de 2021 para 2022, se valeram desse caminho. Do ponto de vista dos fluxos físicos de molécula, portanto, no dia a dia, a malha funcionava como um sistema integrado. O gás, em geral, segue o sentido Sudeste-Nordeste – e assim deve continuar. E mesmo quando era necessário inverter o sentido, era possível gerenciar essas mudanças no fluxo, mas com a interface da Petrobras. Mas o Tecab só permite essa flexibilidade para a injeção de gás offshore das bacias de Campos e Santos. E do ponto de vista comercial, a falta de uma conexão independente impunha complexidades (inclusive fiscais) que barravam a chegada do gás dos produtores do Nordeste ao Centro Sul (à exceção do Espírito Santo, que se encontra na malha da TAG, antes da interconexão). “Sem a independência naquele ponto, não poderia ocorrer troca de custódia dentro de uma instalação na Petrobras, por exemplo”, comenta o diretor Comercial e Regulatório da TAG, Ovídio Quintana.
Independência
A lógica operacional seguia até então o desenho herdado da época do monopólio em que a Petrobras era dona dos gasodutos e gerenciava esses fluxos dentro de uma infraestrutura associada aos seus ativos de processamento. A partir do momento em que as transportadoras foram privatizadas, surgiu a necessidade da interconexão — que é, antes de tudo, um avanço para a fusão de áreas de mercado. Sem que o gás precise passar mais pela infraestrutura da Petrobras – um concorrente – os agentes podem agora negociar mais diretamente suas moléculas. A diretora Comercial da Origem Energia, Flávia Barros, conta que a interconexão foi importante para viabilizar a entrada da companhia no mercado livre do Sudeste. “Para fazer nossa molécula chegar na malha da NTS precisávamos de uma terceira parte. A interconexão deu mais fluidez, simplificou”, afirma. “O que a gente busca no mercado de gás, com o marco regulatório de 2021 [Lei do Gás], na prática, é o unbundling, a independência do midstream. O midstream independente é que vai gerar competitividade, um grande e interessante jogo de preços, afirma o CEO da NTS, Erick Portela. A tarifa de contratação do transporte nessa nova interconexão possui um desconto de 90%, o que ajuda a mitigar os custos de utilização do trânsito entre as duas redes. “O próximo passo é evoluir para reduzir o custo da interconexão, num movimento de facilitar a vida do usuário, para que no futuro ele não precise contratar nem a interconexão”, defende Quintana. Aliás… a consulta prévia aberta pela ANP para revisar a Resolução 15/2014 (critérios de cálculo das tarifas de transporte) entrará também na discussão sobre os critérios e diretrizes para o repasse de receitas entre transportadoras nas interconexões.
Uma nova geografia da abertura do mercado?
Com a interconexão das malhas da TAG e NTS e a chegada do gás nordestino ao Sudeste, o desenho da nova geografia da abertura do mercado se reforça. O Nordeste foi o primeiro grande laboratório dos novos entrantes (e é onde o mercado, de fato, se desconcentrou), mas o direcionamento de gás privado para o Centro-Sul é uma tendência em curso. E a expectativa é que o Sudeste (com a força de atração de seu mercado consumidor) gradualmente puxe esse gás que antes ficava “aprisionado” no mercado nordestino (ou pelo menos parte dele). No sentido contrário, a interconexão significa, no limite, poder levar gás boliviano (ou futuramente o argentino) até o Nordeste. Ou seja, um mercado interconectado é um mercado com mais liquidez. Para Ovídio Quintana, esse redesenho do mercado deve ter implicações diretas sobre o preço do gás daqui para frente. “A interconexão estimula a maior participação e atração de agentes. E quando você gera mais opções, os fluxos podem acontecer naturalmente. E quando você eleva as opções, aumenta o poder de barganha de quem compra”, afirma.
Fonte: Eixos
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