Uma disputa sobre quem deve pagar pelo transporte do gás natural para usinas termelétricas gerou novo impasse em meio à urgência da realização do leilão de segurança energética (reserva de capacidade), considerado essencial para garantir o suprimento de energia elétrica, principalmente nos horários de maior consumo. O embate gira em torno de quem deve arcar com os custos da infraestrutura dos gasodutos: o gerador que contrata o serviço das empresas que operam essa malha ou todos os consumidores, via um novo encargo de energia. O modelo atual do leilão exige que as usinas incluam nas propostas o custo do transporte de gás, o que acaba pesando sobre termelétricas conectadas à malha, que já enfrentam tarifas consideradas elevadas. As companhias que operam os gasodutos – representadas pela ATGás – defendem o modelo chamado de “pass through”, que propõe excluir esse custo dos contratos das térmicas e repassá-lo aos consumidores. A proposta, apresentada ao MME, permitiria diluir o custo da malha na conta de luz. A sugestão, no entanto, preocupa grandes consumidores industriais, que veem riscos de subsídio cruzado entre setores, além de abrir precedentes para outros certames. “O custo do gás para cada projeto, incluindo a molécula e a sua disponibilização, seja pela malha de gasodutos, seja por uma instalação de regaseificação, seja por um poço próprio, deve estar refletido no ‘bid’ [proposta] de cada empreendedor no leilão, garantindo que não haja subsídios cruzados entre o setor elétrico e o de gás natural”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, associação que representa grandes consumidores de energia. O custo da malha é fixo, e cerca de 40% do total é bancado pelo setor elétrico por meio das térmicas, que pagam tanto pelo uso quanto pela disponibilidade do ativo. As transportadoras alegam que, sem o repasse, a infraestrutura pode ficar subutilizada, com aumento de tarifas para os poucos que permanecem conectados à rede.
Ovidio Quintana, diretor comercial e regulatório da TAG, empresa controlada por Engie e CDPQ, frisa que a proposta feita ao MME não aumenta os ganhos para as transportadoras, já que se trata de uma receita fixa e regulada, mas o rateio deste custo por mais usuários desta infraestrutura é bom para a modicidade. Além disso, evitaria a contratação de novos navios de gás natural liquefeito (GNL) e a cobrança duplicada do custo das embarcações, que já estão amortizadas por leilões anteriores. “No setor elétrico, os contratos firmados preveem o aluguel dos navios regaseificadores por um período de 15 anos, e esse custo já está sendo repassado à conta de luz dos consumidores”, afirma. “Não faz sentido cobrar o transporte do gás nacional do pré-sal e não cobrar o GNL importado”, frisa. A proposta enfrenta resistência de empresas como a Eneva, já que parte de suas térmicas opera na “boca do poço” – sem necessidade da malha – e seu projeto de GNL nem sempre depende da infraestrutura de transporte. O diretor-executivo de marketing da empresa, Marcelo Cruz Lopes, entende que colocar os preços dos gasodutos ou do GNL no preço das térmicas é dar isonomia de competição. Entretanto, retirar o custo das usinas que usam a malha é distorcer a competição.
A empresa estima que, se o repasse for aprovado, o impacto na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – encargo pago pelos consumidores na tarifa – pode chegar a R$ 5 bilhões. “Este dinheiro será pago da mesma forma para as transportadoras e vai para conta de encargo”, afirma. “Não concordamos que este custo exorbitante seja empurrado para o consumidor de energia elétrica”, acrescenta. Para Rogério Manso, presidente da ATGás, o que não faz sentido é que o custo esteja atrelado aos contratos das térmicas, uma vez que a tarifa é regulada pela ANP, que não aprova contratos com horizonte tão alongado – de até 30 anos, como ocorre no setor elétrico. O dirigente ainda critica as empresas que utilizam navios de GNL na costa brasileira, como a Eneva. “Quem está no GNL acha que essa vantagem tem que se perpetuar para sempre.” Manso relembra o caso da própria Eneva, cuja movimentação de gás no hub de Sergipe foi interrompida temporariamente devido a falha na tubulação que conecta a unidade flutuante de regaseificação (FSRU) ao gasoduto marítimo. “Felizmente, o terminal estava conectado e conseguiu ser despachado com gás que veio da TAG”. Já Lopes rechaça o modelo proposto pelas transportadoras que transfere o risco econômico para os consumidores. Para ele, é preciso uma análise aprofundada dos custos ou uma revisão tarifária adequada, e sugere que os demais usuários da malha pleiteiem a exclusão dos gasodutos já depreciados da base regulada de ativos. “A média de depreciação da malha de gasodutos de transporte de gás no Brasil é superior a 80%. Se tivesse uma revisão tarifária, hoje essa tarifa deveria ter sido ajustada para baixo”, afirma. A decisão está nas mãos do ministério. Procurada, a pasta disse que as áreas técnicas estão debruçadas sobre a questão, levando em consideração as melhores alternativas ao consumidor. Enquanto isso, aumenta a preocupação com a segurança energética no Brasil. Já há sinais de que o sistema pode não ter capacidade suficiente para atender a momentos de maior demanda nos próximos anos e a margem de operação está ficando mais estreita. O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) foi obrigado a antecipar o início do suprimento de energia de térmicas do leilão de 2021. Essas usinas somam 2,2 gigawatts (GW) de capacidade instalada.
Fonte: Valor Econômico
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