A ANP propõe, na discussão sobre os critérios para cálculo das tarifas de gasodutos, uma regra para evitar novos tarifaços ocasionados por frustração de demanda. Pelos termos da minuta de resolução em consulta pública, a tarifa de referência (aquela estimada no início da oferta de capacidade) não será mais recalculada (para cima), ao longo do processo, se a demanda projetada não se confirmar. O rito será o seguinte: na hora de dimensionar a proposta de tarifa, o transportador apresentará à ANP uma projeção de demanda por capacidade firme para o horizonte de cinco anos. Na etapa de manifestação de interesse: se a demanda for superior à projetada, a tarifa de referência será reavaliada (para baixo), para que a receita do transportador não ultrapasse o seu limite: a Receita Máxima Permitida (RMP); mas se for inferior, será mantida a tarifa de referência. Nesse caso, o transportador poderá recuperar suas receitas frustradas, até o limite da RMP, por meio dos produtos de curto prazo. Hoje, as receitas oriundas dos contratos diários, mensais e trimestrais, por exemplo, são ganhos extras que vão para a Conta Regulatória e são revertidas, posteriormente, em benefício dos usuários do sistema.
Transportadoras veem com ressalvas
As transportadoras receberam a proposta com ressalvas. A mudança é um ponto de atenção dos agentes do setor na discussão sobre os novos critérios para cálculo das tarifas – a revisão da Resolução 15/2014. O mecanismo proposto pela ANP não afeta a garantia de receitas para o transportador. Mas pode mudar a dinâmica do fluxo de caixa das empresas: adiciona a incerteza se a recuperação da receita com os produtos de curto prazo se dará no mesmo ano fiscal ou não, por exemplo. Para os usuários, o mecanismo vem em linha com o pleito por estabilidade nas tarifas. Algo que esteve em xeque, por duas vezes desde 2024, nos episódios de tarifaço ocorridos na malha da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG). Durante a consulta prévia sobre a revisão dos critérios de cálculo das tarifas, aliás, um dos pleitos recorrentes dos carregadores (quem contrata os gasodutos) foi usar o saldo da Conta Regulatória, prioritariamente, para modicidade tarifária.
Mudança mexe na conta regulatória
O modelo proposto pela ANP, aliás, pode ter implicações no fluxo da conta regulatória, já que as receitas com produtos de curto prazo só serão computadas no saldo quando não aplicadas no mecanismo de compensação das transportadoras citado acima. A minuta de resolução entra na sistemática de apuração, controle, transparência e uso da conta, cujo funcionamento segue, hoje, as disposições de uma nota técnica. A conta regulatória registra as diferenças entre a receita máxima permitida dos transportadores e a receita efetivamente auferida durante o período tarifário (o ano). É um mecanismo criado para evitar cenários de: subarrecadação: rescisões contratuais por parte de usuário e não cobertas por garantias; sobrearrecadação: valores recebidos pelas transportadoras com produtos de curto prazo (quando não forem para compensação das transportadoras), penalidades, excedentes autorizados e não autorizados, além de prêmios dos leilões de capacidade, são adicionados no saldo dessa conta. A minuta define que o saldo da conta poderá ser revertido, a critério da ANP, em investimentos na infraestrutura de transporte e nas tarifas de transporte – ou ser destinado a outros fins. Ou seja, deixa um campo aberto nesse sentido. Em tempo: além da sistemática da conta, a minuta de resolução descortina alguns pontos que estão umbilicalmente ligados às revisões tarifárias das transportadoras deste ano, como: a sistemática da definição da Receita Máxima Permitida (RMP); procedimentos de valoração da Base Regulatória de Ativos (BRA); e multiplicadores para tarifas de serviços de transporte.
Tarifaços tiveram soluções diferentes
Desde o ano passado, o mercado foi sacudido por dois casos do tipo, por frustração de demanda, em processos de oferta de capacidade da NTS e da TBG – cujo desfecho só ocorreu em meados deste ano. Em ambos os casos, houve um descasamento entre o cenário de referência e a demanda sinalizada na fase de manifestação de interesse. O desequilíbrio no jogo levou, então, à necessidade de recálculo das tarifas de referência. E para que os choques tarifários não se confirmassem, onerando os usuários, os casos tiveram de ser contornados por meio de diferentes saídas: no caso da NTS, a ANP chegou a um acordo com a Petrobras para aumentar a capacidade reservada pela estatal em Caraguatatuba (SP) – e, assim, amenizar o choque;
no caso TBG, a saída foi o uso de 60% do saldo da conta regulatória, solução que foi alvo de disputa entre a agência e a transportadora.
Fonte: Eixos
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