Além de direcionar o leilão de gás natural da União para produção de fertilizantes, as diretrizes do certame desenhadas pelo MME miram um CEP específico. Em linha com a promessa do ministro Alexandre Silveira (PSD) de destinar o gás da União até o polo gás-químico do Triângulo Mineiro, a minuta da resolução do CNPE com as diretrizes do leilão combina características que favorecem a contratação do gás pelo futuro polo gás-químico projetado para a região. A expectativa inicial do governo era sacramentar essas regras na reunião do CNPE de 5 de agosto, mas o encontro foi cancelado, em parte, por falta de consenso no governo sobre a pauta – que não tratava apenas do leilão do gás da União, mas também do programa Gás para Todos (subsídio para compras de botijão de gás) e do decreto do mandato do biometano. O direcionamento do gás da União para a produção de fertilizantes em Uberaba (MG) frustra as pretensões da indústria, que vê no leilão estruturante uma forma de acessar um gás mais barato e ganhar competitividade. Em paralelo às discussões sobre a formatação do certame, no Executivo, há uma disputa pelo gás da União no Congresso Nacional, onde diferentes parlamentares, por meio das emendas à Medida Provisória 1304/2025, tentam redesenhar o modelo do leilão.
Um gás para chamar de meu
Uma série de emendas à MP 1304 tenta delimitar quem pode ter acesso ao leilão do gás da União. Cota para o transporte: a proposta é garantir, no mínimo, 20% do volume para atendimento de caminhões a gás, para substituição de diesel. É um pleito que encontra apoio entre as distribuidoras de gás e o agro. Um dos candidatos naturais é a Virtu GNL, que desenvolve um projeto pioneiro de infraestrutura de postos de abastecimento de gás natural liquefeito (GNL). As emendas são assinadas pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB) e pelos deputados Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), Paulo Bilynskyj (PL/SP), Marussa Boldrin (MDB/GO), Hugo Leal (PSD/RJ) e Benes Leocádio (União/RN). Gás direto para o consumidor: emendas dos deputados João Carlos Bacelar (PL/BA) e Zé Vitor (PL/MG) vedam a participação de produtores e importadores no leilão. Deixam de fora, assim, não só a Petrobras, o agente dominante, mas outros agentes relevantes do mercado, como a Edge, Shell, Galp, Equinor, Eneva, PetroReconcavo, Brava e Origem. Bacelar alega que a inclusão de produtores e importadores pode concentrar ainda mais o mercado e reduzir os efeitos concorrenciais esperados. Comercializadores no jogo: o senador Laércio Oliveira (PP/SE) e o deputado Kim Kataguiri (União/SP), por outro lado, propõem que o gás da União possa ser comprado, via leilão, tanto por usuários finais quanto por comercializadores. Ampliam, portanto, o escopo da concorrência para além das indústrias – que levantam a bandeira de um leilão sem intermediários. Os parlamentares justificam que a proposta evita práticas discriminatórias, promove a formação de preços mais eficientes e maximiza, assim, o retorno para a União. Sem intermediários: existe um movimento também para impedir que a PPSA terceirize a comercialização do gás da União para a Petrobras. Uma bandeira ligada aos consumidores industriais. Emendas dos deputados João Carlos Bacelar (PL/BA) e Julio Lopes (PP/RJ) vão nesse sentido, sob a alegação de que se trata de uma medida necessária para promover a abertura efetiva do mercado. A MP 1304/2025 permite esse arranjo – a contrapartida alcançada nas negociações entre governo e a Petrobras em torno das condições de acesso da PPSA aos sistemas de escoamento (SIE) e processamento (SIP) do pré-sal.
Indústria pede gás também para parque existente
O modelo de leilão desenhado pelo MME, com foco na produção de fertilizantes (e em Uberaba), frustra as expectativas do setor industrial – alimentadas pelo próprio governo – de ter acesso ao gás competitivo. Falta gás para todos. A PPSA projeta que a capacidade de oferta da União chegará a um pico de 3,5 milhões de m³/dia em 2031, mantendo-se acima de 3 milhões de m³/dia por cinco anos consecutivos. O MME estima que só o Polo de Uberaba (o que inclui a nova fábrica de fertilizantes e investimentos da Be8 Energy em biorrefino) possa demandar até 3,6 milhões de m3/dia. Estabelecer prioridades é, de certa forma, limitar a demanda – e, em leilão, isso se traduz em menor concorrência e preços mais baixos pela compra do gás. Em linha com o objetivo de ofertar um gás mais competitivo, mas que pode impactar na arrecadação para a União (num quadro fiscal difícil). Para o presidente da Abividro, Lucien Belmonte, o modelo do leilão, da forma que está sendo desenhado, ignoraria as dificuldades enfrentadas pela indústria já instalada por acesso a um gás competitivo. “Faz sentido fazer um leilão mirando um projeto greenfield como destino específico, tendo uma série de instalações paradas?”. O diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon, defende que destinar o gás da União ao parque industrial existente também contribuiria para atingir objetivos do Gás para Empregar, como geração de emprego e renda, descarbonização e atração de investimentos. “É claro que o gás é da União e que a União, por meio de uma política pública, pode estabelecer o melhor entendimento dela para os interesses do país. Respeitamos isso. Mas, no nosso entendimento, se esse gás viesse num processo competitivo que abarcasse toda a indústria ele também poderia ser usado para fins nobres, como novos usos para o gás no processo produtivo, por exemplo”. O presidente da Abiquim, André Passos, acrescenta que o setor opera, hoje, com elevada capacidade ociosa e defende isonomia no processo. “Nosso pleito foi sempre o do acesso garantido a esse gás tanto para quem está com elevada capacidade ociosa quanto para quem tome decisões de novos investimentos. Se não, corremos o risco de viabilizar novos entrantes às custas de quem já investiu”
Isonomia no escoamento e processamento
Outro foco das emendas está nas regras de compartilhamento das infraestruturas essenciais. O texto original da MP 1304 atribui ao CNPE o poder de determinar as condições (incluindo o valor) de acesso (especificamente do gás da União) ao SIE/SIP, além do sistema de transporte. SIE/SIP para todos. Os senadores Laércio Oliveira (PP/SE) e Luis Carlos Heinze (PP/RS) e os deputados Arnaldo Jardim (Cidadania/SP) e Sanderson (PL/RS) propõem, no entanto, que o CNPE possa definir, em regime transitório, as condições de acesso ao SIE e SIP não apenas para o gás da União, mas para todos os agentes. É um pleito ligado aos consumidores industriais. Uma forma de ampliar os efeitos da medida sobre o mercado de uma forma geral, já que o alcance do gás da União, em termos de volume, é pequeno. Na contramão, há também um outro movimento para derrubar o artigo que delega ao CNPE o poder de definir os valores do acesso, sob a alegação de que o dispositivo afronta a Lei do Gás de 2021, que prevê o acesso negociado de terceiros. O pleito encontra apoio dos produtores. E é capitaneado, no Congresso, pelos deputados Rodrigo Valadares (União/SE), Fernando Máximo (União/RO), Benes Leocádio (União/RN), Marussa Boldrin (MDB/GO), Paulo Bilynskyj (PL/SP), Marangoni (União/SP) e Jaime Bagattoli (PL/RO). E até o conflito federativo sobre os critérios para classificação dos gasodutos, propostos pela ANP entrou nas emendas. Propostas de Max Lemos (PDT/RJ) e João Carlos Bacelar (PL/BA) excluem da Lei do Gás de 2021 o comando legal para que a agência defina os limites de diâmetro, pressão e extensão que devem nortear a classificação dos gasodutos de transporte pelo regulador.
Um pleito que encontra apoio entre as distribuidoras
“O objetivo é dar um entendimento melhor para o que foi pretendido pela Lei do Gás. A ANP está atropelando esse entendimento”, comenta o presidente executivo interino da Abegás, Marcelo Mendonça. A diretora da ANP, Symone Araújo, negou que o regulador esteja adentrando nos limites de competência dos estados, com a proposta. Ela alega que a intenção da agência é cumprir o comando legal e que a regulamentação tem o mérito de reduzir a assimetria de informações em relação aos projetos das distribuidoras estaduais.
Fonte: Eixos
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