A ANP encerrou, no dia 17, a consulta pública sobre o 1º Plano Coordenado das transportadoras de gás natural, em meio a questionamentos sobre o impacto dos novos investimentos nas tarifas. O planejamento decenal das transportadoras foi recebido com dúvidas no mercado – em especial sobre como ele conversará com o Plano Nacional Integrado de Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB), da EPE. A estatal espera colocar o novo plano em consulta pública ainda este mês. O Conselho de Usuários (CdU) pede cautela à ANP na aprovação de novos investimentos, enquanto a Abegás e a Eneva chegaram a pedir, sem sucesso, a interrupção da consulta pública do Plano Coordenado. O documento propõe, ao todo, 30 projetos na malha de gasodutos e que somam R$ 37 bilhões em investimentos. Reúne projetos em diferentes estágios de maturidade – alguns deles em fase pré-conceitual – e de diferentes perfis: desde novos gasodutos para interiorização da malha a intervenções de menor porte, como estações de compressão (Ecomps) e conexões da malha a novas fontes de suprimento.
Usuários pedem cautela
O Conselho de Usuários, que representa o interesse dos carregadores (quem contrata a capacidade dos gasodutos), manifestou preocupação com o impacto tarifário dos investimentos. E levantou questionamentos à ANP, na consulta pública, sobre o real papel do Plano Coordenado. Existe um receio de que a aprovação do plano funcione como um aval da ANP à realização de todos os 30 projetos das transportadoras – e dúvidas sobre como esses investimentos serão incorporados na Base Regulatória de Ativos (BRA) e, por consequência, nas tarifas. O CdU pede que nenhum investimento seja aprovado sem o devido crivo das entidades competentes e prévio diálogo com o mercado – e que seja definido, portanto, um rito regulatório e governança pela ANP para eventual aprovação de investimentos relacionados ao plano. Esse rito, segundo o CdU, determinaria que investimentos devem ou não ser considerados integrantes do sistema de transporte e como seus custos serão incorporados à BRA. O Conselho defende, por exemplo, a necessidade de se separar da BRA aqueles investimentos que têm o propósito de atender a interesses específicos, para evitar socializar custos indevidos e criar subsídios cruzados. “Como a ANP ainda não regulou o tema, há incertezas sobre como e em qual momento tais investimentos serão aprovados e traduzidos em receita às transportadoras (incorporados à BRA), ou colocados à disposição para execução por outros interessados”, cita o CdU em sua contribuição. O Conselho entende haver outras fragilidades no planejamento, como: projeções de oferta e demanda com premissas desatualizadas; ausência de projetos da TSB e GOM; falta de análise de sensibilidade para projetos concorrentes entre si; e falta de análise de custo-benefício de projetos. O CdU cita, por exemplo, que aEcomp Japeri (RJ), do projeto Corredor Pré-Sal da NTS, é um projeto já pacificado, mas que falta, por outro lado, mais clareza sobre a necessidade da Ecomp Itajuípe (BA), da TAG.
Para transportadoras, plano dá visibilidade
As transportadoras veem o Plano Coordenado, por sua vez, como um documento de referência para dar mais visibilidade sobre os investimentos pretendidos pelas empresas do setor. O presidente-executivo da Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Rogério Manso, saiu em defesa do Plano. Ele acredita que o planejamento das transportadoras ainda passará por um “processo evolutivo” e caminhará, no futuro, para ser um plano “com caráter um pouco mais determinativo”. Mas que, nesse primeiro momento, a aprovação do plano não funcionará como uma autorização automática para os projetos. “Ele vai ser uma referência, mas ele não vai ser hoje do tipo: ‘foi aprovado, eu vou sair para construir’. Até porque vários projetos ainda estão em fase pré-conceitual, a maioria dos projetos na verdade… vai passar por processo de FID [decisão final de investimento] nas transportadoras, vai passar por processo de teste de demanda…”, disse. Entre os projetos considerados mais maduros pelas transportadoras estão os reforços à segurança do suprimento, com destaque para a construção de estações de compressão nas rotas da NTS (Japeri/RJ), TBG (Gaspar/SC) e TAG (Itajuípe/BA). Manso defendeu a aprovação desses projetos, para não engargalar o sistema, e que a agenda regulatória da ANP precisa andar – numa resposta ao pedido da Abegás para suspensão de todas as consultas públicas em aberto que tratam do setor de transporte. A ANP, aliás, negou esta semana o pedido da Abegás para prorrogar a consulta pública sobre o Plano Coordenado. As distribuidoras defendem que as consultas sobre tarifas e sobre o Plano Coordenado deveriam aguardar o desfecho do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) em 2026 – e que vai dar um sinal mais claro sobre a demanda por capacidade dos gasodutos pelas termelétricas.
Plano Coordenado versus PNIIGB
O Plano Coordenado servirá como insumo ao Plano Nacional Integrado (PNIIGB), novidade trazida pelo decreto 12.153/2024. A interação entre os dois planejamentos (uma das transportadoras, outro estatal) levantou dúvidas no mercado. O Conselho de Usuários entende que há riscos de sobreposição de processos (o PNIIGB, por exemplo, tem uma chamada pública própria para estimativas de demanda) e pediu esclarecimentos à ANP se a aprovação do Plano Coordenado irá subsidiar o Plano Integrado; ou terá o condão de aprovar os investimentos contemplados no documento da EPE. O Plano Coordenado é uma herança da Lei do Gás de 2021. É um plano proposto pelos transportadores que contempla as providências para otimização, reforço, ampliação e construção de novas instalações do sistema de transporte, conforme regulação da ANP, a quem cabe analisar e aprovar a proposta, após consulta pública. O Plano Integrado faz parte das mudanças introduzidas pelo decreto 12.153/2024 e visa subsidiar a ANP no processo de outorga de novos projetos (não só de transporte). A EPE indicará, por meio do PNIIGB, as melhores alternativas de expansão das infraestruturas. O decreto diz que a ANP poderá solicitar à EPE a elaboração de estudos específicos para suporte à outorgas e, inclusive, aos planos coordenados. Por outro lado, a EPE poderá solicitar à ANP informações sobre os planos coordenados para subsidiar o Plano Integrado. Os planejamentos, portanto, retroalimentam-se, disse Heloísa Borges, da EPE. Ela explica que o grau de maturidade dos projetos é o principal diferencial entre eles. Nem todos os projetos apresentados pelas transportadoras serão necessariamente incorporados ao Plano Nacional Integrado. A maior parte ainda se encontra em fase pré-conceitual e de baixa maturidade. “[O Plano Coordenado] tem diferentes graus de maturidade do projeto. Tem projetos que ainda estão no campo das ideias e não tem nem traçado definido. Tem projetos que são alternativos”. “Quando ainda precisa de amadurecer, uma coisa muito ainda na fase pré-conceitual, ele não entra no plano integrado”, disse a diretora da EPE. A primeira edição deve recomendar a construção de dois hubs para injeção de biometano na malha de gasodutos de transporte – um em São Paulo e outro no norte do Paraná. Outra novidade do Plano Integrado será a recomendação de uma rota de integração com o mercado argentino. O projeto segue sob sigilo, o plano vai sugerir a rota atualmente “mais madura”. O diretor-geral da TSB, Walter Farioli, antecipou que a EPE havia incorporado, nos seus estudos do Plano Integrado, o trecho Uruguaiana-Triunfo.
Falta um gestor de mercado?
A Eneva questionou a ANP sobre a competência legal da ATGás em propor o Plano Coordenado. A empresa pediu, inclusive, a interrupção da consulta pública sobre o planejamento, até que o assunto fosse avaliado pela Procuradoria Federal junto à agência e a associação fosse formalmente designada como gestora da área de mercado. O gestor da área de mercado é uma figura introduzida pela Lei do Gás de 2021 como um “ente regulado e fiscalizado pela ANP responsável pela coordenação da operação dos transportadores”. Pela lei, transportadores que operem em uma mesma área de mercado de capacidade deverão constituir o gestor, nos termos da regulação da ANP. Esse gestor, uma vez constituído, tem como uma de suas obrigações submeter o plano coordenado à aprovação do regulador. O decreto 12.153/2024, por sua vez, prevê que os planos coordenados podem ser submetidos pelos gestores das áreas de mercado ou pelos transportadores. As transportadoras entendem, por sua vez, que a criação do gestor só fará sentido quando o mercado tiver mais de um transportador operando na mesma área de mercado – hoje, TAG, NTS e TBG operam áreas diferentes, com tarifas diferentes entre si. A ATGás esclareceu, em nota, que, conforme previsto na Lei do Gás, o Plano Coordenado foi proposto pelos transportadores e que associação apoiou a elaboração e encaminhou o documento à ANP. A associação entende, ainda, que o momento pede “colaboração entre governo, iniciativa privada e sociedade para aprimorar o plano e propor melhorias, fortalecendo a abertura de mercado”.
Fonte: Eixos / GasWeek
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