A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) obteve este mês autorização da ANP para entrar na atividade de comercialização de gás natural. Um dos maiores consumidores livres do país e uma das figuras mais ativas no mercado spot, a CSN quer deixar apenas de comprar molécula e aproveitar oportunidades de venda de gás – sobretudo excedentes.
A presença de clientes industriais na comercialização não chega a ser uma novidade: a Unigel, uma das pioneiras do mercado livre de gás, manteve-se atuante no mercado spot entre 2022 e 2023, antes de suspender as operações das fábricas de fertilizantes de Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE). Mas foi só este ano que novos clientes industriais se lançaram nessa atividade, com as primeiras transações da Braskem – por meio da Voqen, seu braço de comercialização de gás e energia – e da Refinaria de Mataripe. Movimento natural do amadurecimento do mercado livre – e mais um passo na direção da construção de um mercado secundário de gás no país.
CSN quer maximizar ganhos no mercado livre
A CSN encara a entrada na comercialização como uma “evolução natural” dentro de sua gestão de portfólio, já que a companhia é um dos agentes mais ativos no mercado spot. O gerente-corporativo de Operação e Comercialização de Gás da CSN, Vinícius Oliveira, conta que a atuação na venda de gás foi planejada desde a migração para o mercado livre – concretizada em meados do ano passado. Vinícius Oliveira compartilhou a jornada de migração da companhia para o mercado livre e como a empresa conseguiu reduzir em 15% o seu custo com gás, mesmo sem a possibilidade de ganhos com a revenda até então.
A possibilidade de atuar tanto na compra quanto na venda de gás, segundo ele, traz mais flexibilidade à mesa de trading da companhia e permite à siderúrgica maximizar seus resultados – sobretudo diante do perfil errático de demanda da empresa, que tem na possibilidade de revenda uma forma, por exemplo, de mitigar perdas com frustração de consumo. “Nosso principal objetivo é maximizar resultados e eficiência operacional.
A CSN possui um perfil de consumo dinâmico, com variações significativas ao longo dos dias e até das horas, o que torna estratégico o acesso à venda de gás como ferramenta de mitigação de riscos e otimização econômica”, comentou Oliveira. “Nosso plano é fomentar o mercado de curto prazo e atuar de forma protagonista nesse novo cenário, aproveitando o momento de expansão e consolidação do gás natural em ambiente livre no Brasil”, complementou.
Gás spot se firma com preços mais baixos
A entrada dos grandes clientes industriais na comercialização de gás acontece num momento em que o mercado spot se consolida. Levantamento da agência eixos, com base em dados públicos da ANP, mostra que o número de contratos de curto prazo bateu novo recorde em 2025, antes mesmo de o ano acabar. Entre as indústrias, no mercado livre, foram 88 acordos assinados este ano, até agosto – ante os 45 no acumulado de todo o ano de 2024. Pela classificação da ANP, são considerados contratos de curto prazo aqueles com prazos inferiores a um ano. Na prática, porém, na maioria dos casos, tratam- se de ofertas spot, com prazos reduzidos (alguns dias a semanas). As distribuidoras estaduais de gás canalizado também estão redobrando a aposta nos contratos de curto prazo.
De acordo com a Wood Mackenzie, 50 contratos foram assinados no primeiro semestre, no mercado spot, pelas distribuidoras – ante 65 no acumulado de todo o ano de 2024. Ou seja, o ritmo segue de aceleração. E esse movimento tem um componente claro de competitividade associado. Segundo a consultoria, o preço spot atingiu uma média de 8,6% do Brent no primeiro semestre no mercado cativo, mantendo uma diferença significativa em relação ao benchmark utilizado em contratos firmes. Na média, o preço spot ficou 31% mais barato do que a média ponderada dos preços dos contratos firmes que as distribuidoras têm assinados com seus respectivos supridores. Para Javier Toro, gerente sênior de Pesquisa da divisão de Gás e Energia do Cone Sul da Wood Mackenzie, a aceleração do mercado spot – tanto no ambiente cativo quanto livre – traduz um cenário de sobreoferta. “Os agentes estão se aproveitando da sobreoferta no mercado spot: enquanto a demanda segue andando de lado, no Brasil, a oferta no mercado de curto prazo está crescendo”, comenta Toro. Ele cita que o quadro é influenciado tanto pelo crescimento da produção nacional de gás associado – com o ramp up da Rota 3 – e pelo aumento dos volumes de gás de oportunidade importados da Bolívia e Argentina na modalidade interruptível, pelos comercializadores privados.
Simplificação bem-vinda
Os agentes do mercado esperam uma simplificação na burocracia para atuarem como comercializadores – em especial junto às autoridades fazendárias e agências reguladoras estaduais – a partir da nova orientação do MME sobre o código da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). O comercializador atacadista de gás natural é uma figura que começou a ganhar corpo no mercado brasileiro em anos recentes e não conta, atualmente, com um código específico. A Comissão Nacional de Classificação (Concla) estabeleceu, então, uma solução de contorno. E o MME publicou, em agosto, uma Nota Informativa para tentar padronizar a questão e recomendar o uso da Subclasse 35.20-4/01 (referente à “produção de gás; processamento de gás natural”) para a indicação da atividade de comércio atacadista de gás natural, biometano e biogás, enquanto não houver uma revisão mais ampla da CNAE. Entenda: Para o registro de suas atividades perante os estados, os comercializadores consumidores livres precisam identificar suas respectivas subclasses na CNAE. Durante a tomada pública sobre harmonização regulatória, promovida pelo MME, alguns agentes relataram dificuldades em identificar uma subclasse apropriada para a atividade de trading – e a falta de uma interpretação harmônica criava dificuldades quando a interpretação da subclasse pelo fiscal da autoridade fazendária divergia da do agente, atrasando processos.
O coordenador do GT de tributação do gás no IBP, Rodrigo Novo, conta que a lacuna criava embaraços também junto ao compliance das empresas e que a nova orientação vem dar mais respaldo aos comercializadores. “Imagina um agente que não produz dizer que ele é um produtor de gás natural? Olha a exposição regulatória que ele assume sem nem ter o contrato de concessão [de exploração e produção]”. “Ou o agente que tinha de ir para um caminho bem mais espinhoso, que era se [identificar] como se fosse um distribuidor de combustíveis?”. Nesse ponto, aliás, Novo também acredita que as novas orientações sobre o CNAE reforçam o entendimento de que a comercialização de gás natural se trata de uma atividade própria – e a diferença entre a indústria do gás e a dos derivados de petróleo, por exemplo, é argumento recorrente do setor de gás na defesa pela retirada do gás da monofasia, na regulamentação da reforma tributária.
Fonte: Eixos
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