A aproximação entre agentes industriais brasileiros e autoridades da Bolívia esta semana, para negociações diretas de importação de gás natural do país vizinho por consumidores gás-intensivos, sem o intermédio da Petrobras, merece ser comemorada como um marco, de fato, na agenda da abertura do mercado.O canal aberto com o apoio manifesto do governo Lula é inédito na parceria comercial entre Bolívia-Brasil – historicamente marcada por um forte protagonismo entre YPFB e Petrobras, as estatais dos dois países. Presente na comitiva de representantes do governo e da indústria que viajou à Santa Cruz de La Sierra, na esteira da visita oficial de Lula ao país andino, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que há uma janela de oportunidades para que as importações se concretizem a partir de outubro – quando a Argentina deve deixar de comprar gás boliviano. Para os consumidores, a importação direta da Bolívia é uma oportunidade de acesso a um gás barato em relação aos valores do mercado nacional. Entre o início da aproximação entre as partes e a assinatura dos primeiros contratos entre a YPFB e as indústrias, porém, ainda há um caminho a ser percorrido… E será preciso colocar alguns pontos nos is. Afinal, qual o volume de gás disponível para as indústrias brasileiras? Como a Petrobras, principal cliente do gás boliviano, se comportará? Qual será, de fato, o preço da YPFB? E em que condições de fornecimento: firme? interruptível?
Os agentes industriais brasileiros esperam retomar as conversas com a YPFB até o fim do mês. Representantes do setor industrial que participaram da reunião com a YPFB convidaram membros da estatal boliviana a virem a São Paulo ainda em julho, para um roadshow – possivelmente na Fiesp – com empresários brasileiros. A expectativa, conta o presidente-executivo da Abiquim, André Passos, é que a YPFB apresente então mais detalhes sobre a modelagem de uma eventual venda direta, dando mais clareza sobre as condições comerciais – como modalidades de fornecimento (firme ou interruptível), volume disponível etc. Já os preços devem ficar para as negociações bilaterais com as indústrias. A primeira reunião entre as partes no dia 8, véspera da chegada de Lula à Bolívia, contou com a presença de membros das associações que representam as indústrias: Abiquim (química), Abividro (vidro), Abceram (cerâmica), Abrace (grandes consumidores) e Fiesp (indústrias paulistas). Da YPFB, os brasileiros ouviram o interesse da estatal de diversificar sua base de clientes. As condições comerciais, porém, não entraram na pauta. A expectativa, agora, é que a agenda avance para um relacionamento mais direto entre a YPFB e as empresas em si.
O quanto a YPFB vai cobrar pelo gás ainda é uma incógnita para a indústria, mas os consumidores brasileiros veem espaço para acessarem um gás competitivo. Baseiam-se na diferença entre o custo de importação e o preço do gás efetivamente cobrado pela Petrobras. A conta é a seguinte: a Petrobras compra o gás boliviano, na fronteira, por pouco mais de US$ 6 por milhão de BTU, mas a molécula é vendida pela estatal às distribuidoras por entre US$ 9 e US$ 11 o milhão de BTU, a depender do tipo do contrato. Acessar diretamente os bolivianos, sem o intermédio da estatal, portanto, seria uma oportunidade de comprar um gás a um preço mais aderente com os custos da importação em si – a petroleira costuma atribuir o fato de não ter um gás barato aos custos do pré-sal e do GNL embutidos no seu preço. “Queremos um gás que nos permita ganhar competitividade com um custo realista”, disse o presidente da Abividro e coordenador-geral do Fórum do Gás, Lucien Belmonte. Ainda não está claro também qual o volume de gás disponível para negociações diretas entre a YPFB e a indústria brasileira. Ao discursar, em Santa Cruz de La Sierra, Silveira disse que há espaço, a curto prazo, para que a indústria importe cerca de 4 milhões de m3/dia a partir de outubro – quando a Argentina deve deixar de importar gás boliviano, liberando, em tese, o volume para o mercado brasileiro. Silveira mencionou ainda que outros 2 milhões de m3/dia podem ser trazidos de Vaca Muerta, pela infraestrutura de gás boliviana atualmente ociosa – também a partir de outubro, com a conclusão da reversão do Gasoducto Norte, na Argentina.
A indústria nacional busca maneiras de negociar diretamente com a YPFB, sem o intermédio da Petrobras – mas, ao cabo, a estatal brasileira, ainda que indiretamente, é peça-chave dentro das pretensões dos consumidores. A forma como a Petrobras se comportará na relação comercial com a Bolívia afeta a capacidade da YPFB de atender à demanda industrial – o país vizinho enfrenta dificuldades para repor suas reservas de gás e o cenário de oferta não é folgado por lá. A petroleira brasileira tem um acordo com a YPFB, para redução dos volumes de importação no inverno – é uma forma de a boliviana conseguir fechar o seu balanço de suprimento à Argentina, no período mais crítico de demanda. Com a esperada autossuficiência argentina do gás boliviano, a Petrobras – sob a direção alinhada de Magda Chambriard com a agenda do Planalto – retomará os volumes cedidos à Argentina? A Petrobras é, historicamente, a grande parceria da YPFB. Uma parceria que não se resume à compra da molécula, mas que envolve a própria produção de gás na Bolívia. A estatal brasileira acena para a intenção de investir para recuperar as reservas do país andino – uma equação que tende a colocá-la numa posição mais confortável em qualquer negociação. “[No momento] só o que está claro é que existe a disposição [da YPFB] de fazer contratos diretos. Esse foi o avanço”, comentou Passos, da Abiquim.
A posição da Petrobras nesse jogo pode influenciar não só no volume de gás boliviano de fato disponível para venda a outros agentes no Brasil, mas também na condição desse fornecimento – ou seja, se haverá gás firme ou apenas modalidades interruptíveis. Hoje, a maioria das comercializadoras que possuem contratos com a YPFB – salvo exceções como o da MGás – têm contratos interruptíveis e têm tido dificuldades de efetivar as importações de forma mais recorrente. Indústrias como a de cerâmica e vidro dependem, do ponto de vista operacional, de condições mais firmes de suprimento, enquanto a indústria química tem mais flexibilidade a produtos interruptíveis e ofertas mais sazonais. “Na indústria que usa o gás como matéria-prima para produzir fertilizantes e químicos, por exemplo, você pode [operacionalmente] produzir um volume de produto, estocar, depois parar. Com a capacidade ociosa que a indústria química está… Mas para isso precisa de um volume considerável, o intermitente em baixo volume é complicado”, disse Passos.
Sem folgas na oferta, há uma concorrência posta pelo gás boliviano. Independentemente da posição que a Petrobras virá a assumir. A YPFB possui, hoje, autorização da ANP para comercializar gás no mercado nacional. Contudo, ainda não está claro se a boliviana estruturará de fato o seu braço de trading para operar no Brasil – ou se até mesmo comercializadores privados entrarão no jogo. “Quanto menos intermediário, para a gente da indústria, melhor… Mas, ao fim, a gente não vê cara, nem coração. A gente vê preço”, disse Passos. “Vai ser uma negociação dura”, completou. O grupo J&F tem ampliado a sua presença no país vizinho e é um candidato a concorrente. Comprou recentemente a comercializadora MGás – que possui contrato firme com a YPFB. E entrou também na produção de gás na Bolívia por meio da Fluxus. Promete investir US$ 100 milhões para ampliar a produção no país vizinho – de olho, sobretudo, na demanda das termelétricas da Âmbar Energia, do mesmo grupo, da ordem de 15 milhões de m3/dia. Mas também mira oportunidades de comercialização para a indústria. A Gas Bridge, comprada pela argentina Pluspetrol, também tem estruturado a importação de gás argentino, via Bolívia. E tem histórico de relacionamento com a YPFB.
A aproximação entre a indústria brasileira e a YPFB é uma entrega política de Silveira para o governo Lula, em linha com as promessas do Gás para Empregar de aumentar a competitividade do gás. O governo está amarrando, internamente, algumas novas propostas para redução do custo da infraestrutura do gás no país. “[Com a chance de importação direta da Bolívia] Passa a ser urgente a redução dos custos de transporte e distribuição, que somam US$ 4 o milhão de BTU”, afirmou Lucien Belmonte.
Fonte: Epbr
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