Em artigo publicado no portal da Brasil Energia, a consultora Ieda Gomes afirma que,
Em 2025, o Brasil iniciou um novo capítulo na integração energética do Cone Sul ao começar a importar gás natural argentino via Gasoduto Bolívia-Brasil. O Gasbol está subutilizado devido à queda da produção na Bolívia, cenário que abriu espaço para a utilização da mesma rota para escoar gás argentino até o Brasil. Esse novo fluxo representa uma oportunidade estratégica para a Argentina, que busca novos mercados para o gás de Vaca Muerta, e para o Brasil, que precisa diversificar suas fontes de suprimento frente à volatilidade do GNL, a redução das importações bolivianas e as incertezas sobre a disponibilidade de gás doméstico. O transporte do gás argentino pelo território boliviano requer o pagamento de tarifas de trânsito à estatal YPFB, US$ 1,40-US$ 2,00/MMBtu. Esses custos variam conforme o tipo de contrato — firme, sazonal ou interruptível — e têm sido considerados elevados por operadores brasileiros. A Bolívia afirma ter capacidade técnica para transportar 35 MMm3/dia em seu território, dos quais 10 MMm3/dia de gás argentino ao Brasil com ajustes operacionais e contratuais. Para alcançar volumes da ordem de 10 MMm3/dia exportados via Bolívia, são necessários investimentos significativos na Argentina, especialmente na malha norte do país, que conecta Vaca Muerta à fronteira boliviana e também na segunda fase do gasoduto Nestor Kirchner, elevando a capacidade de transporte até o norte da Argentina para 44 MMm3/dia, com investimentos de US$ 2,6-3,0 bilhões.
Tecnicamente, Vaca Muerta já tem capacidade instalada. No entanto, para garantir fornecimento sustentável para exportação, são necessários contratos de médio e longo prazo, que justifiquem aumento da produção. Apesar do alto potencial exportador, a capacidade da Argentina de exportar no inverno é limitada por gargalos estruturais e regulatórios. Dentre os quais estão a prioridade ao mercado interno, estabelecida em lei, em particular durante os meses de junho a agosto, quando a demanda interna de gás na Argentina sobe significativamente. Por exemplo, na primeira quinzena de julho/2025, a Argentina suspendeu exportações ao Chile e o suprimento a indústrias e consumidores de GNC, devido a uma onda extrema de frio. A Argentina carece de infraestrutura robusta de armazenamento de gás. A produção precisa atender a demanda em tempo real, dificultando a gestão de excedentes. A malha do Gasoduto Norte precisa operar com flexibilidade, revertendo seu fluxo sazonalmente, o que ainda exige obras em andamento e cuidados operacionais complexos. As exportações atuais, por serem majoritariamente interruptíveis, não garantem suprimento contínuo ao Brasil, limitando a atratividade de contratos com consumidores industriais brasileiros.
Além da rota Bolívia, o Brasil estuda outras opções de rotas para importar gás argentino: a) Gasoduto Uruguaiana–Porto Alegre, cerca de R$ 6,8 bilhões em investimentos, capacidade estimada de 15 MMm³/dia; b) Corredor Chaco–MS via Paraguai, 1000 km de gasodutos, estimado em R$ 8 bilhões; c) Importação via Uruguai, ou novos terminais de GNL no sul do Brasil. Todas essas novas rotas requerem contratos firmes de capacidade e take-or-pay, por pelo menos 15 anos. No caso da rota via Bolívia, é preciso considerar o custo completo, incluindo o preço na boca do poço, tarifas de transporte na Argentina e de trânsito via Bolívia, além dos custos de distribuição e transporte no Brasil. Segundo dados publicados na imprensa, os preços na fronteira Argentina-Bolívia, para volumes experimentais e interruptíveis, foram de US$ 6,49-9,18/MMBtu, chegando ao city-gate no Brasil entre US$ 9,4 e 13,2/MMBtu, ainda pouco competitivos com os preços atuais no Brasil. Convém ainda ressaltar os riscos financeiros e geopolíticos. No caso da Bolívia, instabilidade política e disputas internas podem impactar acordos de trânsito. No caso da Argentina, a crise fiscal, necessidade de dólares e transições regulatórias, criam incertezas para investidores. A importação de gás argentino via Bolívia representa uma solução estratégica para o Brasil diante da queda da produção boliviana e da volatilidade do GNL. No entanto, para atingir volumes significativos e sustentáveis (10 milhões m³/dia), a Argentina precisa investir mais de US$ 3 bilhões em infraestrutura de transporte e compressão, além de firmar contratos de longo prazo com compradores brasileiros. As rotas alternativas dependem de contratos firme de longo prazo com consumidores brasileiros para serem financiáveis.
Fonte: BrasilEnergia – Ieda Gomes
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