Pleito da Petrobras junto a ANP é flexibilizar limites de hidrocarbonetos, como o etano, que deixariam de ser aproveitados como matéria-prima petroquímica
O setor industrial e as distribuidoras de gás canalizado estão receosos com um movimento que vem ocorrendo na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para mudar as especificações do gás natural comercializado no Brasil.
A discussão foi iniciada em 2017 a partir de uma proposta da Petrobras para flexibilizar os limites para a presença de hidrocarbonetos metano, etano, propano e demais líquidos do gás natural. A estatal argumenta que os atuais limites obrigatórios são um obstáculo para a potencialização da oferta do pré-sal. Isto porque, para se adequar às especificações atuais, os investimentos para a separação das correntes seriam maiores, pois o gás natural dos novos poços são ricos nessas correntes de líquidos, em específico o etano, o principal alvo da polêmica.
Atualmente, pela Resolução ANP 16/2008, que estabelece as especificações do gás natural, o limite máximo de etano no gás é de 12%; e de metano, de no mínimo 85%. O gás do pré-sal, associado ao petróleo, é muito rico em componentes líquidos e, no caso do etano, há presença em certas áreas que variam de 18% a 20%.
O pleito da Petrobras é o de liberar a venda de gás natural sem a necessidade de separar o etano. Na prática, isso significa que o componente poderia estar presente no gás comercializado para o consumidor, seja ele industrial, comercial ou residencial, em níveis até três vezes maiores do que os atuais. Hoje, os valores de composição de gás praticados no mercado estão aquém das especificações, em uma faixa superior a 90% de metano e de cerca de 6% de etano.
“Essa alteração só seria benéfica para o produtor e prejudicial para toda a sociedade”, diz o diretor da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, Marcelo Mendonça. Segundo ele, a maior presença de etano no gás danifica equipamentos industriais, fogões, motores, automóveis, que precisariam ser readaptados; além de causar impacto muito maior ao meio ambiente.
A variação na composição dos hidrocarbonetos do gás afeta, por exemplo, a eficiência operacional de turbinas a gás natural, gera fuligem em fogões, muda a velocidade da chama e o tempo de cocção, entre vários outros problemas. Além disso, todas as certificações atuais de equipamentos a gás natural são baseadas em testes com os atuais parâmetros. Isso demandaria novos critérios e regulações.
Para o meio ambiente, a presença maior de hidrocarbonetos não-metano (etano, propano e mais pesados), com menos presença de metano, aumentaria a quantidade de gases do efeito estufa e de gases poluentes como o óxido de nitrogênio. “Quanto mais pesados os hidrocarbonetos, maiores as emissões de CO2”, diz a diretora de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Ferreira. Esse efeito seria muito nefasto em usinas térmicas a gás, por exemplo.
Impactos para a petroquímica
O outro ponto negativo da mudança seria o risco de se queimar o etano, matéria-prima importante do setor petroquímico, empregado na produção do eteno, insumo básico da segunda geração petroquímica. Isso porque sem a sua separação, nas chamadas UPGNs (Unidades de Produção de Gás Natural), ele seria queimado na combustão do gás natural em suas variadas aplicações. Nesse ponto, a Abiquim demonstra muita preocupação, principalmente porque hoje a indústria petroquímica nacional precisa completar o consumo de etano com importações.
“Com o etano disponível no gás do pré-sal, calculamos que seria possível criar mais duas centrais petroquímicas no Brasil, com capacidade para produzir 1,3 milhão de t/ano de eteno cada”, diz Fátima Ferreira.
Além disso, com a separação, o gás natural matéria-prima, mais rico em metano, também seria muito importante para a cadeia química, por exemplo, na produção de metanol, fertilizantes, negro de fumo, entre outros produtos. “Esse consumidor industrial quer um gás natural puro, com alta concentração de metano”, completa.
De forma geral, como combustível e matéria-prima, o setor industrial responde por 40% do consumo do gás natural no país.
“O pré-sal pode ser o que o shale gas foi para a indústria norte-americana, que se recuperou com a oferta de hidrocarbonetos não-metano separado do gás de xisto. Não podemos perder essa oportunidade”, afirma o presidente do Conselho Diretor da Abiquim, Marcos De Marchi. Só para se ter uma ideia, a indústria química norte-americana prevê investimentos de US$ 200 bilhões nos próximos cinco anos.
Para De Marchi, se o governo aceitar a proposta da Petrobras, o país exportará o gás natural do pré-sal como GNL e deixará de recuperar a indústria química. O setor químico terá déficit de US$ 40 bilhões na sua balança comercial em 2018. Segundo dados da Abiquim, cada 22 milhões de m³/dia a 25 milhões de m³/dia de gás rico do pré-sal pode viabilizar investimentos de US$ 6 bilhões em um cracker de escala global com efeito multiplicador na economia.
A tentativa de barrar o pleito da Petrobras vem envolvendo, desde junho de 2017, diversas reuniões na ANP com representantes de associações da indústria, como a Abividro, a Abrace, Anace, Abiclor (cloro-soda), a Abiquim, Abal (alumínio), Aspacer (cerâmica), além de federações como Fiesp e Fiergs e a própria Abegás.
O esforço conjunto já fez a ANP adiar uma consulta pública que seria feita para avaliar o pedido da Petrobras. A agência no momento estaria avaliando os impactos ao meio ambiente que o gás com a nova composição poderia causar, o que pode ser considerado estratégico para o país conseguir cumprir seus compromissos internacionais de descarbonização.
Segundo Fátima Ferreira, da Abiquim, a união do setor industrial e de distribuição de gás também originou uma nova proposta à ANP estabelecer novos limites de especificação, seguindo a realidade do mercado e a experiência internacional mais avançada.
Para o metano, a sugestão das entidades é elevar o teor mínimo de metano de 85% para 88%, aproximando-se dos limites praticados no mercado. Já para os hidrocarbonetos não-metano, a proposta é garantir a qualidade do gás com maior exigência na separação dos componentes. Nesse caso, o limite máximo de etano iria para 9%, maior do que o praticado hoje no mercado (6%) e pouco inferior ao limite de 12% da resolução em vigor.
“Isso está alinhado à tendência internacional de aproveitar o potencial do gás e beneficiaria toda a sociedade e não apenas ao produtor”, afirma a diretora. Segundo ela, a ideia levada à agência é lançar uma consulta pública para avaliar as mudanças propostas pelas associações.
Fonte: Brasil Energia
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